Ninguém se importa mais de verdade com a música hoje em dia? Será? (Nem mesmo os autointitulados críticos musicais?)

A reflexão que trago hoje já está até datada, já que o exemplo abaixo surgiu no meio do Rock in Rio do ano passado. Mas a verdade é, pra mim, que depois de tanta tecnologia, incremento visual e marketing ancorando os artistas, a música realmente vem chegando a um patamar onde quase mais ninguém se importa de fato com ela.  A consequência, é claro, reflete na falta de educação musical que a população terá e aí eu me vejo em 1966 quando os Beatles deixaram de tocar ao vivo por que ninguém os ouvia, nem mesmo eles, e ainda assim eles eram adorados no palco.

A pergunta que um músico hoje, cercado de tanta tecnologia, deve se fazer é até que ponto a sua arte em essência é apreciada de fato. Nem vou considerar o uso dos playbacks para voz principal (ao menos), por que os artistas que neste ponto chegaram já não se preocupam mais com a parte artística. Há, de fato, nas bandas consagradas, uma preocupação de fazer o negócio continuar funcionando, e quem sou eu pra condená-los, afinal quantas pessoas dependem de cada um desses negócios chamados bandas ou artistas solos para sobreviverem.  No entanto, eu entendo que há artistas hoje que devem estar frustrados por não ter mais um público que realmente aprecie as suas essências.

O ponto principal que motivou post surgiu no show da Cyndi Lauper, no último Rock in Rio. Eu estive no Rock in Rio 2024 no dia 15.09.24 e assisti alguns outros shows em casa. O show da cantora americana me despertava curiosidade e lá estava eu ao vivo, acompanhando a transmissão do canal Multishow. A profissional banda que a acompanha entregava um bom instrumental para Cyndi e ela, ainda que com uma performance abaixo da média, justificada pelos seus mais de 70 anos, vinha encantando o público. A apresentação de Cyndi seguiu, na minha opinião, dentro da média dos shows que agradaram no Rock in Rio. Há, infelizmente, um envelhecimento no mainstream musical dos bons cantores, aqueles que de fato querem cantar. A maioria dos bons shows principais do Rock in Rio foram aqueles onde os cantores já passaram dos 60, 70 anos. Cantores como Alcione, Nei Matogrosso ou Gloria Gaynor, por exemplo, não estão no auge, o que também acontece com Cyndi, mas ainda entregam um espetáculo digno. Da geração que não chegou aos 50, no Rock in Rio recente de cabeça me vêm a lembrança a ótima Joss Stone e Amy Lee, do Evanescence. É isso mesmo, não consigo citar mais ninguém, mas vamos voltar ao show de Cyndi:

Ainda no início do show, lá para os 15 minutos de apresentação, o set list aponta para a canção The Goonies ‘R’ Good Enough, que saiu na trilha sonora do filme Goonies, de 1985. Ali, ancorado pelo bom áudio da transmissão do Multishow, presenciei uma catástrofe do ponto de vista musical, que só hoje, vários meses depois, consegui enfim, separar em aúdio e colocar a disposição abaixo de quem quiser ouvir. Eu fiquei incrédulo na hora e confesso naquele momento não ter entendido o que houve, além de evidentemente saber, sem muita dificuldade, que algo, de fato, aconteceu.

Pra quem não entendeu nada ou não conseguiu entender qual é o problema, eu agora explico. Enquanto toda a banda (inclusive Cyndi) está tocando a música em um tom (Dó menor), o baixista está tocando a mesma canção em um tom acima (Ré menor). O problema só aconteceu nesta música e o músico aparentemente não trocou de instrumento durante o show. O que de fato aconteceu para um baixista profissional cometer tamanha falha, durante toda a canção?

Eu imaginava até que o palco pouco iluminado fizesse o baixista errar de corda durante toda a canção, mas de fato o que aconteceu foi muito diferente. Com o auxílio de um baixista de oficio (o meu irmão Flávio), pesquisamos posteriormente as versões da canção e conseguimos chegar a um veredicto. A música, originalmente, em 1985, está no tom que o baixista tocou (Ré menor).

