“… If our goals are all the same, we can run alone and free…” – Neil Peart, Cygnus X-1 Book 2: Hemispheres.

Assim como seu predecessor “A Farewell to Kings” (1977), “Hemispheres”, o sexto álbum de estúdio do grupo também foi inicialmente idealizado para ser gravado no Rockfield Studios, localizado no interior do País de Gales, Reino Unido. O grupo, em meados de 1978, havia obtido três discos de ouro e três de platina no Canadá e caminhava para o terceiro de ouro nos Estados Unidos. É bem plausível afirmar que a banda já sofria pressões sobre si mesma na tentativa de trazer um novo trabalho que não fosse menos que excelente e ao mesmo tempo diferente do que eles haviam criado até então. Mais do que isso, a banda continuava a querer expandir seus horizontes, sem considerar qualquer barreira, como o formato das canções, seus tamanhos, suas dificuldades técnicas. A ideia era transpor qualquer obstáculo e ir o mais fundo que eles conseguissem. “Hemispheres” é, até hoje, considerado o álbum mais “nerd” da banda, como bem pontuou Mike Portnoy do Dream Theater.

Assim, para completar o álbum, o grupo acabou levando muito mais tempo do que nos álbuns anteriores. Foram dois meses e meio enfurnados no Rockfield antes de partir para mixar no Trident. Segundo Alex Lifeson, eles até tinham ideias bem claras do que queriam fazer, mas precisaram de mais tempo para atingir exatamente o resultado desejado. O grupo passou as primeiras 2 semanas apenas escrevendo e arranjando na pré-produção do material, ajustando a direção desejada e lidando com as dificuldades da complexidade das novas faixas. Por fim o tempo agendado no Rockfield não foi suficiente para terminar as gravações e acabaram tendo de gravar os vocais no Advision Studios, aonde o Yes havia gravado os álbuns clássicos “Yes” (1969), “Time and a Word” (1970),” The Yes Album” (1971) e o “Close to the Edge” (1972) e também aonde havia sido mixado o álbum anterior, “A Farewell to Kings”. Em uma entrevista de Fevereiro de 2025 para o site Metal Injection, Lee afirmou que “em um certo ponto durante a gravação nós paramos de nos barbear. Nós praticamente nos tornamos estas [grotescas] criaturas do prog nesta casa de fazenda, trabalhando a noite toda, dormindo o dia todo”, e que “Hemispheres foi o álbum que nunca acabava”.
Geddy disse que teve muita dificuldade em trabalhar seus vocais na base já gravada no Rockfield. As letras foram incialmente desenvolvidas utilizando-se de violões com as linhas melódicas apenas rascunhadas para dar uma linha geral às estruturas das canções. No momento de registrar os vocais, o baixista-vocalista percebeu que teria muita dificuldade com os agudos das canções. Segundo Geddy … “We very much were all about music first”…”The way we wrote was music first. We responded to the keys that we happened to be writing in. We took a slightly different approach [with Hemispheres in terms of keys] and that’s what sounded fresh to us”… (“Nós nos importamos muito com a música primeiro”…”A maneira como escrevemos foi a música primeiro. Nós respondemos às tonalidades em que estávamos escrevendo. Nós adotamos uma abordagem um pouco diferente [com “Hemispheres” em termos de tonalidades] e foi isso que soou novo para nós”…)
As sessões de gravações dos vocais foram consequentemente muito tensas. Houve inclusive algumas ligeiras discussões, quase físicas, entre Geddy e Terry Brown. Alex disse que nunca viu o produtor tão frustrado. Para piorar, a ideia inicial de emendar a mixagem no Advision Studios acabou dando errado. Terry Brown e o engenheiro de som Pat Moran (“Duffo”) também apresentaram dificuldade para obter uma mixagem satisfatória, assim o tempo acabou e a banda preferiu retornar neste período ao Canadá, já que estavam longe de casa por muitos meses. Em agosto de 1978, finalmente, conseguiram agendar o Trident Studios, em Londres e finalizar o processo. A banda acabou por precisar de algo próximo ao dobro de tempo que demorava para gravar seus álbuns anteriores e gastaram o equivalente a cem mil dólares canadenses, de longe o mais custoso trabalho até então. “Hemispheres” com seus erros mostrou ao Rush como era importante um tempo em pré-produção, coisa que dali em diante eles não deixariam de fazer. Os contratempos todos poderiam ser evitados, se a banda tivesse tido esse tempo de ensaio e avaliação prévia. Por isso, ainda que o resultado final tenha sido exuberante, a banda se recorda de toda a dificuldade que passou.
Musicalmente “Hemispheres” marcou, para muitos, o encerramento do período clássico progressivo do trio canadense. É tido que o direcionamento musical ainda mais intricado fez com que o Rush atraísse fãs de bandas como o Yes e Genesis (e vice-versa como no meu caso [Abilio]). Este álbum é, sem dúvidas, uma das obras mais imaginativas e ambiciosas da carreira do trio. Considerado por muitos como o auge criativo do grupo e o ápice de seu lado progressivo, o sexto álbum de estúdio da banda apresenta forte complexidade explicitada em todas as suas fantásticas linhas harmônicas, rítmicas e melódicas.
E novamente o grupo resolveu incorporar outras ferramentas ao seu já considerável arsenal anterior. Além das guitarras Gibson ES-355 branca e Gibson ES-335 Sunburst, Lifeson traz o que por muitos é considerado o primeiro modelo de guitarra sintetizada. Ele teve à disposição, dois modelos. O da Zetaphon acabou não sendo utilizado. Alex acabou por escolher o embrião inicial da Roland GR-500, construída tendo como base o corpo de uma guitarra do tipo Les Paul e um módulo acoplado, acionado através de novos controles embutidos na guitarra.


