Discografia Bruce Dickinson – Episódio 4: 1997 – Accident of Birth
O refrão deixa claro: “Welcome home! It’s been too long, we’ve missed you!”
No capítulo anterior (o de verdade, a releitura do Balls to Picasso não conta, é mais um apêndice que eu chamei de capítulo 3.5), que você pode ler aqui, vimos Bruce Dickinson se aventurar em seu projeto intitulado Skunkworks e ver tudo ir por água abaixo, engavetando-o e entrando em uma crise musico-existencial, chegando a pensar em largar o mundo da música.
A guinada na carreira do nosso vocalista preferido só aconteceu por causa de Roy Z. Mesmo não trabalhando recentemente com Bruce, Roy sempre se manteve próximo ao vocalista. O guitarrista estava trabalhando em várias ideias e tinha uma boa quantidade de material que ele achava que Bruce precisava conhecer e, assim, ele ligou para Bruce para mostrar um desses riffs (sim, por telefone!). Bruce, conforme ele mesmo comenta em sua biografia oficial, após ouvir o riff, pegou um pedaço de papel e escreveu os versos iniciais do que seria a música Accident of Birth pouco tempo depois. Após um segundo riff tão bom quanto o primeiro, Bruce larga tudo e vai à Los Angeles, passando uma semana com Roy Z em um pequeno estúdio atrás da cozinha do guitarrista. Foi assim que mais da metade do quarto e novo álbum de estúdio estava pronto. Com bateria eletrônica pré-gravada, Bruce teve dificuldades em explicar para a gravadora que o material apresentado a eles (e que estavam em êxtase para lançamento após a audição) precisa de gravação descente e de uma bateria de verdade. Nascia ali o homônimo Accident of Birth, uma mistura do acaso (pois o álbum veio por um ‘acidente’, nada sendo planejado) e de uma conversa de Bruce com sua mãe, que tinha contado a seu filho (já na casa dos seus trinta anos) que ele foi um aborto que não dera certo, vindo ao mundo por acidente (Graças a Deus!).
Singles de Accident of Birth
O famoso desenhista dos álbuns do Iron Maiden, Derek Riggs, foi contratado por Bruce, criando as artes dos singles e do álbum. Em todas elas, temos um bobo da corte, batizado de Edison. A ideia do boneco partiu de um programa de TV inglês, chamado Spitting Image, muito conhecido lá fora, que contém dezenas de celebridades (e até a família real inglesa) em formato de bonecos em situações cômicas (aquele humor inglês que eu, particularmente, acho bem sem graça). Dentre a galeria de bonecos do show, temos um conhecido como Mr. Punch, que foi usado como referência, que você pode ver nas fotos abaixo:
Já o nome Edison (um trocadilho em inglês para “Eddie’s son”, o “filho de Eddie” na tradução) veio de Bruce, que achava que Accident of Birth era “o álbum que o Iron Maiden nunca tinha feito”, além do fato de nosso vocalista predileto ainda estar ressabiado pela maneira como foi tratado de vilão ao sair da Donzela. As roupas de Edison destacam as cores da bandeira da Inglaterra (branco, azul e vermelho) e ele é uma representação do feto que nasceu por acidente, que já nasceu com um porrete com pregos, para se defender da família que nunca o desejou (e até mesmo para castigá-los, se assim ele tiver vontade). Óbvio que o pessoal da Donzela pegou a sacada. Na biografia oficial, Bruce conta que Rod Smallwood ligou para ele espumando de nervoso enquanto berrava sobre a referência ao mascote Eddie, no que Bruce respondeu que não tinha nada a ver e que o nome era uma homenagem a Thomas Edison, inventor da lâmpada – sendo que foi até por isso que o boneco tinha lâmpadas nas extremidades de seu gorro. Um fanfarrão…
Accident of Birth
Não tinha como não ter um single com essa música, pois ela capitaneou o que viria a ser o novo álbum. O single foi lançado em duas versões, que alteravam as músicas que acompanhavam a faixa título. Na capa, temos Edison em destaque, tanto em fundo vermelho (o CD 1) e verde (o CD 2). Foram lançados em 1997, contendo as faixas:
CD 1