Na atual tour e talvez até nas turnês anteriores porém, pra ajudar a cantora nos tons mais altos, o arranjo baixou um tom em toda a canção (Dó menor), facilita para Lauper cantar.

Todos os músicos tocaram The Goonies ‘R’ Good Enough em Dó Menor no Rock in Rio. Cyndi também canta suas linhas vocais em Dó Menor. Parece, então, que o baixista se esqueceu de mudar do tom original para o tom adaptado na turnê. O resultado sonoro, para quem tem um pouco de acuidade musical e consegue ter um reprodutor sonoro que não se esqueça dos graves da equalização da canção, é uma catástrofe.

A catástrofe só não foi maior porque hoje, com cada músico e a própria cantora tendo sua mixagem própria para se ouvir no palco, imagino que pouco do baixo da canção foi ouvido pelo restante da banda e pela cantora. Assim, todos seguiram no tom escolhido sem muita dificuldade. E o baixista? Provavelmente só recebia no seu fone sem fio uma mixagem onde quase tudo era baixo. Assim também não se perdeu, apenas estava jogando “outro jogo“, amparado provavelmente apenas pela bateria para se manter no ritmo dos demais.

Infelizmente bastou passar a transmissão do Rock in Rio que a Multishow e a Globo começaram a caça às bruxas e também não disponibilizam seja lá em qual formato queiram, não só este show como qualquer outro que transmitam. Assim, foi bem difícil achar um áudio que não fosse aqueles gravados por celulares da plateia para conseguir de fato ouvir o que eu ouvi ao vivo em casa, o baixo com uma altura plausível de ser apreciado.

Muito tempo depois eu consegui este áudio abaixo, com o show todo. Dá pra entender que o baixista só se enrolou naquela canção. E graças a ele este post foi publicado, pois eu consegui extrair a parte do show onde a música é tocada e aproveitei para reforçar as frequências graves para melhor entendimento da falha do músico.

Eu me dei ao trabalho de procurar insistentemente algum review na internet que mencionasse o problema específico na canção e o resultado foi que ninguém, absolutamente nenhum dos especialistas que comentaram o show cita nada. Pra eles, eu confesso, não há como ter tanta tolerância como para um público que está nitidamente se deseducando. Se alguém souber de alguém que tenha percebido uma falha que pra mim é muito latente, peço, me encaminhe nos comentários abaixo. Pra entender algo do que foi a minha procura, seguem alguns links da cobertura do show da cantora:

https://g1.globo.com/pop-arte/musica/rock-in-rio/2024/noticia/2024/09/20/cyndi-lauper-entrega-grande-performance-sem-playback-em-estreia-no-rock-in-rio-apos-comeco-confuso.ghtml

https://cbn.globo.com/cultura/noticia/2024/09/20/rock-in-rio-2024-cyndi-lauper-faz-seu-maior-e-possivelmente-ultimo-show-no-brasil.ghtml

Ou seja, até o autointitulados especialistas, considerados formadores de opinião ou mesmo a tão propalada imprensa oficial parecem também não mais se preocuparem tanto com a parte musical, afinal, se o consumidor não se preocupa, pra que ser uma voz única, ranzinza, destoante e com isso perder milhares de seguidores nas plataformas digitais? A consequência deste e de outros momentos onde é preciso dar atenção de fato à música é bastante óbvia.

Neste atual cenário onde a música está perdendo muito do seu espaço para as demais motivações que fazem alguém sair de casa para assistir a um show, a plateia está se deseducando musicalmente e aí tanto faz o que de música vai se ouvir no palco. Eu, na verdade, estou até atrasado neste entendimento, aqui mesmo no Minuto HM o sempre visionário Eduardo já atestou isso, há quase um ano. Para a tristeza dos bons apreciadores desta espécie que parece estar caminhando para a extinção.

A tal da música.

Saudações,

Alexandre B-side



Categorias:Artistas, Cada show é um show..., Curiosidades, Músicas, Resenhas, Tá de Sacanagem!

4 respostas

  1. Aqui alguns pontos importantes foram mencionados em um único post mas eu concordo que a ausência de quem avalie musicalmente os shows e literalmente as músicas dos shows……….nao há ……ponto muito bom. Esse ouvido de vocês foi muito bom, e, embora pareça simples, parece quer não é …….

