Comentários Eduardo:
Pessoal, este é um dos três textos que ficaram como “rascunho” aqui no blog do Daniel. Eram três alternativas e espero estar escolhendo a “melhor” delas neste momento:
- apagar os textos (cito apenas pela necessidade de mostrar as opções);
- nos atrevermos (eu ou alguém) a editar os textos no sentido de “finalizá-los” / “completá-los” e publicá-los;
- apenas publicar os textos, da maneira como o Daniel os deixou, com a opção de nos comentários deixarmos nossas palavras. É a opção escolhida. Eu, que normalmente edito TODOS os textos por aqui, abro exceção ao não mexer neste, apenas colocando os links que o Daniel tanto gostava também.
A última edição do Daniel no texto abaixo foi feita em 15/junho/2017. É o post de número 51 do Daniel, e o último dele para o Minuto HM. E por ser um texto sobre Gene e o Kiss, temos algo muito especial / marcante aqui.
[ ] ‘ s,
Eduardo.
Eu sou um baixista frustrado. Inclusive, quando comecei a compor (lá pelos 20 e 21 anos), fazia todas as minhas composições a partir do baixo. Nada (mesmo a guitarra), me chama mais a atenção do que o contra-baixo em uma canção, seja qual for o estilo. Eu me tornei tecladista por ser um músico preguiçoso (para estudar e praticar) e entender que as harmonias modais já eram suficientes para construção de camas e climas. Para ser um bom baixista, na minha opinião, é preciso muito mais. Criatividade, groove e ir além das chamadas “cabeças de nota”.
Eu jamais teria essa condição, embora, repito, tenha sido a partir de riffs de baixo, que eu tenha pensado a maioria das canções que compus nestes quase 20 anos que me dediquei a escrever músicas. Imaginava como aquela nota funcionaria e passava para o baixista (de verdade) e ele aceitava ou não minhas sugestões. No caso, o amigo achava que eram “boas” e colocava suas ideias e acabava sendo o co-compositor daquelas ideias. Como eu nunca fui ciumento neste sentido, achava a colaboração sempre enriquecedora.
Os músicos que eu prestei atenção na minha infância / adolescência tocavam baixo: Gene Simmons, Paul McCartney, Geddy Lee, Steve Harris, Mike Porcaro, Leland Sklar, Arthur Maia, Celso Pixinga, Nilo Romero, Bi Ribeiro, Da Gama… O instrumentista do baixo pode aparecer por inúmeras condições, mas uma delas é bastante paradoxal.
O baixista bom pode aparecer por sua discrição (caso do Bi) ou por sua intensa participação em canções (Maia, Lee ou Porcaro). Isso é bastante engraçado, mas tem bastante relação com a música que fazem. Bi Ribeiro, baixista dos Paralamas, a “história” (ou a lenda) diz que Herbert Vianna “obrigou-o” a aprender o instrumento para que pudesse fazer parte da banda e teria sido ele o encarregado de passar as primeiras lições. Bi, já nos primeiros discos, tem uma característica bastante interessante, se me permitem comentar: o uso dos intervalos para acomodar sua própria canção. Isso me emocionava no sentido que eu via o músico mostrando sua participação mesmo sem aparecer. Uma mixagem caso fosse preguiçosa, esconderia as bonitas intenções harmônicas do músico.
Já Harris era o dono dos riffs. A maneira do músico compor era a partir das sua iniciativa. Algo – que dada às devidas proporções – era exatamente como eu imaginava a música. Faça uma experiência. Esteja em um local com isolamento acústico “deficiente” e preste atenção às canções que tocam a sua volta. Sim, você ouvirá as frequências graves daquela música. Isso me faz brincar (até hoje) de adivinhar o que tá rolando no playlist alheio a partir do baixo / bumbo. Um baixo não escondido entre camadas de guitarra e camas de teclado, ficará sempre ali a sua disposição para descobrir a música no “leilão das notas musicais”.
Porcaro, um dos músicos mais bacanas da música AOR / POP tinha como parceiro o talentosíssimo Steve Lukather. Em bandas onde os guitars heroes são protagonistas em várias das ações, conseguir algum tipo de destaque não é tarefa muito fácil. Mesmo assim, optando seja por “tap” ou linhas mais limpas, o baixista (que faleceu em 2007) aparecia nos arranjos sempre muito entornados de instrumento: bateria, percussões, teclados (muitos), ao menos 2 guitarras (a lead e a base), violões e o que desse. Porkaro tinha identidade.
Gene Simmons não é um virtuose. O músico do Kiss talvez seja entre suas funções – músico, compositor e vocalista – um ótimo cantor. Alguém que consegue impressionar logo nas primeiras notas. Vaidoso quando chama pra si a atenção no palco com todos os seus adereços que fariam qualquer carnavalesco sonhar com a ideia do Kiss ser enredo de agremiação sambística, Gene faz até críticas aos músicos que são conhecidos pelo talento expressado através da velocidade e técnica. Uma crítica que pode esconder o fato de ser um músico sem muitos recursos, mas que atende às “necessidades” (com todas as aspas) da canção.
No Kiss, especialmente, você não verá nenhuma música da banda conhecida por um riff composto por ele em seu instrumento. No entanto a sua presença sempre é percebida, mesmo em álbuns cujo os agudos (a fase Asylum, Crazy Nights, Hot In The Shade) tomaram conta da mixagem. Até acho – achismo mesmo – que tem canções ali reproduzidas por seus pares da banda ou por músicos contratados, tal a presença burocrática do instrumento em faixas que nada acrescentam à grandiosa discografia da banda. Essa fase, segundo os inúmeros relatos, música era uma preocupação distante do músico israelense, sonhando com algum lugar ao sol nas produções cinematográficas de baixíssimo calibre.