Por insistência de Terry Brown, o som de Alex se incorporava dos diversos efeitos após a gravação inicialmente efetuada. Ou seja, as guitarras produzidas em estúdio vinham sem qualquer efeito, estes eram acrescidos depois. Esta maneira de gravar se justifica por possibilitar uma nova mixagem posterior, corrigindo ou alterando qualquer efeito que inicialmente se entenda o correto, mas que depois precise ser refeito. Uma vez que os efeitos fossem colocados no momento da gravação, quase nada poderia ser corrigido posteriormente. Por isso, a opção por esta forma de gravação se seguiu até o álbum “Signals”, que veremos mais à frente. Em “Hemispheres”, Alex teve também o seu som de guitarra dobrado na mesa de gravação, dividido em estéreo e acrescido dos efeitos. A opção por dobrar a gravação na mixagem, ao invés de gravar duas linhas de guitarra, justifica-se para obter maior precisão nas linhas, riffs e acordes. Outra mudança que o guitarrista fez foi trocar seus Marshalls por amplificadores Hiwatt. A mudança mais fundamental no som de “Hemispheres” em relação a “A Farewell To Kings” e os demais álbuns anteriores se refere de fato ao uso do pedal chorus, como veremos neste capítulo.
Geddy Lee acrescentou um novo teclado para “Hemispheres”, adquirido um ano antes depois da turnê com Bob Seger. Na ocasião Geddy percebeu as possibilidades do uso do instrumento, ao ver o tecladista de Bob, Robyn Robbins, utilizando a versão com 4 vozes de um Oberheim. O Oberheim polyphonic 8 Voice que Lee comprou foi moldado fisicamente com o Minimoog usado até então. No começo de 1978 Lee contratou um marceneiro para construir um suporte que abrigaria os dois teclados como se fossem um só. O serviço inicialmente ficou ruim, pois Geddy perdeu os contatos com os pedais de expressão daquele teclado. Isso foi resolvido por Jack Street, técnico de eletrônica, junto com uma espécie de “mago” da eletrônica do estúdio Rockfield, que se chamava Otto. Ainda assim, Geddy reclamou do tamanho final do aparelho. Era uma espécie de gigante manual duplo, plugado também com o Moog Taurus Bass Pedal que poderia reproduzir os sons do teclado acionando-se pelos pés. A foto abaixo mostra o tamanho da parafernália dupla e seus diversos controles acima dos dois teclados.

Liricamente “Hemispheres” é marcado pela ainda presente tendência de Peart em utilizar fantasia e ficção científica em suas letras, porém a inclinação mais fantasiosa proposta por Peart em suas letras do início da carreira iria a partir dali, aos poucos concentrar-se em temas mais humanos, como o medo, pressões da fama, preconceito e perdas, influenciado pela mitologia grega, além do pensador Nietzsche e escritores como Shakespeare. O baterista continuaria a usar todo um arsenal percussivo, que atingia um número considerável de peças já desde o álbum anterior.
O primeiro lado do álbum é a conclusão de “Cygnus X-1”, cuja parte 1 havia sido feita no álbum anterior, “A Farewell To Kings”. Esse lado A inteiro, com cerca de 18 minutos traduz também o tema que seria representado na capa do álbum. Ele é baseado na dualidade do filosófico tema que envolve os deuses gregos Apolo e Dionísio, completamente antagônicos em sua forma de viver, mas ao mesmo tempo entrelaçados pela natureza.

Já para o segundo lado, o grupo opta por trazer em sequência dupla os singles que optaria por lançar comercialmente. O álbum é o primeiro trabalho dos canadenses a receber grande execução nas rádios FM. “Circumstances” foi escolhida para ser o single principal no Canadá. Já para “The Trees” a banda priorizou o mercado americano. O álbum termina com “La Villa Strangiato”, a primeira faixa inteiramente instrumental na discografia do grupo e a faixa mais intricada que eles provavelmente haviam lançado até o momento. Antes do seu lançamento, o álbum foi inteiramente tocado no programa de Rick Ringer na rádio Chum-FM em Toronto, no dia 05 de outubro de 1978, tendo a banda como convidada. Inicialmente as críticas foram em geral positivas, mas chamou a atenção um review misto e dúbio, da revista Sounds, através de Geoff Barton, que indicava que “Hemispheres” poderia ser tanto uma obra de arte quanto um terrível erro, porém quem erra mesmo é o jornalista ao trocar o lado A pelo B, truncando uma própria e justa análise ao inverter a sequência que a banda optou em levar aos ouvintes, perdendo assim o impacto da abertura e da conclusão da obra progressiva como um todo.

Ficha Técnica:

Geddy Lee – Baixo, sintetizadores Mini-moog e Oberheim polyphonic, bass Taurus pedals, vocais.
Alex Lifeson – violões e guitarras de 6 e 12 cordas, sintetizadores Moog bass Taurus pedal, Guitarra sintetizada Roland.
Neil Peart – bateria, percussão.
Produzido por: Rush e Terry Brown
Engenheiros de som: Pat Moran e Terry Brown com o assistente Declan O’Doherty. e John Brand.
Gravado no Rockfield Studios, País de Gales em junho e julho de 1978.
Vocais gravados no Advision Studios, em julho de 1978.
Mixado no Trident Studios, em Londres, em agosto de 1978, por Terry Brown e Pat Moran, com o assistente John Brand.
Direção artística: Hugh Syme
Fotografia: Yosh Inouye e Fin Costello
Produção Executiva: Moon Records
Empresariamento: Ray Danniels e Vic Wilson, SRO Management Inc.,
Mercury, October 29, 1978
© 1978 Mercury Records © 1978 Anthem Entertainment

Notas adicionais do encarte:

