Discografia Rush – Parte 13 – álbum: Grace Under Pressure – 1984

“…The world weighs on my shoulders, But what am I to do?…” Neil Peart, Distant Early Warning.

Após o término da bem-sucedida turnê de “Signals”, que inaugurava uma nova época, o trio canadense se via envolto em um dilema. Depois de tão longo tempo juntos, o novo direcionamento musical fez com que o grupo entendesse que era hora de mudar de produtor. Terry Brown havia estado com eles desde o final de 1974, em uma relação que beirava os 10 anos de parceria. No entanto, a decisão pela mudança era algo já amadurecido durante os meses que se seguiram desde o desenrolar das gravações daquele que havia sido o nono álbum de estúdio da banda. Logo após o lançamento de “Signals”, eles já haviam começado a pensar e falar sobre o futuro. A questão, para o trio, era apenas em como buscar a melhor forma de avançar por sobre tão delicado assunto.

No início da turnê, Terry Brown esteve com a banda em Miami, mais particularmente no Hollywood Sportatorium, para dois shows nos dias 17 e 18 de março de 1983. Após um dos shows, em uma reunião no tour bus, Neil disse a Terry que o trio vinha discutindo novos passos, e pensavam em trabalhar com outra pessoa. Eles queriam entender se com um produtor diferente, eles poderiam ter novas abordagens e técnicas para oferecer ao som do grupo. Neil afirmou que “…Em “Signals”, quando nós três estávamos longe trabalhando nas canções e nos arranjos, podíamos sempre dizer: ‘Bem, Broon vai nos dizer para cortar essa parte’. Já antecipávamos o que ele nos diria, e às vezes fazíamos uma mudança evitando isso…” Neil seguiu, afirmando: “… Foi importante (e difícil) expressarmos a Terry que isso não significava de forma alguma insatisfação ou falta de confiança nele. Depois de onze álbuns juntos, nos tornamos uma equipe de gravação confortável e eficiente, nós quatro, e podíamos até prever as opiniões e reações uns dos outros a diferentes ideias. Por mais positiva que essa situação possa parecer, era exatamente com isso que estávamos preocupados. Tínhamos que cortar o cordão umbilical. Tínhamos que aprender novas técnicas e, em geral, nos desafiar a trabalhar de novas maneiras…” Geddy então percebeu que: “…quando começamos a conversar, ficou claro que Terry também tinha dúvidas; ele não queria parar de trabalhar conosco, mas também não estava convencido da direção que estávamos tomando. Ele estava particularmente preocupado que a bateria e os teclados eletrônicos pelos quais éramos tão apaixonados diminuíssem o papel da guitarra em nosso detrimento. Ele não estava errado, mas essa era a direção com a qual tínhamos nos comprometido e realmente não havia como voltar atrás…”

Terry afirmou que: “…As bandas com teclados e cabelos cor-de-rosa e esse tipo de coisa que estavam surgindo na Inglaterra faziam muito sucesso, e eu apenas não me interessava por esse estilo. Realmente não entendia aquilo tudo muito bem, então não tinha a experiência e as manhas para ser capaz de dizer: ‘Vamos fazer isso,vai ser ótimo’, porque eu não gostava de bateria eletrônica. Aquilo não me descia….” “…Havia outras coisas que eu queria fazer, e de fato não queria fazer parte de uma banda eletrônica, que era o caminho para o qual eu achava que o Rush estava seguindo.”  A ruptura e o fim aconteceram com um nível bem impressionante de maturidade e diplomacia e para aqueles que estavam acompanhando a banda mais de perto, parecia ser algo natural.  

Paul Northfield, o engenheiro de som da banda desde 1980, percebia que a fissura criativa entre a banda e Brown era inevitável. “Às vezes fiquei no meio do fogo cruzado porque eu podia ver a frustração e o fato de que queriam uma direção precisa e bastante clara. Às vezes, quando eles não tinham certeza, queriam ouvir claramente, ‘Ok, vamos fazer deste jeito’. E acho que Terry naquela época não era capaz de fornecer a eles os tipos de respostas que procuravam. No final do dia, havia certa tensão na gravação daquele disco, não há dúvidas quanto a isso. Parecia, de certa forma, que estavam se distanciando. Eu realmente tive a sensação de que seria o último álbum que fariam com Terry…” disse Paul. Donna Halper, a descobridora do Rush nos Estados Unidos, em entrevista para o Rush Fã-Clube Brasil, afirmou que “…Acho que eles acreditavam que tinham ido tão longe quanto puderam com Terry, e desejavam trabalhar com outro produtor para experimentar novas ideias. Não vejo esse momento de separação como algo amargo e rancoroso, e Terry diz apenas coisas boas sobre o tempo em que trabalhou com o Rush. Da mesma forma, nunca vi os integrantes dizendo coisas críticas ou negativas sobre ele. Entendo que o Rush sempre foi ansioso por correr riscos, levando sua música a um próximo nível….”  Com a despedida, o Rush incluiu no encarte de “Grace Under Pressure” um agradecimento em francês ao antigo parceiro: “et toujours notre bon vieil ami – Broon” (“e ainda o nosso bom e velho amigo – Broon”). Broon era o apelido de Terry na banda.

Os novos passos, enfim, já haviam sido planejados ainda quando o grupo excursionava com “Signals” e dali eles começaram a buscar um novo produtor. No entanto, levaria mais um ano e meio até que nos deparássemos com o álbum de estúdio seguinte que, para o choque de todo o público, não teria Terry Brown como produtor. A banda entendia que o ideal seria que encontrassem alguém que trabalhasse na vanguarda da cena musical londrina, o centro de algumas das músicas e tecnologias musicais mais empolgantes do momento. Logo no início apareceu o nome de Trevor Horn, ex- Yes e que tinha produzidos várias novas atrações como o Frankie Goes to Hollywood, Propaganda e Grace Jones. O produtor iniciou as conversas com o trio, mas depois alegou que não era a pessoa certa para o trabalho. As hipóteses passaram por Hugh Padgham, que trabalhou com o The Police e o arranjador Michael Kamen. Até que chegaram no nome de Steve Lillywhite, que já havia trabalhado com Peter Gabriel, Big Country e três trabalhos recentes do U2 – “Boy”, “October” e “War”.  Lillywhite pareceu genuinamente interessado. Esteve em um show da banda em Birmingham, conversou com todos, começaram a fazer planos. Porém, menos de duas semanas antes do início das sessões de composição, o empresário Ray trouxe a notícia de Lillywhite abandonou a ideia para produzir o novo álbum do Simple Minds. A desistência causou uma opinião do produtor nada agradável ao trio, conhecido por ser mais módico nas reações mais agressivas.

Em uma recente entrevista, o produtor afirmou que o grupo o odeia, justificando-se por não querer trabalhar com um conjunto cuja música ele não adora. Esta parte da entrevista pode ser ouvida abaixo.