Accident of Birth – 4:24
Ghost of Cain – 4:13
Accident of Birth(Demo Version) – 4:16
CD 2
Accident of Birth – 4:24
Starchildren (Demo Version) – 5:03
Taking the Queen (Demo Version) – 4:31
Man of Sorrows
Lançado apenas no Japão, mostra Edison pregado em uma cruz, uma bela sacada para Jesus o “homem triste” que acabou crucificado. O rosto de Edison está mais leve, com detalhes na pele mais lembrando um desenho que pele humana (compare as capas dos singles que isso ficará mais claro). As músicas do single são:
Man of Sorrows (Radio Edit) – 3:58
Man of Sorrows (Orchestral Version) – 5:21
Man of Sorrows (Spanish Version) – 3:57
Darkside of Aquarius (Demo Version) – 6:24
Arc of Space (Demo Version) – 4:05
Houve também uma versão promocional na Inglaterra para fins não comerciais somente com a faixa título, mas que continha a canção completa cantada em espanhol:
Man of Sorrows – Radio Edit – Single Chorus – 3:58
Man of Sorrows – Radio Edit – Double Chorus – 4:24
Man of Sorrows – Spanish Version – 5:18
Man of Sorrows – Spanish Edit – Single Chorus – 3:57
Man of Sorrows – Orchestral Version – 4:05
Inclusive, falando no diabo, uma das maiores pérolas da discografia de Bruce é ele cantando Man of Sorrows em espanhol, que foi traduzida e escrito por Roy Z, que é nativo na língua. Eu sou obrigado a deixar a versão de Hombre Triste para que você realmente ouça esse petardo:
Accident of Birth (1997)
Coisas que ninguém presta atenção Ficha Técnica:
Produtor: Roy Z
Engenheiros de som: Roy Z, Stan Katayama e Joe Floyd
Gravado e Mixado em: Brooklyn Recordings, em Los Angeles e Silver Cloud Recordings, em Nova Iorque
Lançado em 3 de Junho de 1997, Accident of Birth é o quarto álbum solo de Bruce Dickinson. O grande fuzz do novo álbum estava na reunião com Adrian Smith, guitarrista do Iron Maiden que deixou a donzela no final da década de 80. Mas a verdade é que Adrian chegou bem depois, com o álbum quase pronto, participando diretamente somente em algumas composições. Todo o crédito de como Accident of Birth soa é realmente obra de Roy Z, que dessa vez teve liberdade para colocar peso, sem tantas insistências por parte de Bruce, que já tinha experimentado a falha devido suas birras em fazer heavy metal “como antigamente” (ou, vai saber Bruce tenha pensado em fazer algo relacionado à heavy metal, já que em 1997 o nome dele não estava mais circulando no topo do gênero – e nem o gênero em si não era algo tão mais relevante – e as pessoas já teriam associado seu nome a algo diferente de heavy metal devido seu recente histórico e, por isso, ele decidiu ir na “direção contrária”). Todos sabemos que a fórmula deu tão certo que a banda solo de Bruce teve muito destaque e Bruce e Adrian acabaram por voltar à Donzela. Isso é assunto para o álbum do próximo post, que cobrirá o Chemmical Wedding, mas achei justo já mencionar isso aqui, porque ninguém lembra de creditar Roy Z por todo essa renascimento musical de Bruce Dickinson! Quer culpar alguém? Culpe Roy!
Inclusive, na entrevista abaixo, fica claro que Bruce Dickinson idolatra Roy Z por tudo o que ele faz para que o álbum desse certo. E uma coisa muito interessante (e que eu não sabia até ver esse vídeo) é que Roy Z nunca gostou do som das guitarras de Ball to Picasso, mas ele acatou o que fora produzido à época. Ou seja, até a linguagem da guitarra que trouxe destaque à Bruce novamente partiu do californiano (sim, Roy Z é filho de latinos, mas nasceu nos Estados Unidos).

Na descrição do lineup é possível ver que Roy Z gravou além das guitarras. Adicionalmente, outros músicos foram convidados nas gravações, já que Taking the Queen, Man of Sorrows e Arc of Space possuem violino e violoncelo; instrumentos que ficaram por conta de, respectivamente, Silvia Tsai e Rebecca Yeh. Man of Sorrows também teve um pianista contratado, Richard Baker. Como são músicos contratados, não é possível resgatar fotos para deixarmos no registro.