Roadmaster and Lighting Director: Howard (Herns) Ungerleider
Concert Sound Engineer and Crew Co-ordinator: Major Ian Grandy
Stage Manager: Michael (Lurch) Hirsh
Stage Right technician: Liam (Leaf) Birt
Stage Left technician: Skip (Slider) Gildersleeve
Centre Stage technician: Larry (Shrav) Allen
Guitar and synthesizer maintenance: Tony (Jack Secret) Geranios
Concert sound by National Sound and Electrosound (U.K.)
Concert Lighting by See Factor
Concert visuals produced by Rush and Nick Prince
Projectionist: Harry (keep the change) Dilman
Those daring drivers!: Bruce (The Pin) Aldrich (Howdy howdy!), Jwerg (Ah think Ah see the problem!) Hoadley, Mike (Say Guy!) Morrison, and Tom (Zig-Zag) Whittaker
The Wonderful Persons List: Austen Fagen, Abe Schon, The UFO’S, the Max Websters, the Pat Travers Band, the Monks, Bert the driver, Fin Costello, Ruke Bernstein, Joe Bombase, Young Ward, Jerry Mickelson, Arny Granat, Bubble and Squeak, all at SRO and all at Rockfield, Advision, and Trident
This album was processed through the Duffoscope!
Obs: Duffo era o apelido de Pat Moran, que atuou como engenheiro de som no Rockfield Studios, já desde o “A Farewell To Kings”. Pat também atuou na mixagem de “Hemispheres” no Trident Studios. Quando Pat achava alguma ideia trazida pela banda abaixo do que se esperava, considerava aquilo, em suas palavras, algo “Duff” – ou em português, algo besta. A banda gostou daquela forma de avaliar do engenheiro e em “Hemispheres” supostamente criou um aparelho para detectar os trechos musicais ruins. O nome do aparelho (que em verdade para nada servia) era “Duffoscope”.


Lado A
“Cygnus X-1 Book II: Hemispheres” (18:04)
I. “Prelude” (4:29)
II. “Apollo Bringer of Wisdom” (2:30)
III. “Dionysus Bringer of Love” (2:06)
IV. “Armageddon The Battle of Heart and Mind” (2:56)
V. “Cygnus Bringer of Balance” (5:01)
VI. “The Sphere A Kind of Dream” (1:02”)
Lado B
Circumstances (3:42)
The Trees (4:46)
La Villa Strangiato (An Exercise in Self-Indulgence) (9:35)
I. “Buenos Nochas, Mein Froinds!” (0:27)
II. “To Sleep, Perchance to Dream…” (1:33)
III. “Strangiato Theme” (1:16)
IV. “A Lerxst in Wonderland” (2:33)
V. “Monsters!” (0:21)
VI. “The Ghost of the Aragon” (0:35)
VII. “Danforth and Pape” (0:41)
VIII. “The Waltz of the Shreves” (0:26)
IX. “Never Turn Your Back on a Monster!” (0:11)
X. “Monsters! (Reprise)” (0:14)
XI. “Strangiato Theme (Reprise)” (1:03)
XII. “A Farewell to Things” (0:15)
Obs: Em 16 de novembro de 2018 houve o lançamento da versão do quadragésimo aniversário do álbum, trazendo parte das canções que foram tocadas no Pinkpop Festival em 4 de junho de 1979, além de uma versão de faixa “2112” de uma outra data da turnê. Este é o conteúdo musical do apêndice A desta discografia, que será publicado em breve. A versão 40º aniversário é também um presente para todos os fãs que gostam do Rush, visto que o material gráfico que o acompanha, além do show incompleto em si, também é exuberante. A capa alternativa, aliás é de muito melhor qualidade que a original, como poderá ser vista no mencionado apêndice.

“Hemispheres” foi lançado em 24 de outubro de 1978 e atingiu o 14º lugar no Canadá e também no Reino Unido, chegando ao 47º lugar nos EUA. Ele atingiu status de Platina no Canadá e disco de Ouro nos Estados Unidos, poucos meses após seu lançamento. Trata-se de um álbum entre os de grande vendagem da banda, sendo certificado com platina 15 anos após seu lançamento. No Reino Unido, vendeu cerca de 60 mil cópias, atingindo status de disco de prata.
Os singles foram lançados em janeiro de 1979. “Circumstances” (no Canadá) e “The Trees” (nos EUA), ao contrário do álbum, tiveram repercussão morna, não atingindo as paradas.
A banda ainda fez vídeo promocional da instrumental “La Villa Strangiato”:
Esses três vídeos promocionais foram gravados em um auditório no colégio Seneca, em Toronto, bem perto de onde Geddy e Alex cresceram.
1 – “Cygnus X-1 Book II: Hemispheres“
Assim como “2112”, temos em “Cygnus X-1 Book II: Hemispheres” uma complexa faixa para abrir o sexto álbum de estúdio, como continuação da parte 1, que havia sido entregue como última faixa do álbum anterior. Liricamente, a continuação parte do momento em que um explorador em sua nave espacial Rocinante que estava atravessando um buraco negro acaba por ser puxado para o seu interior. No capítulo II, sua alma errante emerge no Olimpo, e testemunha os deuses Apolo e Dionísio presos na luta entre a mente e o coração. A faixa-título de “Hemispheres” tem quase o mesmo tamanho de “2112”, cerca de dois minutos a menos apenas, e assim como “2112”, entre outras diversas na carreira dos canadenses, é dividida em vários trechos, conforme se seguem abaixo:
“Cygnus X-1 Book II: Hemispheres – I – Prelude“
A faixa começa com um fade-in reverso com um flanger acentuado,culminando em um acorde que elevaria Alex Lifeson à posição de grande inovador e influenciador na história da guitarra e do Rock. Neste sentido, em uma entrevista de 2020 para a Guitar Player, John Petrucci do Dream Theater foi perguntado qual acorde tocaria para sempre se estivesse em uma ilha deserta, e ele respondeu: “é o acorde de abertura de “Hemispheres” do Rush, o Fá sustenido maior com 4ª suspensa e 7ª menor. O acorde deveria ser realmente nomeado de ‘The Alex Lifeson Chord,’ porque foi ele quem inventou isso.”