Por fim, o Rush decidiu começar sozinho. Não era a melhor maneira de embarcar em um novo disco, mas eles começaram a trabalhar, fazendo o possível para encontrar um equilíbrio entre as guitarras e os sons de teclado mais recentes. O grupo se reuniu novamente em meados de agosto para escrever e ensaiar novo material para acompanhamento em uma pousada em Horseshoe Valley, em Barrie, Ontário.   Notícias do jornal The Globe and Mail, de Toronto, inspiraram algumas das letras do álbum, particularmente “Distant Early Warning”, “Red Lenses” e “Between the Wheels”. Peart escreveu que eles primeiro fizeram “Between the Wheels” e depois de alguns dias já tinham “Kid Gloves” e “Afterimage”.  No fim do mês o grupo tinha uma fita demo com 5 faixas, além das três acima eles fizeram Em três semanas, o grupo havia montado uma fita demo com “Red Sector A” e “The Body Electric” e as citadas três acima. A banda fez a tradicional “warm-up” tour com 5 noites do Radio City Music Hall, em setembro de 1983.

Em seguida resolveram contratar para a co-produção Peter Henderson, que já havia trabalhado com Supertramp, Frank Zappa e King Crimson. ”…Ele era um verdadeiro exemplo de escola pública inglesa, amável, inteligente, esportivo e divertido, mas o mais importante: ele entendia do assunto e amava música apaixonadamente. Ele foi articulado e incrivelmente honesto conosco sobre os aspectos das nossas músicas dos quais gostava e dos quais não gostava. Parecia genuinamente gostar da direção que nossas novas músicas estavam tomando, e foi com um grande suspiro de alívio que o contratamos…” disse Geddy Lee.  No entanto, quando o trio se dedicou a gravar “Grace Under Pressure” os problemas começaram a surgir. Geddy gostava e respeitava muito suas habilidades de Peter, citando que talvez ele tenha sido o engenheiro de som mais talentoso com quem já trabalhou. Mas quando se tratava de produzir, Henderson não apresentou a segurança e confiança que o grupo tanto procurava, já que estavam se aventurando por caminhos novos. 

Assim como “Permanent Waves”“Moving Pictures” e “Signals”, o novo álbum foi gravado no famoso Le Studio em Morin Heights, Quebec, Canadá. Desde o trabalho anterior, o grupo também se via às voltas de uma nova exigência do mercado musical, que era estar sempre nas telas da MTV, nascida nos EUA em 1981. A emissora revolucionou a indústria fonográfica e era o veículo mais importante de divulgação de qualquer álbum naquele momento. As gravadoras estavam dispostas a gastar mais dinheiro no videoclipe do que no próprio disco. Esse conceito insano dá uma ideia do poder que a MTV tinha naquela época. Como as músicas do Rush raramente chegariam ao Top 10, o grupo se viu encrencado em produções com menor orçamento e a necessidade de estarem nas telas de suas próprias histórias.  Neil se tornou o maior responsável por esses projetos visuais, já que tinha muita afinidade com o cinema, mas ele entendeu rapidamente que os videoclipes tinham uma distância muito grande para as produções cinematográficas. Todas as suas ideias invariavelmente esbarravam no orçamento mais minguado. Neil também se recusava a aparecer fora de seu kit. Mesmo assim, o grupo produziu para “Grace Under Pressure” nada menos que 4 videoclipes, iniciando uma difícil relação com esse novo modo de divulgação de seus trabalhos. A difícil convivência profissional com o novo produtor, cuja procura já havia trazido muito desgaste e atraso no agendamento deste novo álbum, acabou por fazer com que o Rush pela primeira vez não tivesse lançado um álbum em um ano de suas carreiras. 1983 passou em branco para os fãs, que tiveram de esperar o grupo passar outros 5 meses, entre novembro daquele ano e março do ano seguinte, para enfim verem lançado “Grace Under Pressure” em abril.

Para a delicada capa, Hugh Syme abandonou seu estilo característico de fotocomposição para buscar um estilo mais voltado à pintura. “Grace Under Pressure” traz uma arte voltada a uma cena de ficção científica futurista de um filme contemporâneo, nos moldes de “Blade Runner”, porém com luz e elegância próprias. A capa pode ser descrita em um conceito figurativo, onde há alguém olhando para um céu carregado (a pressão do clima) sob um mar tranquilo (a graça da água).  A suposta assinatura no lado direito (p/g) é na verdade uma menção à graça (g) estar embaixo (/) da pressão(p). Proveniente de uma citação de Ernest Hemingway, “Grace Under Pressure” (“Graça Sob Pressão”) ganhou notoriedade quando o autor foi entrevistado para o jornal The New York Times pela escritora norte-americana Dorothy Parker (1893 – 1967), em novembro de 1929. “Exatamente, o que você quis dizer com ‘coragem’?”, perguntou Dorothy. “Graça sob pressão”, respondeu o consagrado Hemingway. Em cenários de fortes pressões, aqueles que são bravos mantém suas convicções, conseguindo lidar com diversas situações.

Para “Grace Under Pressure” Alex Lifeson pegou as Fenders Stratocasters que ele já possuía e as personalizou para receber novos braços, feitos pela Shark, uma fábrica canadense. Alex pediu para dar nomes às guitarras com os logotipos Hentor no headstock (mão). Assim, a Stratocaster branca foi trocada para Hentor Sportscaster e a Stratocaster preta para Hentor Porkflapsocaster.  Havia um outro modelo Sportscaster, na cor vermelha. Outras modificações fizeram as guitarras terem um approach parecido com o que Eddie Van Halen fazia em suas Frankstrats. Eram prioritariamente guitarras com o corpo das Fenders Stratocasters incrementadas com pontes Floyd Rose e travas, modificação na parte elétrica, acionamento para a escolha dos captadores na parte debaixo da guitarra, mais próximo ao braço, seleção de três posições. A outra grande modificação segue o padrão que Eddie fazia no Van Halen, ao colocar captadores duplos na posição da ponte. A Hentor branca de Lifeson parecia trazer os captadores duplos da Bill Lawrence. A guitarra vermelha trazia um PAF, da Gibson, a mesma escolha de EVH. Não se sabe ao certo qual captador duplo foi instalado no modelo preto, nem o porquê deste modelo ter a diferenciação no nome para Porkflapsocaster. De qualquer maneira, tanto este Porkflapsocaster quanto as Hentors Sportscasters eram uma brincadeira com o apelido que deram para Peter Henderson. O trio o chamava de “Hentor, The Barbarian”.  Novamente o guitarrista ataca pesado nos modelos de delay, usou no álbum diversos deles, já utilizando racks mais complexos que vinham paulatinamente substituindo os stomp boxs pedals. O uso de modulações foi mais discreto, o guitarrista repetiu a escolha por harmonizers, pitch shifters e oitavadores, mantendo também o pedal de volume Morley.