Nota pós-publicação do post: sim, eu usei uma foto do encarte do The Chemical Wedding ao invés de uma foto da época do Accident of Birth pelo simples motivo que não achei uma única foto boa descente da formação completa em 1997. A formação é a mesma!
A capa original do álbum foi lançada na Europa, onde Edison explode de dentro da barriga de um homem (existe aqui uma coincidência onde os traços desse homem lembram a cara de Rod Smallwood, mas isso nunca foi comentado / registrado, então tire suas próprias conclusões). Só que ela foi muito censurada, por ser considerada uma imagem forte. Assim, essa mesma arte gerou algumas capas adicionais, com o homem sendo cortado inteiramente ou em grande parte da arte (há versões aos montes e eu não quero ficar dando uma de catálogo – se quiser ver tudo, vá na Discogs). Nos Estados Unidos a arte em si não foi aceita e Derek precisou pegar a arte do Single, que acabou sendo a arte vendida na América Latina.
Tracklist
1. Freak (Bruce Dickinson / Roz Z) – 3:47
2. Toltec 7 Arrival (Bruce Dickinson / Roz Z) – 0:47
3. Starchildren (Bruce Dickinson / Roz Z) – 4:17
4. Taking the Queen (Bruce Dickinson / Roz Z) – 4:49
5. Darkside of Aquarius (Bruce Dickinson / Roz Z) – 6:42
6. Road to Hell (Bruce Dickinson / Adrian Smith) – 3:57
7. Man of Sorrows (Bruce Dickinson) – 5:20
8. Accident of Birth (Bruce Dickinson / Roz Z) – 4:23
9. The Magician (Bruce Dickinson / Roz Z) – 3:54
10. Welcome to the Pit (Bruce Dickinson / Adrian Smith) – 4:43
11. The Ghost of Cain (Bruce Dickinson / Adrian Smith) – 4:12
12. Omega (Bruce Dickinson / Roz Z) – 6:23
13. Arc of Space (Bruce Dickinson / Roz Z) – 4:18
Faixa a Faixa
Quem não ouviu o single Accident of Birth em 1997 (algo muito comum aqui em terras brasileiras, já que esse tipo de material não chegava ao país e, quando chegava, era caro) toma um choque enérgico ao dar play no álbum. Literalmente, são necessários só alguns segundos para que se perceba o peso de uma guitarra que nunca tinha dado as caras em um álbum solo de Bruce. Freak abre Accident of Birth com uma base simples e pesada (o que é uma constante em várias das canções do álbum, pois é o estilo de composição de Roy Z). A letra fala sobre uma aberração que de certa forma desafia o demônio ao invés de se comportar como a maioria das pessoas, que o temeriam. Isso é muito interpretativo, mas é o que dá para sacar nas poucas linhas da letra, que repete muito uma única frase – o lunático tem um segredo (que não é revelado) e é isso que faz com que ele continue desafiando o demônio. É uma boa abertura, que carece de um solo digno de guitarra.
Toltec 7 Arrival é uma ponte para a terceira faixa, algo muito incomum de se encontrar em um álbum (elos entre músicas não ficam logo na segunda faixa – eis aqui o único exemplo que conheço). Existe um monólogo que Bruce interpreta, que tem certa relação com o desconhecido, como se um ser humano estivesse conversando com uma entidade sobrenatural ou extraterrestre. O título da letra é outra incógnita. Toltec é uma referência ao povo Tolteca (que povoou a terra antes dos Astecas), mas o que seria o número 7? A sétima geração dos Toltecas (apesar de já ter visto traduções assim, eu acho que não é, pois teríamos 7th ao invés de 7). Seria o nome de uma nave extraterreste, “Toltec 7”? Bruce sempre escreve de maneira metafórica e interpretativa, então não teremos uma consolidação concreta sobre essa letra.
Starchildren abre a terceira faixa com um riff poderoso e um andamento matador, tendo a sonoridade do The Number of the Beast como forte influência. Bruce já relatou que escreveu a letra para se referir ao primeiro contato com um Alien, só que esse Alien era o que conhecemos como a morte. A primeira estrofe apresenta as “crianças estrelares” (ou seja, os ETs do Rolf), que existem muito antes do nosso conhecimento (I came from nothing before nothing began). O restante da letra descreve o poder desse povo e como eles são nosso guia, devido nossas limitações humanas. Apesar de todo o peso, o solo dessa música também fica devendo, devido o excesso de efeitos, faltando com clareza nas notas.