‘The Alex Lifeson Chord’ (F#7sus4)
A primeira parte da canção, como todo o bom prelúdio, contém diversos temas que serão retrabalhados durante os minutos que se seguirão, assim como a banda já havia feito na faixa “2112”, só que dessa vez alternando mais acentuadamente partes leves e pesadas, já mostrando o quão progressiva se tornaria esta nova obra. Em 0:39, Alex traz o chorus que seria a marca e característica forte do timbre desenvolvido pelo Rush dali em diante, por anos ao fio. Aos 2 minutos, o guitarrista traz um riff baseado em harmônicos, enquanto Geddy e Neil fazem paradas variadas e uma levada bem interessante. Em cerca de 3 minutos deste prelúdio, que é o segundo maior trecho em duração da música, Geddy entra com o vocal e começa a traçar também o aspecto lírico de “Cygnus X-1 Book II: Hemispheres”, aonde o “narrador” apresenta o cenário de quando nosso mundo ainda era jovem e as batalhas entre os Deuses do Amor e da Razão decidiriam os destinos da humanidade.
“Cygnus X-1 Book II: Hemispheres – II – Apollo Bringer of Wisdom”
Em 4:27 a música literalmente se interrompe, e teremos o começo da segunda parte que trata da parte do senso e razão, personificados por Apolo. O Deus grego se apresenta na estrofe inicial deste trecho, que é escrita em primeira pessoa. No refrão, temos a mudança da percepção lírica, deslocada da narrativa de Apolo para um trecho em terceira pessoa do plural,voltando ao “narrador” do prelúdio. Apesar de inicialmente satisfeita, a população sente-se triste apenas em considerar tudo de forma racional. Em 6:26 há um solo de Alex, que também serve para ir separando dois dos personagens principais da canção.
“Cygnus X-1 Book II: Hemispheres – III – Dionysus Bringer of Love“
Em 7:07, sem haver qualquer pausa na música, inicia-se o trecho da estrofe na qual Dionisio se apresenta, mostrando os sentimentos puramente emotivos, inversos aos de Apolo. Novamente o refrão muda a narrativa para a terceira pessoa do plural, trazendo as consequências da escolha do povo pela emoção e a consequente fuga das cidades para as florestas, vivendo apenas dos prazeres. O fim desta parte também traz as consequências de viver puramente da emoção, pois quando aparecem as adversidades a população se mostra despreparada, exposta e em fragilidade. O trecho descreve uma espécie de “ressaca moral “que acomete a todos.
“Cygnus X-1 Book II: Hemispheres – IV – Armageddon The Battle of Heart and Mind“
Pouco depois dos nove minutos começa a quarta parte onde é descrito que escolher entre razão e emoção não traz boas consequências, por trazer confusão e deixar todos divididos entre os dois hemisférios. Em 10:13 Geddy pronuncia o título do álbum. Em sequência vemos o trecho que traz mais ligação com a parte 1 (“Cygnus X-1: The Voyage”), lançada no álbum anterior, pois em uma nova melodia na canção, as letras de Peart mostram que a nave Rocinante rumou diretamente ao coração do buraco negro de Cygnus, perdendo-se no espaço atemporal para chegar em um lugar de imortalidade. Os teclados, aqui tocados no Moog Taurus Bass Pedal, que já haviam aparecido antes na música soam mais destacados em 11:33, e em 11:51 há, de forma bem clara, um riff oriundo da primeira parte da canção.
“Cygnus X-1 Book II: Hemispheres – V – Cygnus Bringer of Balance”
A música quase para em 12:01, há poucos acordes da guitarra de Lifeson inicialmente ouvidos para então se seguir um trecho que traz no fundo playbacks da “Cygnus X-1 Book I”. Aqui começa a quinta parte da canção. Os sons que se destacam sobre os playbacks citados são claramente voltados aos temas de ficção científica, em uma alusão musical também à parte 1 da canção, desenvolvida no álbum anterior. Em seguida, temos um trecho, em 12:45, onde se mostra mais claramente o uso da guitarra sintetizada de Alex, em um modo onde os sons sintetizados se misturam aos usuais de uma guitarra padrão. Geddy descreve um terceiro personagem e sua história, sua busca pelo equilíbrio, para cessar a guerra entre os dois hemisférios, razão e emoção. Por ser quase predominantemente uma narrativa, não há bateria neste trecho. Em 14:36 a música retoma a dinâmica, com a reflexão e posterior aquiescência de Apolo e Dionísio na busca pelo equilíbrio entre os dois hemisférios, pois o mundo que ambos viam, abaixo do Olimpo, era um cenário de destruição pela batalha entre as duas vertentes. A parte V é a maior da canção, com quase um terço da duração total e estabelece de fato a conclusão da história, após breve solo de Lifeson. Assim, a harmonia enfim chega aos corações e mentes das pessoas, e o nosso herói é chamado de Cygnus, o Deus do Equilíbrio. Segue-se um trecho onde Geddy se sobressai, pontuando diversas linhas de seu baixo “cavalgando” sobre a linha harmônica da canção. O fim deste trecho ainda traz viradas de bateria e um gongo com flanger determina seu fim.
“Cygnus X-1 Book II: Hemispheres -VI -The Sphere A Kind of Dream”
A música novamente se interrompe, mas retorna para a parte derradeira, que é um trecho acústico com apenas violões e um discreto teclado ao fundo com a conclusão da fábula em 17:02. Ali, Neil atesta que se as metas forem as mesmas, amor e razão podem e devem caminhar juntos, unidos que estarão em uma perfeita esfera (a junção dos dois hemisférios).
Magistral é talvez a melhor palavra que vem às nossas cabeças, para definir a primeira faixa deste álbum “Hemispheres”. Aqui, como em algumas faixas anteriores, Neil se baseia em um formato literário metafórico, por uma espécie de fábula, para trazer a reflexão e os aspectos morais da história. Foi assim em “Xanadu” (que refletia sobre a imortalidade), por exemplo. Ainda neste álbum teremos outro exemplo desta característica lírica que Peart desenvolvia na ocasião. O estilo literário do baterista iria mudar na sequência da discografia, ousamos afirmar, para trazer letras ainda melhores na história da banda. Para melhor explicar este nosso pensamento, é preciso esperar as próximas partes da discografia, que trarão letras absolutamente geniais do baterista.
Foi um grande desafio criar e executar a faixa-título de “Hemispheres”. Geddy Lee explica que Neil precisou enfrentar o desafio do tempo escasso ao escrever o material às vésperas de gravar o álbum, cerca de 3 semanas antes de entrar no estúdio Rockfield. Embora já tivesse algumas ideias soltas, nada havia sido escrito previamente. Além disso, foi necessário inverter o formato que escreviam as músicas, pois no caso desta faixa-título, a parte instrumental precisaria se encaixar às letras. A banda normalmente fazia as letras depois de ter o instrumental desenhado. Segundo o baixista, eles nunca se encontraram tão despreparados para um desafio que já haviam traçado previamente.
As letras foram inicialmente baseadas em um livro chamado Powers of Mind, de Adam Smith, de forma não programada. Era simplesmente um dos livros que Peart lia à ocasião, trazendo os constantes conflitos entre pensamentos e emoções. A história original de ficção científica tratava de um viajante espacial que corajosamente se lançava em direção ao buraco negro Cygnus X-1 deu então lugar a um tema reflexivo, usando a filosofia grega como base para a metáfora central da narrativa. Neil acrescentou que a parte principal da letra da canção se situa no conflito entre os hemisférios opostos, na batalha que surge na parte IV da música.
A capa do álbum, que traz o conceito desta faixa-título, se baseia em dois personagens. Um deles é um homem de terno e chapéu-coco, que foi inspirado no que se encontra na pintura “The Son of Man” do artista belga surrealista René Magritte, de 1964. Como curiosidade, o artista vendeu a pintura para Harry Torczyner ainda em agosto de 1964. Em 1998, o antigo proprietário da arte solicitou a icônica casa de leilões sua venda, que foi efetuada para um colecionador particular por 5.392.500 de dólares.