Geddy Lee trouxe prioritariamente o baixo Steinberger L2, um modelo muito mais leve e compacto que seus queridos Rickenbackers 4001. O motivo de Geddy usar modelos com o corpo menor e sem o headstock tem relação direta com as múltiplas funções do músico no palco. Geddy tentou, com os Steinbergers, ter mais mobilidades entre os pedestais de microfones e estantes de teclados que estavam à sua volta. O baixista manteve o Rickenbacker 4001 e um Fender Jazz, ambos como opções secundárias. Os sintetizadores usados na época foram: Um PPG Wave 2.2, 2 Rolands (um JP-8 e o sequenciador TR 808), o icônico Oberheim OBX-A, além do outro OB-DSX digital sequencer, o Minimoog e o Moog Taurus Bass pedals.  E duas novidades: um Prophet Sequential Circuits e um Fairlight CMI.

A grande novidade foi a inclusão do kit eletrônico Simmons na bateria de Neil Peart. Ele manteve sua Tama Candy Apple que havia usado na turnê anterior, porém incorporou o set eletrônico na parte detrás de sua bateria. Por causa da inclusão da parte eletrônica, a parte percussiva sofreu uma redução mais drástica, mas ainda Neil manteve os Crotales, Temple Blocks, Cowbells, Wind Chimes e Orchestra Bells. Na época muitos bateristas estavam trocando seus sets por kits prioritariamente eletrônicos, como Bill Bruford, mas Neil preferiu, como pouquíssimos, acrescentar um kit substancial do ponto de visto eletrônico, sem abrir mão da parte acústica. Lembremos que, apesar de conter bastantes peças eletrônicas, a parte nova trazia elementos acústicos, como os pratos, por exemplo.  Eram novos pratos trazidos da Zildjians para serem utilizados juntos da parte eletrônica que consistia de um bumbo Tama de 18 polegadas, outra caixa Slingerland, três toms eletrônicos Simmons, um módulo de caixa, e o Simmons “Clap Trap”. O bumbo traseiro, de 18 polegadas, teve a escolha inspirada nos primeiros kits que Neil teve ainda quando começava a tocar bateria, uma opção puramente emocional, mas que se mostraria duradoura. A Simmons “Clap Trap” (que sonoramente se mostrava, entre outros efeitos, com sons de palmas) era um dos elementos preferidos de Neil nesta nova fase e era acionado pelos pés através de footswitchs que ficavam ao lado dos 2 contratempos (parte eletrônica e parte acústica) em praticamente todas as novas canções.   

O baterista estreou o Kit eletrônico nos shows de aquecimento que fizeram em Nova Iorque, no Radio City Music Hall, entre 18 e 23 de setembro de 1983. Como curiosidade, o baterista ainda não tinha a plataforma rotatória, assim precisou tocar a parte eletrônica portando-se de costas para a plateia.  Nestes shows de aquecimento para a turnê principal, que acabou sofrendo um atraso de mais de 6 meses em relação aos shows de Nova Iorque, o grupo trouxe três faixas novas ao vivo, “Distant Early Warning”, “Kid Gloves” e “The Body Eletric”, conforme podemos ver abaixo. Os detalhes da turnê principal estarão na próxima parte desta discografia, que vai cobrir home vídeo “Grace Under Pressure Tour Live”.

Warm Up Tour:

“Grace Under Pressure” foi bem recebido pelo público e tornou-se mais um campeão de vendas do grupo. Até os videoclips de “Afterimage,” “Distant Early Warning,” “The Body Electric” e “The Enemy Within” tiveram uma surpreendente boa veiculação na MTV, embora longe dos campeões de preferência na emissora. Trata-se de um dos álbuns mais sombrios da discografia da banda, diretamente influenciado pelas tensões crescentes da Guerra Fria e optando pelo tema central que observa como os seres humanos agem sob diferentes tipos de pressão. Em canções como “Between the Wheels” e “The Body Electric”, Neil desenvolve o conceito das pressões da vida como um todo. Em “Afterimage”, ele descreve as sensações deixadas pela morte repentina de um amigo. “Red Sector A” é notável por suas alusões ao Holocausto e campos de concentração, inspirada nas lembranças de Geddy Lee em torno das histórias contadas por sua mãe, prisioneira nos campos de concentração. “Distant Early Warning” alerta os perigos das possibilidades de um apocalipse nuclear. Já “The Enemy Within” surgia como a primeira parte das canções que compõem a série “Fear”, ao lado de “Witch Hunt”, de “Moving Pictures”, “The Weapon” de “Signals” e posteriormente “Freeze”, de “Vapor Trails” (2002).  Musicalmente, o novo álbum marca mais uma fase no desenvolvimento da sonoridade do Rush, um equilíbrio entre a proposta com teclados que buscavam espaço, mas ainda não ofuscaram totalmente as guitarras. O grupo também flertou com ritmos como o ska em “The Enemy Within”.    Neil começou a se aventurar também dos elementos eletrônicos, pouco a pouco. A sonoridade mais pop, com uso de synths, começaria tenuamente a aparecer, mas mesmo com a banda continuando a fazer uso de elementos eletrônicos, saindo definitivamente da proposta hard rock/ progressivo, a proposta principal trazia as influências da new wave, mantendo os elementos de reggae.

Ficha Técnica:

Geddy Lee – Baixo, Sintetizadores e Vocais.
Alex Lifeson – Guitarras e Sintetizadores.
Neil Peart – Bateria, Bateria Eletrônica e Percussão.

Produzido por: Rush e Peter Henderson

Engenheiros de som: Peter Henderson, com assistência de: Frank Opolko e Robert Di Gioia.

Gravado no Le Studio, Morin-Heights, Quebec, entre novembro de 1983 e março de 1984, in memória de Robbie Whelan.

Programação de Sintetizadores PPG assistida por:  Jim Burgess and Paul Northfield
Préprodução com engenharia de som por: Jon Erickson
Masterizado por: Bob Ludwig and Brian Lee no Gateway Mastering Studios em Portland, Maine.

Direção artística: Hugh Syme

Fotografia: Yousuf Karsh.

Produção Executiva: Moon Records

Empresariamento: Ray Danniels, SRO Productions, Inc., Toronto

© 1984 Mercury Records © 1984 Anthem Entertainment

Créditos adicionais:

Road Manager and Lighting Director: Howard Ungerleider
Stage Left Technician, Crew Chief, and President: Liam Birt
Stage Manager: Nick Kotos
Concert Sound Engineer: Jon Erickson
Stage Left Technican: Skip Gildersleeve
Centre Stage Technician: Larry Allen
Guitar and Synthesizer Maintenance: Tony Geranios
Monitor Engineer: Steve Byron
Concert Projectionist: Lee Tenner
Personal Assistant: Kevin Flewitt
Concert Sound by National Sound: Tom Linthicum, Fuzzy Frazer, Dave Fletcher
Concert Lighting by See Factor: The Johnson Brothers: Mike Weiss, Tom Higgins, Mark Cherry, Dave Berman, Jeffrey T. MacDonald, Frank Scilingo

Concert Rigging by Southfire Rigging: Billy Collins and Tom Wendt

Busheads and Truckfaces: Tom Whittaker, Pat Lynes, Bill Barlow, Mac and Candy MacLear, Harry Smith, Jack Stone, Red McBrine, Gordon Scott

