Discografia HM – Bruce Springsteen e 25 anos de The Ghost Of Tom Joad

Sabe quando você está olhando para o nada, com aquela cara de paisagem, e espera que uma trilha sonora bem tranquila venha e preencha aquela momento? Aconteceu comigo esses dias. Eu estava no carro, no sinal vermelho, com a cabeça no vazio, quando me peguei cantando junto a Straight Time, que estava no meu streaming. Eu pensei: “Como esse álbum do Bruce Springsteen é realmente perfeito para esses momentos!”.

O álbum que pensei foi The Ghost Of Tom Joad, cuja faixa que tocara, Straight Time, era a segunda. Tenho um carinho muito especial por esse disco e confesso que me bateu uma nostalgia muito forte naquele meu momento no carro. O ano era 1995. Vivendo em cidade pequena de interior, eu tinha pouco acesso às novidades musicais, fora o pouquíssimo conhecimento de um adolescente que ainda estava se encontrando no meio dos gostos musicais do que chamávamos de rock.

Eu tinha uma caixinha que cabiam cerca de oito K7s e o CD, apesar de ter maior abrangência nas capitais, para o interior ainda era algo novo. Eu devia ter uns três CDs, entre eles, o Seventh Son Of a Seventh Son, meu primeiro CD do Maiden. Mas na caixinha, eu tinha um carinho muito grande por três K7s originais (a maioria eu tinha gravações que montava com amigos ou coisas que tocavam na rádio): Joyride, do Roxette; Blood Sugar Sex Magic, do Red Hot Chilli Peppers e Greatest Hits do Bruce Springsteen, que tinha saído também em 1995 (no início do ano).

Aquele K7 do Bruce Springsteen para mim foi algo revolucionário, pois foi a primeira vez que vi uma fita ter encarte. Existia um mini-livreto que você desdobrava e tinha acesso a algumas fotos e letras das canções, em uma letrinha minúscula, para caber em uma “folha” do tamanho do K7.

Eu ouvia aquele K7 por todo lado. Meu pai odiava quando a gente saia de carro e eu levava a fita para colocar no rádio. Fã dos boleros de Nelson Gonçalves, ele não gostava de dirigir com aquele “barulho”. E parecia que só eu gostava daquele tal de Bruce Springsteen, pois todos para quem eu apresentava o som torcia o nariz na minha frente.

Foi naquele mesmo ano de 1995 (só que mais para frente, entre Novembro e Dezembro), estando à toa na frente da televisão, ligada no canal Bandeirantes (não era eu assistindo), que passou, durante a noite, uma vinheta, de uns 10 segundos (não dava para chamar aquilo de “propaganda”), falando no mais novo lançamento de Bruce Springsteen, intitulado The Ghost Of Tom Joad.

Eu tinha dinheiro guardado das mesadas da minha vó. Comprei o CD no dia seguinte (quem diria que o álbum estaria disponível na minha cidadezinha). Ao escutá-lo, não esperava que iria ouvir um álbum acústico (a vinheta não mencionava isso). Na maioria das faixas, tudo o que se ouvia era a voz de Bruce, acompanhado de uma guitarra acústica e sua gaita. Em algumas faixas, uma bateria bem fraca (só para acompanhamento), um teclado para dar volume de fundo; às vezes um violino. Outros instrumentos também apareciam, sempre com papel de coadjuvante.

Um álbum calmo, de uma ambientação pacífica, que mantém o tom de tranquilidade mesmo para contar tragédias. Mal sabia eu dos contextos políticos e multiculturais que as músicas tratavam … e fui aprender isso muito, mas muito tempo depois.

No início da década de 90, os Estados Unidos estavam passando por uma notória invasão de pessoas ilegais através de sua fronteira, a maioria mexicanos. Não que em décadas anteriores isso não ocorrera, mas foi o momento quando os jornais realmente expuseram os carteis de drogas mexicanos e as péssimas condições de vida de pessoas que vinham ao país em busca de dias melhores.

Bruce resolveu contar o que se passava com essas pessoas, expondo aos Estados Unidos o “outro lado da história”: a opressão, a fome, a dor e o sonho de uma liberdade, mesmo que utópica – pois tudo poderia melhorar do outro lado da fronteira. A primeira faixa, que leva o título do álbum, mostra isso muito explícito, mostrando as pessoas que cruzavam a fronteira entre Tijuana e San Diego, e subiam a highway californiana até achar um destino, passando fome, frio, dormindo no chão; mas, ao mesmo tempo, lutando para ter dignidade e liberdade.