Taking the Queen, na quarta posição, relata um enterro de uma rainha, que não fica claro ser de algum povo específico. A primeira estrofe relata o momento de sua morte, quando seguram um espelho em frente ao seu rosto para constatar que não há mais respiração (They hold a mirror, to catch the breath from your mouth / But your breath was stolen by the wind from the south). Com sua morte, todo o seu império será levado com ela (ouro, poder, deuses) – isso é o que Bruce canta no refrão. A progressão dessa canção, iniciando no acústico e caminhando para as partes mais pesadas, é a cereja do bolo. Uma canção simples e forte. É a primeira com o solo que me agrade.
Quinta posição, Darkside of Aquarius é uma das minhas preferidas. Um dos grandes pontos altos do álbum e também a faixa mais longa. Ela é uma metáfora ao quão caótico o mundo se encontra e como devemos continuar a tentar melhorá-lo, não deixando que o mal o consuma. Com referências aos quatro cavaleiros do apocalipse (os Hellriders da letra), Bruce relata problemas como fascismo, guerra, líderes mentirosos, ganância, etc. (cada Hellrider representa um grande mal). E no meio desse turbilhão de problemas, temos a roda do Dharma, que está com seu tempo se esgotando. Essa roda é uma referência à religião budista. A primeira pessoa que fez a roda girar foi Buda, criando assim um guia para a iluminação espiritual e um equilíbrio às leis universais. Nós, humanos, precisamos continuar a girar essa roda para manter o mundo são – deixando-o equilibrado, rompendo com forças ruins e com tudo o que que os cavaleiros do apocalipse trazem à nossa existência. Na letra, um herói imaginário é o nosso salva-vidas. Um surfista prateado é quem aparece para girar a roda. Ao final da letra, temos a insistência que temos que continuar girando a roda enquanto humanidade. Algo que nunca deve parar (e por isso a canção termina em fade-out). Ah, e tem a pergunta que não quer calar? Porque o título da canção é “o lado negro de Aquário”? No caso aqui, “Aquarius” é um dos signos do zodíaco. Quem é aquariano tende a ser antissocial, não priorizar emoções, ser rígido em decisões feitas e é um pessimista nato. Na minha opinião, Bruce usou essa metáfora para descrever os problemas que temos enquanto humanos, fazendo um paralelo com nossas ações que trazem as consequências maléficas descritas em letra.

Road to Hell, sexta faixa, não só é a melhor faixa do álbum como é a prova viva de que Bruce e Adrian compondo juntos são o pilar musical que Steve Harris precisa no Iron Maiden. Ritmo preciso, dobras de guitarra e solos de chorar! A letra fala sobre Jesus na cruz e o que poderia ter passado em sua mente durante seu processo de crucificação e morte. A primeira estrofe é uma simbologia clara ao homem sangrando, tomando sol na cabeça enquanto é pregado na cruz. Já o refrão é uma alusão sobre as más decisões humanas e suas consequências desastrosas que, nesse caso, acabaram por levar à morte o homem que fazia o bem.
Sétima faixa, Man of Sorrows foi criada para o filme The Chemical Wedding, ainda quando o filme estava sendo escrito e Bruce não tinha dinheiro para produzi-lo. Ela seria a canção principal do filme e a demo foi gravada só por Bruce, Adrian e um computador. Após a demo ser concluída, decidiram por colocá-la no álbum, mesmo com um tom muito gótico para a proposta de Accident of Birth. E, no final das contas, virou single, até porque ela tem uma levada mais comercial. Por analogia óbvia, a letra fala sobre Aleister Crowley, mais especificamente sobre sua infância e o homem que ele se tornaria, já que o filme (que foi criado tempos depois e será tratado em post futuro), também é tema central do ocultista inglês. “Man of Sorrows” é uma expressão retirada da Bíblia, do livro de Isaías, que também é título de um música do Iron Maiden, do álbum Book of Souls, mas no caso aqui tem um paralelo em querer descrever Crowley como um homem que acabou cheio de mágoas, vergonha e culpa. A frase “Do what thou wilt”, que é do inglês arcaico, é um excerto conhecido de seu livro The Book of the Law, escrito no início dos anos 1900 por Crowley, que tem a frase “Do what thou wilt shall be the whole of the Law” como tema do que viria a ser uma das religiões criadas pelo ocultista (lembrou de Raul Seixas aqui né!? Viva a sociedade alternativa!). O solo, escrito por Adrian Smith, tem fraseados que o guitarrista reutilizaria na Donzela – tem um excerto chupinhado que foi reutilizado no solo de The Writing on the Wall, e que eu não mencionei no post de Senjutso porque a ficha só caiu quando vim escrever esse post.