Mille mercis à: les gens de Horseshoe Valley (Judy, Steve, Kevin, Kathy), Le Studio (André, Yaël, Paul Richard, Frank, Robert, Solange, Lina, Nancy, Yvon, Pierre, André et Michel et le Bouffe en Broche), the Mike Stone Happy Hour, the Franko Polko Singers, Trevor and the Commons, Frankie’s Bar and Grill, Le Chasseur de Nuit, Bill Churchman, Barry Murphet, the International Scouting Organization of Cliff Burnstein, Peter Mensch, and Val Azzoli, the Griffin Family, NASA and the Johnson Space Centre, Roger Kneebend, Ann Uumellmahaye, Dr. Hfuhruhurr, Hentor the Barbarian, the Uglies, the Rory Gallagher Band and crew, Golden Earring and crew, Darrell and Werner en Allemagne, Yousuf and Estrellita Karsh (and Mary and Matthew), The B-Man, Tokyo Cro, Stuart Hall (“That’s the weather, this is the time; now stay tuned for more news”), Jean Gallia et les autres proffesseurs de L’École Berlitz, et au bureau de SRO/Anthem: Ray, Val, Pegi, Sheila, Tom, and Marilyn, et toujours notre bon vielle ami–Broon.

We appreciate the technical assistance of: The Music Shoppe (Thornhill), Bill Ward, Marcus, the Percussion Centre (Fort Wayne), Tama Drums, Avedis Zildjian Cymbals, Direct Synthesis, Quantec, Fostex, Loft, Richard Ealey and Bruce Anthony.

Lado A:

Distant Early Warning (4:56)
Afterimage (5:03)
Red Sector A (5:09)
The Enemy Within (Part I of Fear) (4:34)

Lado B:

The Body Electric (4:59)
Kid Gloves (4:17)
Red Lenses (4:41)
Between the Wheels (5:44)

“Grace Under Pressure” foi lançado em 12 de abril de 1984 e atingiu o 4º lugar no Canadá e o 5º lugar no Reino Unido. Nos EUA chegou ao 10º lugar, atingindo posições próximas ao 20º lugar também na Finlândia, Holanda, Suécia e parada da Europa. Na Alemanha chegou ao 43º lugar. Ele atingiu status de Platina, por 100.000 cópias, no Canadá ainda em 1984.  O disco chegou ainda mais rapidamente às 60 mil cópias no Reino Unido, no dia 29 de maio daquele ano, certificação de prata. Em 2015 a gravadora lançou um álbum digitalmente remasterizado, em versão de vinil de 200 gramas e cd. Ele vendeu mais de 1 milhão de cópias nos EUA, ainda em junho de 1984. Este é o primeiro álbum do Rush a ter o formato em cd lançado no momento em que os formatos de vinil e cassete foram lançados. A partir deste post, traremos também ilustrados as mídias dos cds lançados em simultâneos aos demais formatos.

O primeiro single lançado mundialmente foi o de “Distant Early Warning”, em abril de 1984. Em maio, outros três compactos foram lançados em locais distintos, da seguinte maneira: “The Body Eletric” foi veiculado no Reino Unido; “Afterimage” foi alvo do mercado japonês. Por fim “Red Sector A” foi disponibilizado em compacto no Canadá, sendo o único dos quatro singles a não ter um videoclipe preparado para sua divulgação do álbum de estúdio. “The Enemy Within’” não foi lançado como single, mas também possui um videoclipe. Todos os vídeos promocionais de “Grace Under Pressure” podem ser vistos abaixo, com toda tolerância necessária ao contexto da época. Não há nenhuma informação que nos traga qualquer relevância de repercussão aos outros singles extraídos de “Grace Under Pressure”, exceto o principal, “Distant Early Warning”, que atingiu o 3º lugar na parada de rock da Billboard.

A crítica novamente traz avaliações mistas. A Roling Stone até acenou com uma nota ligeiramente superiora às anteriores (3/5), entendendo a proposta do grupo incorporar elementos modernos à sua sonoridade. As reações mistas reservam-se em especial ao estranhamento com os sons mais modernos em todos os instrumentos, um clima robótico e futurista que pode trazer certa desorientação traduzida em desapontamento. Algumas resenhas, no entanto, ressaltam positivamente o lado mais sombrio do álbum, intitulando que este é o álbum de inverno da banda, reflexo das conturbações políticas das grandes potências mundiais. 

1 – “Distant Early Warning” 

Inicialmente, “Distant Early Warning” traz como cenário as duras tensões da Guerra Fria, ainda rodeado pelos fantasmas da aniquilação nuclear, mostrando as pessoas se tornando cada vez mais distantes uma das outras, que entram e saem de portas giratórias, consumidas pelo trabalho e tendem a esquecer outras preocupações, como se a situação fosse algo relativamente distante da realidade. A primeira canção a citar o vermelho em sua letra (“Red Alert”), algo que se torna um elo entre algumas das letras de “Grace Under Pressure”.  A letra, no entanto, vai muito além da relação entre as pessoas e o perigo nuclear e se desenvolve trazendo outros conceitos interligados. A frase “There’s no swimming in the heavy water” (“Não há como nadar em água pesada”) refere-se à água com átomos de hidrogênio mais pesados (deutérios) cujos núcleos atômicos contêm um nêutron além do próton encontrado em todos os átomos de hidrogênio. É utilizada como moderador de nêutrons em reatores nucleares. A contaminação dos lagos do norte do globo terrestre pelas emissões sulfurosas provenientes da poluição relacionada à guerra fria também é lembrada em outras frases. “No singing in the acid rain” (“Não se canta na chuva ácida”), por exemplo, refere-se ao resultado de poluição oriundo da dissociação do dióxido de carbono atmosférico dissolvido na água pluvial e ao mesmo tempo é um trocadilho irônico com o musical hollywoodiano “Cantando na Chuva” (“Singin’ in the Rain”), de 1952. Peart tinha as palavras “obsolete / absolute” (obsoleto / absoluto), e pensou sobre o quão similar eram com “Absalom”. Absalão era o filho do rei Davi, que tentou derrubar o próprio pai do trono e o baterista também usa a palavra para referenciar o romance do escritor norte-americano William Faulkner (1897 – 1962), “Absalom, Absalom!”, de 1936.  Ainda em torno da temática bíblica, “The Cities of the Plain” (“As cidades planas”) refere-se à passagem de Gênesis 13:12, que fala sobre cinco cidades que incluem Sodoma e Gomorra na planície do Rio Jordão. De acordo com a história, Sodoma e Gomorra foram destruídas por Deus com fogo e enxofre descido do céu, devido à perversidade, imoralidade e a desobediência dos seus habitantes.  O trecho “The world weighs on my shoulders, but what am I to do?” (“O mundo pesa sobre meus ombros, mas o que devo fazer?”) é mais uma vez algo inspirado numa das autoras favoritas de Neil, Ayn Rand, no clássico “Atlas Shrugged” (“A Revolta de Atlas”, de 1957).  Na mitologia grega, o titã Atlas recebe de Zeus o castigo eterno de carregar nos ombros o peso dos céus. Já no romance, os inovadores e os indivíduos criativos suportam o peso de um mundo decadente enquanto são explorados por verdadeiros vilões sem qualquer valor ético. “Distant Early Warning”, em suma, traz um conceito bastante claro, referente ao impacto de uma ameaça nuclear entre as superpotências, mas que dentro deste conceito se desenvolve de forma bastante complexa, se nos aprofundarmos por sua genial letra.

