Discografia Rush – Parte 9 – álbum: Permanent Waves – 1980

“…it’s really just a question of your honesty, yeah, your honesty…” Neil Peart, “The Spirit of Radio”.                                                               

Após a consolidação do sucesso de crítica e público, vendagens expressivas, shows concorridos, extensa turnê que varria os continentes europeu e americano, qual seria a próxima parada para o grupo canadense?

Ao mesmo tempo tidos como deuses do virtuosismo e aclamados pela crítica especializada, o grupo, sabiamente, começou a se sentir preso a um padrão de desenvolvimento artístico. Este padrão musical, que pode ser inicialmente pouco percebido, fez com que a banda já se sentisse um pouco refém e até confortável no que para todos era a arte pura. Geddy explicou, em 2018, para a revista Roling Stone o sentimento dos canadenses após lançar o álbum “Hemispheres”, em 1978:

“We were falling into these patterns of writing — the repetition of these thematic things that occur over a 20-minute span. They were starting to feel too comfortably organized in a way, like we weren’t thinking originally enough. That’s kind of a prog pattern. People associate prog-rock with a challenging style of music, and it certainly can be that. But if you’re starting to fall into past habits and develop a methodology that’s too comfortable, it’s not progressive. I think we started to feel that way by the time we finished that record.”(Estávamos caindo nesses padrões de escrita — a repetição dessas coisas temáticas que ocorrem em um espaço de 20 minutos. Elas estavam começando a parecer muito confortavelmente organizadas de uma forma, como se não estivéssemos pensando originalmente o suficiente. Esse é um tipo de padrão progressivo. As pessoas associam o rock progressivo a um estilo desafiador de música, e certamente pode ser isso. Mas se você está começando a cair em hábitos passados ​​e desenvolver uma metodologia que é muito confortável, não é progressivo. Acho que começamos a sentir assim quando terminamos aquele disco).

E realmente, ainda que para a imensa maioria dos fãs o material apresentado até aquele momento fosse sublime, o grupo se perguntava: o  fato deles terem se aventurado a todos os horizontes e fronteiras através de suítes conceituais baseadas em títulos audaciosos ( “2112”, as duas partes de “Cygnus X-1”, entre as mais evidentes) beirando ou mesmo ultrapassando os 20 minutos de duração ou mesmo peças de grande desenvolvimento instrumental ( “Xanadu”, “La Villa Strangiato”), não os teriam deixados perigosamente à margem de ser tornarem cópias de si mesmo? Além disso, como superar álbuns próximos da perfeição ao simplesmente tentar repetir a mesma fórmula? Por que não mudar um pouco, continuar se desafiando em manterem-se íntegros e honestos musicalmente e ao mesmo tempo evitarem o risco de se tornarem um clichê? A resposta ressoa em buscar o equilíbrio. Certo, a banda já tinha entregado excelentes aventuras musicais, das quais eles muito se orgulhavam. Talvez, no entanto, estivesse na hora de querer algo mais e ao mesmo tempo diferente. Então, em seu sétimo LP, “Permanent Waves”, o poderoso trio canadense conscientemente reduziu a duração das faixas, abraçou assuntos mais pessoais do ponto de vista lírico e conseguiu incorporar de forma elegante um pouco da sonoridade que a cena new-wave, recém-chegada, os influenciava.

O título do álbum é, apropriadamente, uma provocação à imprensa especializada de rock inglesa que à época era inclinada a descartar qualquer banda que estava por aí na semana passada e ir para o que está acontecendo esta semana. A new-wave estava à toda no fim da década de 70. Bandas como Talking Heads e The Police eram o “new” ” e começavam a influenciar até os dinossauros do rock progressivo como o King Crimson, Genesis e Yes, que também precisavam se adaptar à nova era para não cair no ostracismo. Como fazer algo permanente, então?  Como melhorar algo que já era tão especial?

“Hemispheres” foi um momento singular para o Rush. O sucesso do álbum, no entanto, não veio sem dificuldades. Assim, a primeira coisa a fazer era tentar não repetir os poucos erros que os fizeram sofrer tanto na feitura do sexto álbum. Inicialmente, eles decidiram tirar umas merecidas férias, um mês e meio distantes de tudo que os cercava profissionalmente.

A ideia de se manter em um local rural e isolado, como o Rockfield Studios, era bem-vinda. No entanto, durante o verão canadense, a banda preferiu estar mais perto de casa, instalando-se em uma casa em Lakewoods Farm, Flesherton, Ontario. O local situava-se a cerca de duas horas ao norte de suas residências, ainda em Ontario, deixando-os mais flexíveis para ver ou mesmo receber familiares e conhecidos, sem deixar de absorver o clima rural.