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  2. Rolf, realmente foi preciso uma pesquisa de quem pelo menos tem alguma base musical além do puro gosto para entender do que se tratava o equivoco do baixista. Quanto a isso, não há dúvidas que esclarecer ou tentar trazer uma proposição do porquê do erro não é pra todo mundo. Eu vou concordar com você, ainda que não seja necessário exatamente um virtuoso, é preciso alguma base musical além da pura audição.

    No entanto, quem consegue ouvir o baixo com a altura mínima necessária a percebê-lo na canção vai notar de cara que tem algo errado. E pra isso, honestamente, basta ter um ouvido acostumado a apreciar canções. Simplesmente. Não é necessário ter qualquer formação musical para perceber. Não é tão difícil, mas é preciso ficar atento à música.

    Pior, ainda assim, talvez nem seja isso. Pior é dar de cara com um monte de cara que se diz entendedor do traçado, alguns inclusive cuja arrogância nem se sabe se é fidedigna ou se é algo marqueteiro, e nenhum deles apontar para a questão.

    Ou fingiram que assistiram a apresentação ou fizeram dela uma espécie de ” resumo executivo ” raso e que pouco acrescenta a um público infelizmente já acostumado a não ter quase nada mais , do ponto de vista musical, cada vez mais ancorado nos demais aspectos, que pouco se relacionam com a música, no tal do show business.

    Essa é a minha conclusão triste, aliás a do Eduardo há alguns meses atrás também.

    Alexandre

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  3. Olha, aqui pegou pesado. Eu mesmo, com todos esses anos de meio musical amador, eu sou incapaz de perceber essa mudança no tom do baixo.

    Eu sempre brinco com algum baixista que está com receio de tocar. Sempre falo, “relaxa, ninguém ouve esse instrumento mesmo” rs …. eu mesmo tem poucos baixistas que consigo distringuir claramente o que tocam e, no caso do exemplo citado, se o tom do baixo é D e está todo mundo em C ou vice-versa, eu não tenho NENHUMA capacidade de perceber isso.

    Nem eu, nem qualquer comentarista! Não me vem à cabeça nenhum comentarista que tenha conhecimentos musicais para falar de escala, tom, qualquer coisa dentro do estilo técnico. A maioria deles são como nós – emitimos opiniões com nossas limitações.

    Agora, o B-Side é o B-Side né. O Remote também! São dois foras da curva e em termos musicais dão de lavada nos comentaristas…..

    Eu aqui vi os videos da Cyndi e não consegui identificar diferença nos baixos ao vivo e em estúdio. Confesso que ao vivo eu tenho uma dificuldade imensa em conseguir isolar o som do baixo para qualquer tipo de análise. O resto da banda (de qualquer banda, de qualquer show) sempre se sobrepõe ao baixo nos meus ouvidos ….

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    • Cara, como eu relatei na resposta ao Rolf acima. Não acho que é tão trivial entender o motivo do cara ter errado na música. Pra isso precisa mergulhar e pesquisar como a música se desenha musicalmente . Não é a oitava maravilha moderna, mas precisa sim ter uma certa base musical. Aqui concordamos.

      Se você não conseguiu perceber a diferença dos baixos, é por que você não está realmente conseguindo separar o instrumento do resto. Agora, precisa colocar num som decente. Não adianta colocar no viva voz do celular, as frequencias graves vâo sumir por ali, ninguém percebe mesmo. Não ouça os áudios dos vídeos, ouça a versão em áudio que eu preparei, ali eu aumentei os graves , editando.

      Eu posso até aumentar os graves da edição que fiz, mas acho que um bom aparelho com boa reprodução dos graves vai mostrar claramente o desastre. A versão do Rock in Rio parece uma versão “jazz”, rsrsrsrsrs

      Pra você ter uma ideia, o Flávio veio aqui em casa , estávamos conversando e eu, sem preparar nada, simplesmente botei a música pra tocar na tv , via YouTube.

      Não demorou 2 segundos, você precisava ver a cara dele…

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