A música traz o estilo desenvolvido desde “Vital Signs”, uma espécie de reggae progressivo, inspirado principalmente no The Police, que vai dar as caras e se tornar bem presente já a partir do “Signals”, em músicas como “Chemistry”, “New World Man” e principalmente “Digital Man” e também aqui, já a partir desta faixa de abertura. Em “Distant Early Warning”, o reggae é desenvolvido principalmente pela linha de baixo de Geddy Lee e pela bateria de Neil Peart, bem influenciada por Stewart Copeland. Alex usa o chorus para trazer as pontuações necessárias com seus característicos acordes abertos para registrar suas bases e isso tudo já aparece nos primeiros segundos da canção. Em 0:29 Lee traz o teclado para acompanhar a guitarra de Alex em um riff marcante da canção em compasso 7/8 e 6/8. Em seguida, Geddy começa a cantar a primeira estrofe da música, aos 0:55 Alex entrega uma progressão na base em overdub com arpeggios em staccato interessantíssimos e em 1:20 vem o refrão, após novo trecho com o riff desenvolvido por teclados e guitarras. A música repete este padrão, estrofe, com a guitarra aos 2:10 expandindo em dedilhados intrincados e a bateria evoluindo para uma levada com a caixa e viradas sensacionais no riff principal, refrão e na sequência a banda se encaminha para o solo com convenções de baixo e bateria e um fraseado de guitarra. Em cerca de 3:17, Alex traz o estilo que iria desenvolver em boa parte do álbum, uma mescla de frases com acordes para compor seus solos, o que os torna mais harmônicos e melódicos do que o convencional “guitar shredding” que se desenvolvia nos anos 80. O refrão volta e a música cresce, com Geddy cantando o “Absalom, Absalom”, para terminar de forma apoteótica. “Distant Early Warning” é uma grande canção desta nova fase da banda e sobreviveu ao teste do tempo, tendo sido tocada frequentemente dali em diante.

O vídeo promocional da canção traz a banda tocando entre as cenas nas quais um  menino aparece viajando em cima de um míssil. A inspiração veio do filme de 1964 “Dr. Fantástico” (“Dr. Strangelove or How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb”) do cineasta Stanley Kubrick.

2) “Afterimage”

A letra de Peart descreve as sensações pela perda do jovem Robbie Whelan, engenheiro de som assistente que trabalhou com a banda no Le Studio em Morin Heights, Quebec (Canadá), durante as gravações dos álbuns “Permanent Waves”, “Moving Pictures” e “Signals” e morreu em um acidente de carro bem próximo ao estúdio. A música tem uma estranha e triste relação com o futuro da vida pessoal de Neil, como veremos mais à frente nesta discografia.  O título da “Afterimage” refere-se a um tipo de ilusão de ótica chamada pós-imagem retiniana, com imagens que continuam a aparecer na visão após a exposição original ter cessado. A música tem um vídeo promocional menos frequente que os demais do álbum, que traz basicamente a banda tocando, mas em poucos momentos mostra em um passado a cena de uma criança inerte, à beira de um meio fio, aparentemente vítima de acidente fatal, rodeada por adultos e uma outra criança que, a princípio, não tem o entendimento pleno do que está acontecendo.

Musicalmente, “Afterimage” é forte composição progressiva com inserções da new wave que destaca os sintetizadores de Geddy Lee, já desde o seu início. Em 0:27 Geddy traz a primeira triste frase “Suddenly, you were gone”, lamentando a perda do amigo Robbie. A música até traz também elementos de reggae nos teclados de Lee, durante os pós-versos, em cerca de 0:40, mas mantém o clima triste. No refrão, em 1:04, há elementos pop/rock com o riff principal nas guitarras de Lifeson em contraponto à voz de Lee. Em 1: 25, assim como na faixa anterior, o guitarrista traz uma linha arpejada oitavada em staccato para a base da segunda estrofe. A música segue para um novo refrão, para chegarmos a um trecho etéreo na canção, a partir de 2:23. Este denso instrumental em compasso 6/4 na parte intermediária consegue criar uma clara atmosfera eletrônica de tristes lembranças, marcada principalmente por ter espaço para Alex Lifeson viajar inicialmente com inserções com volume em sua guitarra, similarmente ao desenvolvido pela banda no trecho instrumental de “The Weapon” do álbum anterior. Em seguida, por volta dos 3:18, já em compasso 4/4, Alex trabalha, como no solo da faixa de abertura, com acordes agudos para servirem para uma nova parte do solo que cresce progressivamente com a bateria. A canção volta com a linha arpejada da guitarra em destaque. A canção volta para uma estrofe e um novo refrão, com a voz bastante emocionada de Geddy, traduzindo o sentimento de perda que é o tema de “Afterimage”. Com uma linda virada de Peart , a canção segue ao fim, com os teclados dominando a cena. Para esta música, Geddy afirmou à época que já trabalhava na independência das suas mãos, compondo linhas de baixo no teclado exclusivas para a mão esquerda e utilizando dois teclados ao mesmo tempo, algo que ele não tinha feito antes.

3) “Red Sector A” 

Inicialmente o título da terceira canção, “Red Sector A”, foi retirado diretamente do nome da área VIP onde o trio assistiu, em 1981, a primeira decolagem do ônibus espacial Columbia. A segunda canção que cita o vermelho, no entanto, se desenvolve em um tema futurista, sendo o nome de um campo de concentração. As sementes para “Red Sector A” são provenientes de abril de 1945, quando soldados britânicos libertaram o campo de concentração nazista de Bergen-Belsen, na Alemanha. A mãe de Geddy Lee, Manya Rubenstein, estava entre os sobreviventes. O trecho “For my father and my brother, it’s too late / But I must help my mother stand up straight” (“Para meu pai e meu irmão – já é tarde demais / Mas devo ajudar minha mãe a ficar de pé”) é talvez a referência mais clara aos eventos deploráveis nos campos de extermínio da segunda guerra mundial, ilustrando  à atitude dos prisioneiros que levantavam os doentes e os fracos quando os guardas passavam, para evitar que esses fossem levados para as câmaras de gás.   No entanto, ainda que haja uma referência direta aos dramas vividos na perseguição aos judeus na segunda guerra mundial, Peart decidiu tornar abstrata a temática dessa canção, de modo a se aplicar em experiências de atrocidades em qualquer cenário semelhante.  Peart afirmou na época que os tratamentos desumanos poderiam acontecer em qualquer lugar, a qualquer momento. O baterista citou a forma como os esquimós eram tratados de forma cruel no Canadá, comparando às injustiças causadas pela colonização norte-americana com os seus indígenas.  “‘Red Sector A’ é sobre o instinto de sobrevivência, sobre a coragem e a capacidade de se manter a cabeça erguida, apesar de todo o horror que qualquer um de nós possa vir a sofrer”, continua o baixista. ” . Todo o álbum “Grace Under Pressure” é sobre estar na beira do precipício e ter coragem e força para sobreviver” e esta é mais uma das canções a ilustrar tão claramente este conceito.