O outro personagem constante da capa é um desenho de um homem nu, baseado em Bob King, o dançarino da escola de balé de Toronto que já havia sido utilizado como base para o “Starman” de “2112”. Quanto ao grande cérebro no qual as duas figuras se encontram, Hugh Syme conseguiu a autorização da família de um homem falecido para que pudesse fotografar seu cérebro, porém Syme achou isso perturbador e acabou usando apenas um modelo de cérebro.
A primeira música do lado B é uma das duas faixas curtas de “Hemispheres”, ambas consideradas para atuar como single. “Circumstances” é basicamente uma canção bem direta, e o experimento musical inicial que Geddy trouxe na época para retomar um pouco a duração de canções menores e mais diretas como “Fly By Night” ou “Bastille Day”, por exemplo. A canção foi a última a “nascer”, e segundo o baixista, precisava ser concisa, já que o restante do material era extremamente complexo e trabalhado. A canção foi escrita rapidamente para ser gravada em seguida no estúdio, como alguma poucas outras na carreira da banda, por exemplo “Twilight Zone”, do “2112”. A música segue, de forma não usual naquele momento do grupo, uma fórmula de estrofe/refrão. A letra traz reflexões sobre o período em que Neil teve dificuldades de progredir musicalmente como profissional na Inglaterra, aos 18 anos. Os dois versos se referem exatamente às frustrações desta viagem do baterista antes e depois do reconhecimento artístico. Já o refrão reflete que ninguém se encontra no controle total de suas ações, sendo refém das circunstâncias que irão influenciar os seus destinos. Ainda que não tenha tido grande repercussão de venda, o single no Canadá teve até boa divulgação nas rádios, protagonizado pelas frases em francês “Plus ca change/Plus c’est la meme chose,” que significam “ quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas”.
O instrumental que inicia a canção traz melodicamente exatamente este trecho em francês, marcando a ideia central desenvolvida. O verso inicial traz linhas espetaculares de baixo, um destaque absoluto na música e um desafio de concatenação para Geddy, pois ele precisa dar conta das melodias vocais ao mesmo tempo. O refrão vem aos 53 segundos, marcante e forte, com as frases em francês. O esquema verso e refrão se repete, mas aos 2:11 a música muda totalmente, para um clima mais suave, xilofone e teclados se juntando. Em 2:39 outro trecho instrumental se segue, mais pesado, para as excelentes viradas de bateria de Neil, em especial a partir do terceiro minuto. O refrão se repete ao fim da canção. “Circumstances” é a faixa menos conhecida do álbum, apesar da intenção da banda em torná-la um single. No nosso entendimento, é uma canção até subestimada, por estar rodeada de canções espetaculares e icônicas. Durante a turnê foi a única faixa a ser retirada do set-list antes do fim dos shows e infelizmente são raras as vezes em que a música viria a fazer parte das outras tours do grupo. No nosso entendimento, é tão maravilhosa quanto qualquer outra do álbum.
A história de “The Trees” é uma parábola sobre uma revolta em uma floresta de carvalhos e bordos, onde os bordos acham que os carvalhos crescem muito e absorvem toda a luz do sol. Os bordos formam uma união em um esforço para cortar os carvalhos em um tamanho menor, mas no final todo aquele esforço e animosidade entre as árvores acabou sendo em vão, já que o destino de todas é serem mantidas iguais por ferramentas de corte feitas pelos seres humanos.
Peart se inspirou em um desenho animado que viu de árvores “agindo como tolas” e escreveu uma letra baseada na ideia de árvores agindo como pessoas. “E se as árvores agissem como pessoas? Os carvalhos, é claro, não veem qual é o problema. Suponho que seja basicamente sobre a maneira louca como as pessoas agem, esse falso ideal de igualdade”. O baterista afirma ter escrito esta letra genial em apenas 5 minutos, num piscar de olhos, como uma ironia acerca do pseudo-coletivismo que as pessoas propalam, mas nem sempre praticam.
Há uma outra hipótese por detrás do tema das letras de “The Trees”, nunca confirmada pelo autor. Essa hipótese indica que o tema criticava leis canadenses da época que forçavam as emissoras de rádio que cumprissem um percentual de tempo de suas programações dedicado a um conteúdo governamental, para manterem suas licenças. A letra de Peart viria na contramão desta necessidade, criticando qualquer intervenção governamental no que deveria ser uma questão puramente artística e baseada no mercado.
Segundo Geddy Lee, já que a letra surgiu tão rapidamente e primeiro, o desafio foi construir um cenário musical para este pequeno conto dinâmico como trilha sonora. Lee disse que o interior do País de Gales, ao estarem no Rockfield Studios, deu o tom geral para o aspecto musical da faixa, pois ao estarem diretamente em contato com a natureza, se viram compelidos a escrever uma canção que musicalmente trouxesse elementos da floresta.
A música se inicia com o violão acústico de Alex acompanhado dos primeiros versos e do baixo com efeito chorus de Lee, uma linda linha que precisaria ser concatenada com os vocais. No fim deste primeiro trecho acústico ouvem-se passarinhos, que foram gravados do lado de fora do estúdio, tirando vantagem do espaço natural de natureza onde a banda se encontrava. O violão foi captado com um microfone do lado de fora do estúdio, também para complementar a ideia da integração com a natureza e o tema central da letra da música. Após o refrão, em 1:32, Geddy entrega um novo espetáculo de maestria ao seu baixo. A música muda totalmente do pedaço inicial que era bastante pesado para um trecho em 1:45 simplesmente estonteante. Entram os elementos percussivos de madeira da bateria de Peart, os teclados singelos de Lee, a guitarra com bastante chorus de Alex. Aos poucos, a música vai crescendo no instrumental, com Peart usando e abusando de sua criatividade. Em 3:13 vem um ótimo solo de Lifeson. O trecho em paradas a partir de 3:28 com uso de cow-bell de Peart é novamente a arte em estado puro. Segue-se mais um breve trecho instrumental, para que a banda retorne com as letras finais da canção em 3:57. Uma virada de baixo e bateria em 4:10 se destaca quase no final da canção. Os passarinhos retornam para pontuar aquela que eu (Alexandre) considero a minha faixa favorita em toda a discografia da banda.
4 – “La Villa Strangiato (subtitled “An Exercise in Self-Indulgence)“