Oitava faixa, o single que capitaneou o álbum, Accident of Birth tem riff direto, como a maioria dos riffs de Roy Z. A letra tem muito dos sentimentos de Bruce quando descobrira que ele mesmo foi um aborto que não deu certo, misturado aqui com um pouco de ficção, já que o protagonista da letra nasceu na Terra e a família, que mora no Inferno, quer ele de volta. Isso é descrito na estrofe dois, que menciona que o protagonista tinha uma irmão que também foi levado de volta (I might’ve had a brother / As I was born, they dragged him under / To the other side of twilight / He’s waiting for me now) e, no refrão, todos querem que o protagonista volte aos seus “brothers and sisters”, e, já que todos foram levados de volta, então estão no inferno.
The Magician, nona posição, é outra faixa sobre o ocultista Alesteir Crowley. Essa faixa tem a composição mais simplista de todo o álbum e é uma faixa desnecessária. Fraca e sem propósito.
Entramos em um dobradinha com Adrian Smith. Welcome to the Pit, décima posição, entrega um riff pesado e sombrio, bem a cara do Black Sabbath. Pessoalmente, é a minha faixa predileta do álbum. Ela fala sobre jogos sexuais (e eu gosto da música porque ela é boa, não porque eu sou um pervertido). Termos na letra como “where the vipers spit”, “the velvet hands of darkness”, “hard place”, “ride the snake”, são todas expressões que entregam o tema. Essa é a única música que “pisa fora” da temática do álbum, até porque é um tema bem incomum para alguém como Bruce, dado o conteúdo da sua discografia. No álbum Fear of the Dark, em From Here to Eternity também temos essa temática, mas de uma forma caricata e esculhambada. Aqui não. Aqui o tema é trazido com certa mística e um teatro mais propício entre a interpretação de Bruce e a atmosfera da canção.
The Ghost of Cain, faixa onze, tem uma abertura diferente, sem foco em riff, mas em guitarras com mais destaque e em fraseado (obrigado Adrian!). Ela fala sobre invocar o espírito de Cain em seu momento de morte, para que você seja guiado corretamente ao mundo dos mortos. Cain, irmão de Abel (filhos de Adão e Eva), foi o primeiro assassino da humanidade, ao matar seu irmão por inveja. Assim, quando seu espírito tiver que “atravessar o rio”, nada melhor do que o primeiro assassino da humanidade para te guiar, pois ninguém sabe melhor o caminho.
Omega, penúltima faixa, é a segunda faixa mais longa do álbum, não ganhando o título por apenas alguns segundos de diferença de Darkside of Aquarius. Ela tem uma levada de violão simples e bonita, intercalando com guitarras mais pesadas. Ela discorre sobre o fim do mundo, onde o sol explode, com os céus pegando fogo em um cenário apocalíptico, sem nenhum tipo de milagre ou aparecimento de algum anjo que nos salvaria em uma situação como essa de acordo com nossas crenças. Omega é a última letra do alfabeto grego, que representa o fim. Existe uma expressão conhecida em inglês que diz “the alpha and omega”, que significa “o início e o fim”.
E para fechar, de maneira acústica e matadora, Arc of Space, uma das músicas mais bonitas da carreira do nosso vocalista predileto e a minha segunda música favorita do álbum. A Arca do Espaço e Tempo é um objeto descrito na letra como um sinal, um objeto para elucidar a humanidade frente à verdade. Como ela vem do espaço, ela é alienígena. Ou seja, a canção fala sobre pessoas que tomam essa questão de vida fora da terra como um assunto muito sério, como uma religião. Leia a letra como se fosse o Rolf e você vai entender. O solo dessa música é uma das peças instrumentais mais belas da carreira de Bruce. Leve, limpo e lindo!