“Red Sector A” é construído em batidas com toques de discoteca,  também na mesma linha que foi desenvolvida em “The Weapon” de “Signals”, mas aqui sem a presença do baixo, pois Lee está apenas voltado aos teclados. A canção é uma das que mais mostram o trabalho de Peart na parte eletrônica de sua bateria. A música também é um grande exemplo da versatilidade de Alex ao se adaptar ao novo estilo desenvolvido pela banda, optando por acordes bem agudos com vibrato produzido pela alavanca das guitarras Strato, como podemos ver melhor no vídeo abaixo.

“Red Sector A” reforça seu tom duro com frases poderosas que se referenciam ao sofrimento de uma humanidade às voltas em simplesmente sobreviver, já a partir de 0:48, quando Geddy começa a cantar. São essas frases que vão marcar mais a música, durante todo o seu desenvolvimento. Em 3:02 Neil usa os toms, entre outros elementos, para trazer a alternância importante na construção do solo de Alex, que usa muito bem os harmônicos e os fraseados com acordes.  Aos 4:19 Geddy canta novamente as poderosas frases (“Are we the last ones left alive? / Are we the only human beings to survive?” – “Somos os últimos deixados vivos? / Somos os únicos seres humanos que sobreviveram?”), antes que o trio retome o trecho que eles entregam no início da canção e que agora vai fazer o papel de encerrá-la.

4) “The Enemy Within”

“The Enemy Within” fecha o lado A do álbum e fecharia também a trilogia decrescente “Fear” idealizada em 1981. Mais tarde, em 2002, o tema se tornaria uma quadrilogia. “Fear” traz, como ideia geral, as raízes e consequências do medo. “The Enemy Within” trouxe alguns versos que haviam sido escritos em 1981, mas foi a parte mais difícil de tratar, pois aborda o medo como um inimigo interno bastante perigoso, afetando a vida do indivíduo e limitando suas potencialidades. Certamente o tema traz relação direta com a célebre frase do ex-presidente Franklin Roosevelt:” we have nothing to fear except fear itself.” – “Não temos nada a temer, exceto o próprio medo”. Neil Peart havia, na parte dois, observado o medo sendo utilizado contra o indivíduo (“The Weapon”, do anterior “Signals”) e na terceira (“Witch Hunt”, de “Moving Pictures”), expôs as possibilidades catastróficas de pessoas acuadas e movidas por esse sentimento se tornarem uma multidão enfurecida e acéfala. A genial letra de “The Enemy Within” nos mostra prisioneiros de nós mesmos, através do medo, e é outra criação de grande maestria, apresentando uma visão hipnótica e certeira de mentes perturbadas. O vídeo promocional segue a tendencia dos demais do álbum, com mais imagens da performance da banda, intercaladas com algumas poucas cenas de um povo em um cenário futurista usando burcas. 

A música começa com os característicos dedilhados de Alex, pontuados pelos toms de Neil. Em seguida, ela se transforma totalmente em um “ska”, a partir de 0:14. Enquanto faz uma linha “cavalgada” nos bordões, Alex ataca de forma acelerada os acordes e Geddy entrega uma excelente linha de baixo.   O refrão e a ponte utilizam abordagens mais próximas ao hard rock e, na seção instrumental que segue a marcante frase “Experience to extremes”, há uma aproximação ao synth-pop, com uma linha muito criativa da bateria de Neil. As guitarras de Alex se juntam às notas delicadas do teclado etéreo de Lee. Em 2:45, Neil para, deixando Alex dedilhar novamente o trecho inicial da canção, desta vez com o vocal de Geddy seguindo-se pelas frases da primeira parte de “Fear”.  Longe da tristeza e da melancolia de outras partes da trilogia reversa, esta faixa traz um clima suave e até alegre, terminando em fade-out sobre a base acelerada do ska. “The Enemy Within” destaca principalmente uma linha incrível de baixo de Geddy, por debaixo de uma canção leve.  

5) “The Body Eletric” 

“The Body Electric’ retrata a busca de um protagonista humanoide pela identidade humana. A ideia geral, por si só, se aproxima do desenvolvimento da história de “Blade Runner”, famoso filme de 1982 dirigido por Ridley Scott, onde os replicantes (robôs orgânicos criados geneticamente, visualmente indistinguíveis dos humanos) são caçados, adquirindo cada vez mais características humanas – enquanto os verdadeiros humanos caçadores parecem seguir aflorando traços desumanos.  Já o título vem do poema de Walt Whitman, “I Sing the Body Electric”, um longo hino à beleza e à glória do corpo humano. Por que elétrico? Segundo Whitman, todos os corpos são carregados.  A capa de “Grace Under Pressure”, provavelmente expõe o protagonista da canção avistando o horizonte dividido entre a pressão e a graça. Como em “Vital Signs”, faixa final de “Moving Pictures” (1981),”The Body Electric” se expande em linguagens provenientes da informática, com referências à sobrecarga de dados, bancos de memória, bytes e bits e o craqueamento de códigos, termos ainda inéditos para a maioria das pessoas, já que nos anos 80 os computadores pessoais (PCs) não eram disponíveis para o público em geral. Em dígitos binários, o “1001001” que Geddy canta na canção é o equivalente ao 73 decimal e que é o ASCII (American Standard Code for Information Interchange) significando a letra ‘I’, que pode significar a motivação do corpo cibernético para a fuga descrita, buscando a realização da autoconsciência, da independência e da individualidade.  


“The Body Electric” tem início com um forte e notável padrão de bateria com rufadas na caixa que, de imediato, expressa o código binário “1-0-0-1-0-0-1”, repetidamente destacado no refrão. Geddy entra com um interessante mini-solo em slap, enquanto Alex pontua com seus típicos acordes. A música se destaca por uma refinada abordagem sci-fi, com o sequencer sublinhando o clima de ficção distópica do tema. Em 2:31 Neil alterna a bateria para uma abordagem mais tradicional e dinâmica, mas os teclados trazem o clima synth-pop que a banda vinha aos poucos trazendo para a mistura de sua sonoridade. Em 2:57 Alex começa o solo, com o baixo e a bateria brilhando no fundo. Não há teclados no trecho. Em 3:10, Peart entrega uma virada poderosa. O solo é bem interessante, novamente mesclando acordes e harmônicos, mas trazendo efeitos de delay e harmonizer com o uso da alavanca bem pronunciado. Em 3:24 volta a percussão marcial que é a tônica da canção, ilustrando o código digital.  A música cresce com a bateria agressiva de Neil no fim e os teclados tocados no pé, pois o baixo se mantém bem presente.