“La Villa Strangiato” (subintitulado “Um exercício de autoindulgência”) é a primeira faixa inteiramente instrumental que o grupo gravou, ainda que eles tivessem gravados vários capítulos de outras faixas anteriores sem letras. Musicalmente a canção tenta traduzir os pesadelos que Alex tinha frequentemente durante as turnês, que confidenciava aos seus parceiros de estrada. Foi a única peça que se desenvolveu inteiramente durante o período de ensaio de duas semanas que o grupo teve antes de entrar no estúdio e antes, durante a turnê de “A Farewell To Kings”. Os canadenses tentaram à exaustão gravar a faixa de uma vez só, por mais de 40 tentativas e por mais de 10 dias, porém em todas as tentativas algo dava errado. Peart apontou que eles levaram mais tempo em “La Villa Strangiato” do que o tempo inteiro que levaram para gravar o segundo álbum da banda, “Fly By Night”. O baterista lembrou que o grupo passou quatro dias e noites tocando repetidamente, tocando mesmo quando cansados e com as mãos doloridas. No fim, acabaram desistindo do projeto inicial, e precisaram gravar em trechos separados.
Há controvérsias entre os músicos e o produtor Terry acerca de quantas partes foram gravadas em separado e unidas para o take final desta instrumental. Alex entende que apenas o trecho inicial, com violão clássico, foi emendado ao restante da faixa. O senso mais comum entre os outros participantes da gravação é de que eles fizeram três trechos separados para que unidos se tornassem a canção. O grupo gosta de definir a peça musical como uma associação completamente livre de regras e cheia de ideias malucas que funcionaram sob esse grande tema e a grande desculpa de que supostamente representa os pesadelos de Alex Lifeson.
Os títulos das 12 partes que compõem a música e suas durações completamente variadas também derivam desta associação totalmente livre de conceitos. La villa significa “cidade” em espanhol, enquanto Strangiato é uma fusão de espanhol e italiano para significar “estranho”. A primeira parte, a introdução acústica, tem o curioso nome de “Buenas Nochas (boa noite, não necessariamente em espanhol) Mein Froinds” (uma espécie de adaptação de meus amigos em alemão). Já “To Sleep, Perchance to Dream…” (“dormir, talvez sonhar”) é uma frase retirado de “Sonho de Uma Noite de Verão” de Shakespeare. Lerxst era o apelido de Alex. O Aragão era uma região na Espanha medieval, mas aqui também pode se referir aos antigos salões de baile de Aragão que a banda costumava tocar. Danforth (Avenida) e Pape (Rua) é um cruzamento na cidade de Toronto. A Valsa de Shreves é uma espécie de homenagem da banda ao trabalho sempre elogiável dos roadies, uma espécie de arte por trás dos bastidores, subestimada. O restante dos títulos traz basicamente o conceito dos monstros que rodeavam os pesadelos do guitarrista.
A faixa começa, como citado, com um belo trecho virtuoso reproduzido pelo violão clássico de nylon de Lifeson. Alex citou mais recentemente que no início da carreira se dedicava bastante ao estúdio do violão clássico, e destes estudos saíram certamente muitas melodias que acabaram nos discos do Rush. Esse talvez seja o exemplo derradeiro de uma série que se apresenta, por exemplo, no fim de “The Temple of Syrink”, em “A Farewell To Kings” e aqui em “Hemispheres” também ao início de “The Trees”. Há claramente uma emenda em 0:28 para o trecho com guitarras, teclados e bateria, que entra aos poucos, com a faixa crescendo, inicialmente o hi-hat, depois o bumbo, depois a caixa. A música vai aumentando o volume e os drives de Alex também crescem gradativamente. Em 2:11 entra um dos riffs principais da canção, em 2:25 o outro se segue. Este trecho será repetido ao fim da canção, em 8:17. Em 3:16 inicia-se o trecho muito corretamente chamado de “A Lerxst in Wonderland” (Lifeson no país das maravilhas) pois o pedaço traz um dos melhores solos de guitarra de toda a carreira do guitarrista. É o trecho mais longo da canção, em compasso 7/4. Esse solo foi regravado após os tracks básicos terem sido terminados. Segundo Alex, foi ele foi gravado durante a gravação da faixa toda, mas regravado posteriormente e é possível ouvir o trecho original ao fundo. Confessamos que tentamos, não conseguimos ouvir qualquer nota do solo ao fundo, mesmo com bons fones de ouvido e uma altura considerável.
Segue um trecho controverso em 5:50 que supostamente teria sido copiado do jazz instrumental chamado “Powerhouse“, gravado por Raymond Scott em 1937. Os representantes de Raymond não apresentaram qualquer ação legal de plágio, porém a banda e seus empresários, mesmo entendendo que não houve uma intenção inicial em copiar o trecho, considerou que o trecho realmente ficou bem parecido e que o certo a fazer era Rush dar alguma compensação financeira ao músico e sua esposa, assim o fizeram. Foi claro que a inspiração surgiu das trilhas sonoras dos desenhos animados que tanto orbitavam as televisões dos músicos por ocasião de Hemispheres. O tema é visto abaixo:
Abaixo trazemos trechos das duas canções, para análise de todos:
Logo na sequência do trecho acima, em 6:10 Geddy Lee toca um pequeno solo que talvez seja o mais complicado que o baixista gravou em toda a sua carreira, influenciado totalmente por um estilo jazzístico tradicional. Ele é acompanhado por Neil também mostrando com maestria que pode passear pelo estilo com tranquilidade. Este trecho, entre 5:50 e 8:17 é o mais intricado do ponto de vista de “time-signatures”, tendo vários trechos com baixo e bateria efetuando complexas viradas conjuntas e algumas intervenções de bateria literalmente que levaram Peart ao ápice do virtuosismo. Há um pequeno solo de guitarra também completamente desconectado de qualquer escala mais tradicional do instrumento. Quase no fim há a repetição do trecho inicial, conforme citamos acima e em 9:20 a banda prepara o final da canção, com paradas e um trecho final em cromatismo.
“La Villa Strangiato” é o “Monte Everest” para qualquer músico que deseja se desenvolver na música em seu estado artístico puro. Mike Portnoy, por exemplo, atestou em 2015 que, se tivesse de escolher qualquer canção do Rush como aquela que mais o influenciou, certamente citaria esta faixa. Segundo o baterista, “La Villa Strangiato” é o benchmark da proeza instrumental. Pra nós, é sim a maior obra prima do conjunto do ponto de vista de virtuosismo, uma vez que os instrumentais dos álbuns futuros, apesar de também tecnicamente intrincados, são organizados de forma mais concisa, como veremos nos respectivos futuros capítulos. Além disso, foi uma empreitada sem precedentes na carreira da banda, do ponto de vista de acabar com qualquer fórmula que alguma canção possa ser amarrada.
Os shows:

Para a divulgação de “Hemispheres”, o grupo iniciou a turnê no mesmo mês de lançamento do álbum, a qual seguiria até junho do ano seguinte e que consistiria num total de quase 140 datas no Canadá, Estados Unidos, Inglaterra (cinco noites no Hammersmith Odeon) e restante da Europa, inicialmente Bélgica, depois pela Alemanha, Suíça, Dinamarca, Suécia e Noruega. Esta série ocorreu até o meio de junho de 1979, com um último show na Holanda. O Rush inicialmente incorporou todas as canções de “Hemispheres” no set, junto com outras músicas tradicionais. O show também contemplava as partes 1 e 2 de “Cygnus X-1” tocadas em sequência. O grupo também tocava “2112” praticamente na íntegra, como nas turnês anteriores, então dois pedaços grande dos shows constituíam-se das suítes longas-metragens que a banda até então havia desenvolvido. Naquela época o Rush tinha planos de trabalhar melhor com a iluminação e efeitos visuais. Havia o triplo de projeções em vídeo em comparação com a “A Farewell To Kings” Tour, incluindo um filme para ilustrar a história de “Cygnus X-1”. A estrutura fez parte dos shows americanos, mas, por questões de logística e custo, acabou não seguindo para os shows na Europa. E ainda assim, tentando administrar as finanças, os investimentos iniciais em toda a estrutura mais robusta causaram um déficit financeiro que eles esperavam recuperar até o fim dos shows, mas mesmo com o sucesso de vendagens da turnê, o resultado final acabou por apenas cobrir os gastos.