A turnê não contou com um set fixo, para o bem daqueles que tiveram o privilégio de assistí-la. Além da carreira solo, algumas coisas do Iron Maiden foram tocadas, ainda mais com Adrian acompanhando o vocalista, o que facilitava ainda mais direitos autoriais. Aqui no Brasil o show foi no Skol Rock e contou com 2 Minutes to Midnight, Powerslave, Flight of Icarus e Run to the Hills. Em algumas outras apresentações, rolavam The Prisoner e Bring Your Daughter … to the Slaughter. Bruce e Adrian compareceram em diversas divulgações sobre o novo material, indo inclusive a diversos canais de televisão. O fato de dois membros do Iron Maiden tocarem juntos era um chafariz que a mídia explorou muito. Lembro deles passarem pela MTV (entrevistados pelo Gastão) e ao SBT, no Programa Livre do Serginho (achei alguns excertos na internet):

Em 2005 tivemos a edição remasterizada do álbum, em CD duplo, com a capa sendo a arte do single Man of Sorrows. O primeiro CD é o álbum que conhecemos e o segundo CD é composto pelos singles da época, no mesmo formato que os outros álbuns remasterizados tiveram:
1997 foi uma reviravolta para Bruce, que além de lançar um novo álbum solo com turnê, renovar seu nome de volta ao estilo que o consagrou, trazer seu antigo parceiro de Maiden para perto, também gravou um cover de Bohemia Rhapsody para o álbum “Friends for Life” junto de Montserrat Caballé.
Lá do outro lado, Steve Harris, que vinha mal das pernas com a Donzela, tinha seus motivos para se preocupar. Os próximos anos (e o próximo capítulo) mostrarão que isso só ficaria ainda mais concreto. Até o Chemical Wedding!
Beijo nas crianças!
Kelsei Biral
Categorias:Artistas, Discografias, Iron Maiden, Resenhas













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Muito bom “ouvir através do review” um álbum tão marcante quanto este. Parabéns pelo post! E preciso confessar, mesmo sendo muito, MUITO menos complexa que qualquer outra faixa, eu me diverti muito ouvindo a pegada de “The Magician” no carro na época da faculdade. Dava uma energizada matinal! Não desgosto, rs!
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Mas eu não falei que ela dava desgosto rs, só falei que ela tá lá perdida. É como se precisassem colocar uma faixa para completar o álbum e aquela é a que tinha pra janta … ela poderia ser bem melhor do que ela realmente é …
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Eu quis dizer que eu não “desgósto” dela – (duas negativas, não-não gosto, ou seja, que eu gosto), e não que ela dava “desgôsto”, substantivo, hahaha. Poderia ser melhor, mas me traz boas lembranças, uma nostalgia boa, é bem legal. 🙂
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Pra comentar sobre o novo e ótimo capítulo da discografia Dickinson, eu, como sempre, gosto de botar o cd pra tocar e acompanhar, principalmente a parte na qual as músicas são decifradas. Todo o contexto e toda a explicação das letras trazidos no post são um show à parte, cria da discografia Iron Maiden tão bem desenvolvida por você. Assim, isso aqui é mais uma aula, super informativo, e cheio de detalhes que eu não tinha a mais cretina ideia de que tinham acontecido, a começar pela ideia do seu título. Mas vamos ao som, que é o que mais interessa:
O disco já mostra ao que veio, na primeira faixa. Um som de heavy metal, cria do Iron Maiden, mas modernizado ao ponto de se entender o que o Sr Steve Harris deveria pensar em desenvolver naquele momento. Freak tem umas guitarras dissonantes, diferentes do que o Iron faria (a tal modernidade do metal), mas ao mesmo tempo não se distancia do som de essência que Dickinson domina tão bem. Só não acho que deveria abrir o play, não por que não é uma boa canção, mas por que há várias outras mais à frente muito melhores, a começar pela terceira canção (sim, a tal Toltec é uma vinhetinha, nem deveria ser de fato uma música). Starchildren é a melhor coisa que alguém que esteve ou estava no Iron Maiden tinha feito desde 88, facilmente, naquele momento de audição. Eu não consigo saber ao que certo quem faz o solo, cheio de pitch shifter, mas seja lá quem for, faz um solo que é ao mesmo tempo simples e ótimo. Ouvir Starchildren é lembrar do lançamento do disco por aqui, e pensar como era bom ouvir algo tão bom que nos lembrava os sons da donzela.