O álbum passeia por diversos pontos de vistas, como a segunda faixa, Straight Time, que fala sobre um ex-presidiário que, mesmo recomeçando após sua saída da cadeia, sonha e tenta tomar coragem para um dia sair de onde está e atravessar a fronteira.

Bruce Springsteen tinha a noção do país multicultural que os Estados Unidos se tornaria e, para expor ainda mais as atrocidades que os imigrantes ilegais passavam, Bruce resolveu ir além de suas metáforas e cantou histórias reais.

É o caso de Sinaloa Cowboys, que discorre sobre dois irmãos que vão trabalhar na produção de metafetamina em um local clandestino e o laboratório explode, com o caçula sendo enterrado pelo irmão mais velho. Ou Balboa Park, que conta a história de crianças latinas que se prostituíam no famoso parque de San Diego (eu já estive lá e presenciei a beleza do parque) e uma delas leva um tiro da polícia.

Até mesmo a comportamento dos americanos pós guerra do Vietnam é um alvo certeiro do The Boss, em Galverston Bay, onde exilados vietnamitas e texanos convivem lado a lado e assassinatos ocorrem.

Os fãs de Bruce Springsteen sabem que o álbum Born To Run completa 45 anos em 2020 e ele é um álbum muito mais significativo para o mundo da música. Entretanto, além de ter sido esse o primeiro álbum de estúdio que comprei do The Boss, The Ghost Of Tom Joad nunca pareceu ter uma temática tão atual. Hoje muitos americanos apoiadores de Donald Trump querem um muro que proíba a entrada de imigrantes ilegais (e Trump vai concorrer a reeleição nesse ano).

As mensagens do álbum, de que todos os seres humanos merecem acolhimento e respeito, parecem distantes, mesmo depois de tanto tempo onde um dos cantores mais significativos da América deu esse sinal de alerta para seu público americano.

Realmente música nos leva a refletir sobre muita coisa. E serve, inclusive, para relaxar e deixar a cabeça espairar enquanto um violão toca calmamente de back track, até você voltar levemente à realidade pelo som de uma gaita.

Beijos nas crianças!

Kelsei



Categorias:Artistas, Curiosidades, Discografias, Músicas, Resenhas

3 respostas

  1. Bem, o texto deste post é muito bacana mesmo. Trazer as memórias afetivas e as diferentes formas do inicio de cada formação musical de cada um de nós do MInuto HM sempre é algo muito bem vindo, pelo menos pra mim.
    Acho que você ficaria muito surpreso com boa parte do que fez a minha iniciação musical em plena ditadura militar…
    Em relação a Springsteen, eu não curto. Inclusive o Born to Run foi um dos poucos álbuns que não me agradaram na espetacular lista de 75 do consultoria , lista que pude participar.
    Independente disso, ressalto a postura de Bruce nos shows e nas suas escolhas pessoais, políticas , sociais. Tenho admiração por tudo que envolve a pessoa Bruce Springsteen, exceto pelo som, infelizmente.
    Esse é o tipico post surpreendente e muito agradável de ler por aqui.

    Alexandre

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  2. É sempre muito legal lermos relatos pessoais aqui no blog, nostalgia pura. Particularmente, existem três nomes setentistas que foram deixados de lado por mim nos anos 80, justamente por causa da superexposição na mídia da época. Atualmente é uma pendência minha conhecer mais e ter alguns dos seus discos clássicos.
    São eles: Dire Straits, Peter Framptom e Bruce Springsteen. O primeiro, já consegui adquirir alguns CDs e LPs, já o segundo nome, por sorte fui presenteado por um amigo com 3 LPs e assim deu para ter mais ou menos uma ideia da sua carreira nos anos 70 e 80, mas e quanto ao personagem principal deste post? Continuo sem nenhum material e consequentemente sem conhecer absolutamente nada. Me lembro de ter ouvido há uns 10 anos atrás no rádio uma música chamada “Radio Nowhere”, tinha um riff muito eficiente, aquele típico Rock Arena, gostei bastante! Acho que foi a primeira vez que prestei a atenção de verdade em alguma coisa que o músico havia gravado.
    Há alguns anos li um livro sobre os The Beatles, onde o autor dedica um capítulo sobre Mr. Springsteen, nele dá a entender explicitamente que ele foi um dos responsáveis pelo sucesso de Bruce, pois a pedido do próprio Springsteen o apresentou a Phil Spector, esse vendo o grande talento do músico resolveu trabalhar em algumas músicas com ele e isso alavancaria sua carreira, principalmente na Europa.
    Kelsei, para ser breve gostaria de dizer que este post foi extremamente gratificante de ler!
    Que venham muito mais como este! Além disso, mais um motivo para eu tentar conhecer um pouco mais sobre Bruce Springsteen.

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