Geddy levava um pedal chorus Roland para o braço de 12 cordas de guitarra que ele tinha no doubleneck, mas a grande novidade foi a inclusão e junção ao minimoog do teclado Oberheim Eight-Voice Polyphonic, que isolado aparece abaixo:

Peart manteve sua bateria Slingerland na cor preta e cromada, além das diversas peças de percussão. Ele usou exatamente o mesmo set, que ao final da tour foi “aposentado”. Em 1987 Neil, em conjunto com a revista Modern Drummer organizou um concurso cujos prêmios seriam três dos kits de bateria que ele usou até então. O concurso era baseado em solos de bateria. O primeiro lugar ficou com a bateria da época, já o segundo colocado ficou com esta, que ele usou até o fim da turnê do Hemispheres. Como curiosidade, Neil foi o jurado final desta competição, que durou 6 meses, e acabou não conseguindo escolher apenas três, tendo de pedir a ajuda da revista para que disponibilizasse um kit para o quarto vencedor da disputa. O baterista acabou não elencando exatamente um primeiro colocado, mas considerou os quatro como reais vencedores em conjunto pela disputa dos prêmios.

Eis um exemplo do set-list utilizado desde o início da turnê, ainda com “Circumstances”:

“Hemispheres” inicia, pra nós, e entendemos que também para boa parte dos apreciadores do Rush, a histórica trinca de álbuns de estúdio sem qualquer falha. Não há sequer uma música mediana neste sexto álbum dos canadenses. É perfeitamente compreensível entender que alguns fãs vão querer incluir “A Farewell To Kings”, “2112” ou mesmo “Signals” nesse bolo. Realmente consideramos bastante todos os esses álbuns, mas não os vemos na categoria desta sequência que se inicia para a banda em 1978. Eu, Alexandre, apenas considero uma única crítica ao álbum não está em nenhuma nota produzida, mas sim na capa, novamente a cargo de Hugh Syme, que desta vez, no meu entendimento “chutou para fora”. A concepção prevê o homem de terno representando a razão, o bailarino representando a emoção, ambos orbitando um dos cérebros que se dispõem na capa e contracapa. A incorreta montagem dos personagens acima dos cérebros é bastante questionável, inclusive do ponto de vista de proporção. A capa em seu resultado final, pra mim, Alexandre, é uma confusão que não transmite em hipótese absoluta o conceito do álbum, me lembrando também uma das piores capas de todos os tempos, a do álbum “Dance of Death” do Iron Maiden. Essa é uma das saudáveis divergências que volta e meia poderá aparecer entre os autores desta discografia.
Outro ponto a favor de “Hemispheres” é que ele inaugurou o timbre mais clássico pelo qual o Rush é conhecido, com o uso do chorus nas guitarras de Alex Lifeson durante a grande maioria do álbum. Ainda que o guitarrista viesse usando o efeito anteriormente, é aqui em “Hemispheres” que essa sonoridade se torna a marca do período mais clássico e reconhecido do conjunto. A sonoridade do Rush neste período viria a influenciar músicos e músicos (inclusive nós), se tornando um marco em diversos álbuns à frente, notoriamente um dos meus preferidos do Iron Maiden, o “Somewhere In Time”. Abaixo trazemos um pequeno trecho de “La Villa Strangiato”, ilustrando a diferença que o efeito faz em uma canção. Apenas eu, Alexandre, por mais que tenha caprichado em uma regulagem para carregar o som com o meu pedal Chorus CE-3 da Boss, ressalto que as diferenças entre os trechos com e sem o efeito, embora marcantes, podem parecer sutis para algum apreciador. Assim sugerimos usar bons fones de ouvido e acompanhar as legendas.
No nosso entendimento, aqui em “Hemispheres” temos a faixa-título que é provavelmente aquela mais intricada na junção lírico-instrumental em toda a carreira do Rush. É realmente uma obra-prima, e é difícil considerar como eles conseguiram desenvolver a sequência de uma jornada em aventura de ficção científica para transformá-la em uma jornada filosófica com cunho centrado na mitologia grega. É, no entanto, a que eu, Alexandre, menos gosto, do ponto de vista estritamente musical no álbum. Assim, considero que o lado B ainda consegue superar o lado A, pois as três faixas são sublimes. Já na minha opinião (Abilio), que sou um amante inveterado de músicas e álbuns progressivos conceituais como por exemplo o “Thich as a Brick” do Jethro Tull, “The Wall” do Pink Floyd, “Close to the “Edge” e “Tales of a Topographic Ocean” do Yes, acho a faixa-título simplesmente sensacional e gosto dela tanto quanto as do lado B. E já que o assunto é o lado B, este começa com “Circumstances”, a mais direta, estabelece um certo padrão para o que viria a seguir, que é aliar qualidade à faixas mais diretas, ou seja, determinar que não é obrigatório que uma faixa tida como mais comercial traga simplicidade em seu arranjo. É possível fazer música de qualidade em faixas tidas como acessíveis, os chamados “mini-épicos”, que marcariam os próximos álbuns da banda. Geddy Lee na ocasião, pouco após o lançamento de “Hemispheres”, atestou que …” the band intend to “break tradition” and avoid long, conceptual pieces on their next álbum”… , ou seja “a banda pretende “quebrar a tradição” e evitar peças longas e conceituais em seu próximo álbum” . O que eles fazem musicalmente em “Circumstances” é o futuro antes de ele de fato acontecer, este é o grande mérito da canção, independente da qualidade excepcional que ela traga. “The Trees” é de uma qualidade impressionante, uma das favoritas dos fãs em todos os tempos da banda. É até difícil dizer qual trecho agrada mais, do quanto entendemos ser genial a letra. A música é (mais uma) obra-prima. “La Villa Strangiato” é o ápice instrumental e virtuoso dos canadenses. Sonho de qualquer músico dedicado. “Hemispheres” levou os canadenses a um patamar inquestionável. Patamar este que se seguiria na carreira da banda, como veremos a partir do próximo capítulo.
keep bloggin’
Abílio Abreu e Alexandre B-side
Categorias:Artistas, Curiosidades, Discografias, Instrumentos, Letras, Músicas, Pesquisas, Resenhas, Rush, Setlists
Discografia Rush – parte 15 – Power Windows – 1985
Discografia Rush – Parte 14 – álbum: Grace Under Pressure Tour – 1984 – (Rush Replay x3 -2006)
Discografia Rush – Parte 13 – álbum: Grace Under Pressure – 1984
Discografia Rush – Parte 11 – álbum: Exit… Stage Left – 1981 – (Rush Replay x3 – 2006)
Deixe um comentário