Taking The Queen é a tal falsa balada. Começa lenta, mas cai em um metal de primeiríssima qualidade. O solo é maravilhoso, concordo contigo, Kelsei, tem bastante a cara do Adrian, mas a captação mais grave me faz pensar que é do Roy, não dá pra cravar. E antes dele, ainda tem umas sublinhadas de baixo, com bastante harmonia. No fim, um piano que mais à frente talvez tenha ajudado ao Sr Harris a repensar sua ranzizice e deixar Bruce gravar a melhor música que o Iron fez como sexteto, na minha opinião.
Falando em baixo, é assim que começa talvez a melhor música do disco, Darkside of Aquarius, essa é Iron Maiden purinho, colhido do pé, como diria nosso amigo Rolf. Tem guitarras dobradas, tem pausas, tem baixo (tem muito baixo, aliás) e tem a voz. Só não tem o timbre clássico do Nicko McBrain, mas tem uma ótima batera também. Aliás, a gente fala pouco da cozinha, mas eles são muito bons também. E a música é muito mais Maiden do que qualquer coisa que o Blaze tenha gravado. E um nível de composição também muito superior. O solo é dividido entre os dois, acho que primeiro vem o Adrian. Ambos excelentes. Música nota onze.
Road to Hell foi a primeira música que ouvi, ou na rádio, ou indicada por alguém, achava que era faixa de trabalho, e neste ponto ela encaixaria muito bem, pois é direta, competente, impecável. A pausa no meio é a cara do trecho intermediário de The Prisoners, quase um plágio, mas eu adorei, quanta falta a gente sentia disso naquela época. Dali segue o ótimo solo, de Adrian, na minha opinião.Outra ótima canção.
Agora chegamos na verdadeira balada do álbum, Man of Sorrows, carregada de pianos e teclados, frases de violinos, a tal liberdade consciente que faria bem também em uma certa banda. Uma pegada comercial, sim, como você a descreve no post, mas outra música bastante competente. O solo é o Adrian clássico, música dentro da música, solo que se assobia. Coisa linda, enquanto isso no Maiden tinha um tal de…, deixa pra lá…
A faixa título também é uma das grandes músicas do álbum, merece ter a responsabilidade de protagonizar o projeto e é novamente uma pancada daquelas, com um ótimo solo de Roy Z, eu acho. Eu não considero The Magician uma música fraca, é um som mais direto, com solos divididos por Adrian e Roy (nesta ordem) e bem pesada, com um baixo bem audível. Não é um destaque, mas passa super bem, eu só tiraria o oh, oh, oh, mas isso não chega a comprometer.
Welcome to the Pit nos prepara para o próximo álbum. Densa, pesada, sim, tem uma cara de Sabbath, outra faixa excelente. Tem um refrão melódico que contrasta com o resto da música, funciona muito bem. O solo é Adrian, com certeza. The Ghost of Cain tem uma introdução que cairia bem no Somewhere in Time (embora o timbre não tenha o chorus do álbum do Maiden). Pra mim é a menos excelente faixa do álbum, a única que eu daria algo próximo a um 7.
Omega era para ser uma balada, com um refrão um pouco mais carregado. Ótima canção e o mais bonito solo do disco, de Adrian. Do solo pra frente, no entanto, vira o heavy metal clássico com bastante espaço para as guitarras, para depois voltar ao seu início. É um grande exemplo das músicas que tem “a volta”, como o Rolf gosta de dizer. Espetacular, está entre elas melhores do álbum O disco termina com violões que destacam a voz de Dickinson em Arc of Space. O solo, de violão, tem uma pegada clássica com final flamenco, realmente muito bom.
Bruce achou que Accident of Birth era “o álbum que o Iron Maiden nunca tinha feito”, cá estou eu, copiando e adaptando seu ótimo texto.
Ele achou certo, isso era o que nós todos queríamos ouvir da banda britânica.
E ele fez brilhantemente. Esse disco não tem ponto fraco. É consistente do início ao fim, uma perfeição.
Seu post está excelente, digno do álbum que ele descreve.
E o melhor é que teremos mais excelência pra frente.
Mal posso aguardar…
Ah…Harris….
Alexandre
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