Como curiosidade, a canção foi usada, entre outras, do desenho animado Canadense que usa o mesmo título, “The Body Eletric”, produzido em 1985, como podemos ver abaixo:

Entre as frases utilizadas no desenho, há diversas citações de músicas do Rush, como no trecho em que se pode ouvir “Andrea and Woody have little time to escape Red Sector A, but an unknown force has it’s own plans for them”. Fica claro que os autores do desenho eram apreciadores do grupo. O vídeo promocional da música utiliza imagens do filme THX 1138, de George Lucas, com seus prisioneiros numerados no futuro e a cena em que o fugitivo sobe à superfície da prisão subterrânea e vê o sol. O conceito, na verdade, é da conhecida “Alegoria da caverna”, de Platão, onde a realidade como a vemos é apenas uma sombra da verdade.

6)”Kid Gloves” 

Inicialmente, Neil Peart visita novamente com “Kid Gloves” alguns dos dramas da juventude, trazendo de volta o conceito explorado em “Subdivisions”, faixa de abertura do anterior “Signals”. A partir do contrate entre as frases “It’s cool to be so tough” (“É legal ser durão”) com a emblemática frase da faixa do álbum anterior que dizia: “Be cool or be cast out” (“Seja legal ou fique de fora”). Peart ressalta que enquanto possa parecer legal ser durão, finalmente aprendemos com o mundo que também é duro ser legal. É difícil dizer o que é certo sobre algo antes de dizer o que está errado. É preciso dizer o que precisa ser dito, porém com delicadeza, com graça, mesmo quando sob pressão. Assim se expõe a delicadeza do título da canção, na imagem de delicadas luvas de crianças, ou em uma tradução mais livre para o português, usando luvas de pelica.

Construída em uma inusitada frase guiada essencialmente pelas guitarras, a composição tem menos sintetizadores e destaca incríveis e alternadas mudanças de tempo, além do uso pronunciado dos delays para preencherem todo os espaços que Alex produz, em um riff circular. Alex usou duas guitarras rítmicas, cada uma gravada em uma pista separada, incorporando ao modelo Stratocaster um outro instrumento da Fender, a Telecaster. A batida da canção está no compasso 5/4, assim “Kid Gloves” também precisa de uma métrica nas letras que acompanhe o seu tempo pouco ortodoxo. É isso exatamente que Geddy faz, a partir de 0:28. Em 0:40 a banda volta ao tradicional compasso 4/4, na ponte que antecipa o refrão em 1:02. Em 2:26 o clima se altera, com baixo e bateria antecipando o momento do solo de Alex. Declaradamente, “Kid Gloves” traz o segundo solo preferido do guitarrista, depois de “Limelight”, de “Moving Pictures”, com os pinch harmonics que nos fazem achar que o guitarrista está “beliscando suas cordas”. O efeito aparece por volta dos 2:41 e foram feitos, segundo o guitarrista, com dedos quase enterrados na ponte. Este foi o último solo a ser feito no álbum e a música é provavelmente a que tem mais a cara do guitarrista em todo o álbum, que novamente alterna acordes, frases rápidas com cordas abertas e alavancadas radicais. O final apoteótico da canção nos lembra o período dos anos 70 da banda, como no final ao vivo de “Closer To The Heart”.

7)”Red Lenses”

“Red Lenses”, como a faixa de abertura “Distant Early Warning”, traz novamente algumas ponderações sobre questões globais. Peart utiliza uma grande variedade de imagens relacionadas à cor vermelha, como se observasse com raiva todos os acontecimentos ao seu redor. Ele inclui figuras como batimentos cardíacos, o nascer do sol, os resultados sangrentos de guerras, a paixão, o planeta Marte, sapatos de dança, a extinta União Soviética, o calor e a dor. E novamente cita a chuva ácida, em “And the rain that is burning” (“E a chuva que está ardendo”), “Red Lenses” observa mais uma forma de pressão, a manipulação das populações e da opinião pública, alterando o modo de vida das pessoas.   Durante o Macartismo, milhares de americanos foram acusados associação ao comunismo, sendo perseguidos de forma bastante agressiva por pessoas manipuladas popularmente. A maior parte dos investigados eram servidores públicos, artistas, cientistas, educadores e sindicalistas. Conhecido como o “Terror vermelho” ou “Caça às Bruxas”, o Macartismo trazia de forma costumeira delações provocadas pelo clima de histeria do início da Guerra Fria, uma nova referência a “Witch Hunt”, a parte final de “Fear” em “Moving Pictures”.   Dessa forma, “Red Lenses” também aborda a manipulação em prol do controle, utilizando de forma enganadora a “ameaça comunista” no ocidente como exemplo.

“Red Lenses” traz uma sensação muito diferente das canções do Rush, munida de bastante groove”, uma mudança de 180 graus em relação à faixa anterior. Foi a última a ser escrita para o álbum e nos preparara para o futuro, como vimos em vários outros álbuns da banda.  A música é construída em torno de um complexo padrão de bateria durante o refrão. Neil queria basear a peça no ritmo e considera uma das canções mais difíceis que trabalhou. A sensação diferente já se mostra com Geddy cantando brevemente início da canção para então o restante da banda entrar, algo inédito na discografia da banda até aquele momento. O baixo andante faz mais do que uma linha típica, que novamente é harmonizada com os típicos acordes de Lifeson, e essa canção tem várias mudanças e climas.  Em 0:18 Neil incorpora a bateria eletrônica ao trecho menos orgânico do álbum, com as guitarras de Alex pontuando com frases funkeadas, que lembram sirenes de alertas nucleares.  Peart passa de batidas de marimba para partes adicionais impulsionadas pela percussão, tornando esta sua faixa geral mais desafiadora. Em 2:08 Neil novamente inova com a bateria eletrônica, trazendo um trecho de condução que iria no futuro adaptar para seus solos ao vivo. A música tem um pouco mais de presença de teclados, para seguir em um trecho estranho que só conta slaps no baixo e a bateria, enquanto Lee se vira para concatenar a letra e a melodia. Após retornar mais uma vez para a estrofe, a música segue para o seu fim em um fade-out, com um improviso da seção rítmica em cima da passagem final.