Contudo, ele é um dos meus músicos favoritos por entender a função do seu instrumento em uma canção. No caso de Gene, a principal virtude é fazer algumas linhas belíssimas (como as que selecionei para o post) ou a escolha por dinâmicas interessantes, como em “Detroit Rock City”. Se possível acompanhe o texto com o fone de ouvido para acompanhar todos os detalhes.
“Goin’ Blind” – Hotter Than Hell (1974)
Embora o disco de estreia tenha sido lançado no mesmo ano, é no segundo que começam as ideias mais bacanas de Gene para seu instrumento. Embora de som sofrível, “Hotter Than Hell” tem composições interessantes ainda expressivas e com participação nos shows. Esse disco mereceria ser regravado, mas isso é um outro papo. O arranjo de “Goin’ Blind” se concentra numa guitarra base bastante problemática e que pode ter sido executada por Paul Stanley e por isso as frases de Gene é que ganham bastante destaque. Durante o desenvolvimento elas ganha a companhia de uma segunda guitarra, essa mais “bonitinha”. “Going Blind” é o tipo de canção anticlimax do Kiss. Ela não tem muito a ver com as canções da banda, seja daquele passado recente ou dos discos que o grupo faria no futuro. Ela está deslocada naquele álbum e talvez tivesse mais relação com o “Music From The Elder“. Eu curto a canção e o trabalho do baixista nela.
“Room Service” – Dressed To Kill (1975)
Essa canção que abre o álbum Dressed To Kill segue a linha de um rock americano tradicional. No entanto Gene está muito bem com sua escolhas brincando com as notas que compõe o acorde ou mesmo seguindo as ideias de riff da guitarra na chegada ao refrão. A gente não pode esquecer que o timbre é muito importante e, ao menos nisso, Gene (ou seu roadie de produção) sempre fizeram um bom trabalho. Aqui nesta faixa o casamento entre Gene e Peter Criss mostram que a banda é muito forte quando opta pelo rock básico. Uma aula de boogie woogie / rockabilly. Faixa divertida.
“Two Timer” – Dressed To Kill (1975)
Um dos meus discos preferidos, Dressed To Kill traz a banda em grande forma, mas reparem que pode parecer até uma questão de egocentrismo, que é o baixo de Gene esteja um pouquinho mais alto neste disco; quem sabe uma exigência do músico insatisfeito com o resultado sujo e ruim do disco anterior. As ideias utilizadas logo no início são excelentes e modernas para o som feito nos dias de hoje. Acompanhe que “copiando” um walking bass, vai pontuando sua linha através das frases ditas por ele na canção. Uma das coisas mais bacanas, é que após o encerramento da primeira estrofe, se você conferir, ele poderia ter repetido as frases criadas da primeira linha e o músico opta por outra ideia, deixando quem “quer tirar” o baixo, meio embasbacado não apenas pela simplicidade mas também pela inventividade dentro de um acorde. Embora em Bb (Si Bemol), como a banda toca quase tudo com 1/2 tom abaixo, em Lá ele varia para notas dentro do espaço da tríade. No caso A-C#-E ou mesmo nos intervalos tonais deste acorde. Eu curto. É uma maneira simples de dizer “a que veio” dentro da canção.
(…)
Daniel da Costa Junior (In Memoriam)
Categorias:Artistas, Iron Maiden, Kiss, Músicas, Resenhas, Rush, The Beatles
Daniel, sempre de muito bom gosto, nos deixou um texto muito legal sobre o baixista Gene. Normalmente o linguarudo não é relacionado ao instrumento, mas, deixando claro, sempre o achei um músico bastante competente e seguro. São poucas as vezes que o vi ( e ouvi) errar, algo muito importante para que a música saia sem buracos. Além dessa segurança, em alguns momentos se atreveu a deixar linhas interessantes, mostrando que se essa não era a sua prioridade, isso não significaria que não soubesse sublinhar de forma casual uma ou determinada canção de um determinado álbum.
O Daniel tinha e tem razão quando suspeitava de algumas linhas não terem sido gravadas pelo linguarudo no KISS. O próprio Gene preferiu deixar a linha que havia sido criada por outro músico ( contratado, cobrindo nas pré-produções ou mesmo entre os integrantes da banda), se entendesse que a mesma tinha efetividade na canção ou talvez fosse ( na opinião dele) melhor executada por aquele músico eventual. Ele preferia ver o som bonito e a canção mais próxima da perfeição possível, fosse quem fosse a executá-la. Vaidade, neste caso, zero.
Gostaria de destacar o som parrudo que ele tem escolhido nos últimos trabalhos, em especial no Monster.
Destaco, para complementar este bonito post que o Daniel mais uma vez nos deixou, a canção Naked City, do álbum Unsmasked. As estrofes trazem uma linha de baixo bastante harmoniosa e criativa, no meu entender onde o baixista Simmons se mostra melhor:
Por fim, Eduardo, agradeço a excelente idéia de deixar mais este post como um legado das verdadeiras pérolas em formato de escrita que o nosso saudoso Daniel nos deixou.
Onde quer que ele esteja, acredito ter esboçado um sorriso de aprovação.
Alexandre
CurtirCurtir
Tou devendo muito aqui, principalmente ao Daniel. Eduardo, sim, eu atesto a sua ótima escolha e modalidade cuidadosamente pinçada. O texto é novamente irrepreensível, as linhas de baixo, cuidadosamente escolhidas. Eu fico aqui com um sorriso de ponta de lábio, imaginando um companheiro baixista no Daniel. Como aprendiz, mais uma aula aqui, tanto de contrabaixo, como em redação. E que saudades…
CurtirCurtir