8) “Between The Wheels”  

A última canção de “Grace Under Pressure” apresenta percepções da banda sobre a decadência da sociedade.  “Between The Wheels” lembra que devemos negar a apatia sobre nossas próprias vidas, não permitindo que as rodas do tempo simplesmente esmaguem nossos anos. Inicialmente, o letrista pensa sobre os indivíduos completamente envolvidos pela inércia sem perceber a vida escorregando pelos dedos, tão rápida e esmagadora. Novamente a letra se associa aos fatos da época, as questões da guerra fria, do crescimento bélico, pelo crescimento da quantidade de mísseis instalados pelos dois lados divergentes. Enquanto isso as nossas famílias e amigos precisavam lidar com as dificuldades da economia, do desemprego, de doenças e morte, problemas mentais, estresse, depressão, entre outros problemas, que pareciam mostrar que a humanidade estava regredindo diante do progresso. Uma das frases mais emblemáticas da música é “another lost generation” citada no romance “The Sun Also Rises” (“O Sol Também Se Levanta), de 1926. Peart novamente referenciou  Ernest Hemingway, que se inspirou para fazer a obra  inspirado no seu próprio círculo de escritores e artistas, em Paris, durante as décadas de 20 e 30. O grupo incluía também notáveis como Gertrude SteinEzra PoundPablo Picasso e F. Scott Fitzgerald, todos em desânimo por encontra um geração perdida que não conseguia influenciar e transformar a sociedade.   Esta música aborda o desperdício da Guerra Fria. A referência a “reeling by on celluloid” afirma que as pessoas às vezes buscam refúgio no entretenimento e em atividades frívolas, em vez de encarar seus medos e responsabilidades. As primeiras linhas da canção mencionam pessoas que se escondem, vivendo de ficção absorvendo “raios catódicos” (o baterista faz referência ao termo Cathode Ray Tube – CRT, o que era utilizado em monitores de televisões).  O conceito de pessoas inertes, em frente aos seus televisores, enquanto o mundo se mostra cruel em suas voltas, antecipa um conceito que seria desenvolvido pela banda no ano seguinte, na capa do seu próximo álbum.  

Musicalmente também “Between The Wheels” se destaca brilhantemente no álbum. A faixa que concluiu “Grace Under Pressure”, segundo Geddy, veio inteira em vinte minutos. Experimentamos, desde seu início, o desenvolvimento de climas musicais subsequentes inegavelmente envolventes, baixo poderoso e percussão abusando do hi-hats. Pela primeira vez na discografia, Alex usa em sua guitarra a afinação “Drop D”, ou seja, com a sexta corda afinada em Ré ao invés de Mí, que pode ser ouvida aos 0:09. Em 0:24 Alex entrega o riff mais pesado do álbum, com uma distorção muito presente e bastante vibrato produzido por sua alavanca.  A música é facilmente a mais pesada de todo o álbum. Em 0:39 Geddy traz um vocal que traduz os temores que o tema nos mostra. Em 1:31 os teclados dominam a música para o refrão enquanto Alex faz seus característicos dedilhados, até que Lee canta a emblemática frase “another lost generation” em 2 minutos, nos levando de volta para o clima que se apresentou desde o início perturbador. Em 3:37 vem o último e ótimo solo, em uma abordagem mais tradicional de Alex, fluido, rápido, expondo uma magnitude comparada a alguns dos seus trabalhos nas fases mais clássicas, mas sempre abusando das alavancadas como é a tônica no disco. O clima perturbador volta em 4:36 com os teclados, a guitarra de Alex e um piano, todos usando e abusando das dissonâncias para traduzir o clima soturno que fecha “Grace Under Pressure”. Geddy atribui parte deste clima de final apoteótico ao trabalho de Peter Henderson, que contribuiu sugerindo as muitas mudanças rítmicas que não poderiam estar em qualquer outro lugar no álbum – tinham que estar no seu fechamento.

“Grace Under Pressure “é um “print” de seu tempo, das ameaças políticas das grandes potências, dos temores de acidentes nucleares em proporções catastróficas. A banda também sofria com as pressões de ter buscado novo direcionamento e com a dificuldade de encontrar um bom produtor e isso se mostrou nas composições sombrias, mas notamos que a escolha de um novo produtor foi uma excelente jogada, proporcionando um melhor enlace entre as guitarras e teclados e uma excelente produção dos elementos eletrônicos da bateria. Esse álbum não traz baladas, não há um elemento acústico sequer, disse Alex Lifeson, que se recorda de achar que o álbum se arrastou por um ano para ser gravado, em especial os “basic-tracks”, que demoraram de fato mais de 2 meses para serem finalizados. O material final é, no entanto, recorrentemente lembrado pela ótima qualidade das composições. Ainda que haja algumas faixas que até não tem um reconhecimento maior pela maioria dos fãs, como por exemplo “Kid Gloves” e principalmente “Red Lenses”, o resultado final é muito, mas muito bom, por exemplo ao acertar em cheio ao encerrar o álbum tão bem com “Between The Wheels”.  O grupo fez um belo trabalho ao entregar o disco que traduz o ano em que foi lançado, com o medo do futuro bem perceptível a cada letra que se analisa. E “Grace Under Pressure” fez ainda mais, ao entregar alguns dos clássicos do grupo. Músicas como “Red Sector A” e “Distant Early Warning” se tornaram elementos básicos do repertório dos shows da banda dali em diante, mas fica claro que o grupo queria sofrer muito menos para gravar o álbum, lembrando as dificuldades que passaram ao gravar “Hemispheres”.

No próximo capítulo veremos novamente a banda bem mais à vontade, na estrada, excursionando para a promoção de “Grace Under Pressure”. Até lá!

Keep bloggin’

Abilio Abreu e Alexandre B-side



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4 respostas

  1. Impressiona a quantidade de detalhes e informações

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  2. Obrigado, Rolf. Para mim tem sido uma extensa revisitação, mas o trabalho feito a quatro mãos favorece o aprofundamento.

    Que os canadenses, aliás, merecem, aliás, merecem mais do que qualquer um conseguiria reproduzir.

    Saudações

    Alexandre

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  3. O trabalho da banda eu fui conhecendo como o do KISS, dando tiros aleatórios dentro das oportunidades que apareciam em adquirir os álbuns. Tinha a noção de quês as fases tinham sonoridades diferentes dentro da discografia. Então, a apreciação “aleatória “ me tirava a expectativa de continuidades de um álbum para outro. Particularmente eu gosto do álbum mesmo que se distancie dos anteriores ao Signals, salvo pelas levadas de raggae. Tive o vinil e recentemente adquiri o cd motivado pelos posts maravilhosos, com muitos detalhes que eu nunca havia lido. Parabéns meus amigos pelo empenho em nos trazer tanto conhecimento. 

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    • Claudio, obrigado pelas palavras, mais uma vez aliás.
      Naquela época, em 84, eu confesso estar voltado a outras bandas e o Rush começou comigo nos álbuns dos anos 70.
      Já o Abilio, pelo que conversamos, acompanhava cada passo do Rush nesta época.
      São experiências bem diferentes, eu concordo inteiramente ( em especial se houver essa questão de apreciação “aleatória” citada por você.
      Eu hoje gosto muito mais desse álbum, talvez facilitado pela imersão da banda que vem gerando os episódios. O contexto era de se voltar para o futuro, experimentar as novas sonoridades, influenciado pelos grupos da época,como o The Police. Pro fã de gosto mais fechado, tornou-se uma barreira. Mas hoje, entendendo melhor o contexto musical que ele estava inserido, ficou lógico ver a progressão da banda. Eu considero Grace Under Pressure um álbum muito bom dos canadenses.
      Jà o Abilio, tendo um conceito musical mais amplo, vivia a efervescência de cada lançamento.
      Experiências, como você bem contextualizou, bem diferentes, mas cada uma com o seu valor.

      Tem muito mais pela frente, vamos acompanhando…

      Alexandre

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