A banda montou seu equipamento no porão e procurou intencionalmente criar canções com cerca de 5 a 7 minutos. Diminuir o tamanho das faixas não significaria necessariamente diminuir a busca por grandes ideias e complexidades. A consequência destas escolhas levou a banda a avaliar o processo para fazer “Permanent Waves” como “chocantemente indolor”. As ideias surgiram muito rapidamente, o grupo relata de que “The Spirit of Radio” foi escrita em um piscar de olhos.  O grupo lembra-se de ter desenvolvido as ideias de todo o lado A de “Permanent Waves” durante os soundchecks da turnê de Hemispheres. A última música que tinha sido rascunhada antes em tour foi “Xanadu”, mas de fato eles encerraram uma turnê com praticamente metade de um álbum idealizado. O período de pré-produção de “Permanent Waves” os fez livrarem-se também das dificuldades com os tons altos das músicas que complicaram a execução dos vocais de “Hemispheres”. Eles só seguiram para as gravações depois de terem criteriosamente definido os tons e ensaiarem até que estivessem totalmente confortáveis para tocar todo o material.

“We were very well-rehearsed and well prepared. The songs were there” Disse Geddy, em uma entrevista para a Classic Rock. “We’d had really good writing sessions tucked away in that cottage. I have very strong memories of writing “(The) Spirit Of Radio” and songs like that there, the two of us in the living room, hammering away at our acoustic guitars, and Neil appearing intermittently with his sheets of lyrics.” (Estávamos muito bem ensaiados e mais bem preparados. As músicas estavam lá. Tínhamos tido ótimas sessões de composição escondidas naquele chalé. Tenho memórias muito fortes de escrever “The Spirit Of Radio”, entre outras músicas, nós dois lá na sala de estar, tocando nossos violões, e Neil aparecendo intermitentemente com suas letras).

We’d write all day,” disse Lifeson, “and record our ideas on a cassette player while Neil worked on lyrics in his room. After dinner we would get together in the basement, with Neil’s drums taking up most of the space, and we would work on the arrangements as a band. Although [producer] Terry Brown didn’t move in with us, he did join us from time to time as the arrangements began to blossom. (Escrevíamos o dia inteiro, e gravávamos nossas ideias em um toca-fitas enquanto Neil trabalhava nas letras em seu quarto. Depois do jantar, nos reuníamos no porão, com a bateria de Neil ocupando a maior parte do espaço, e trabalhávamos nos arranjos como uma banda. Embora [o produtor] Terry Brown não tenha se mudado para nossa casa, ele se juntou a nós de vez em quando, conforme os arranjos começaram a florescer).

O grupo ainda seguiu para um pequeno estúdio em Toronto chamado Sound Kitchen, onde puderam gravar uma “demo” das músicas, para ouvir como elas realmente soavam. Esse período serviu também para organizar uma série de datas futuras, o grupo foi montando a apresentação no palco e polindo o material mais antigo.

O álbum também não teria um tema central, e mesmo o conceito da capa deveria ser algo mais amplo, o mais vagamente amarrado possível. Esse foi um período em que todos falavam sobre new-wave, a nova onda de pop e rock. De certa forma, o título do álbum é um comentário e um jogo de palavras. Há todas essas imagens de ondas diferentes na capa, e era sobre a permanência da música tradicional, que se desenvolve com as novas tendências. Uma curiosidade é ler os sobrenomes do grupo em placas que estão ao fundo, do lado direito, no alto.

A capa contém uma tomada de fundo do Galveston Seawall no Texas durante o furacão Carla em 1961, onde é sobreposta a modelo canadense Paula Turnbull ostentando um penteado permanente que parecia resistir a qualquer tempestade. A curiosidade é que Hugh Syme é o figurante que acena ao longe. Há algumas fotos que serviram de inspiração para a capa de “Permanent Waves”. Elas foram tiradas na passagem do furacão que é até hoje o terceiro maior desastre natural nos EUA, deixando 43 mortos.

O grupo se viu envolvido em uma polêmica com as páginas do Chicago Daily Tribune que em 1948 errou na previsão da eleição presidencial, afirmando que Truman, que foi eleito, teria sido derrotado por seu adversário, Dewey. As primeiras prensagens de “Permanent Waves” trazem a manchete de forma muito mais nítida que as demais, intencionalmente obscurecidas para evitar alguma ação legal por parte do jornal. O próprio Hugh Syme fez um vídeo por ocasião do quadragésimo aniversário do álbum, explicando um pouco do conceito.

As gravações se deram no Le Studio em Morin-Heights, no interior da região de esqui, uma hora ao norte de Montreal e com vista para a montanha Laurentian. O grupo se encantou com extrema facilidade com a estrutura do Le Studio, e ali gravaria vários álbuns na sequência dos anos. Ainda que não tão próximo quanto o Lakewood Farms, o Le Studio ficava a cerca de 5 horas de suas residências. Uma das presenças marcantes no estúdio era a Cocker Spainel de Terry Brown, chamada Daisy, e apelidada pela banda de “Ski Bane” por querer acompanhar Neil e Alex quando iam esquiar cross-country.  A sala principal do Le Studio apresenta uma parede inteira de vidro, com vista para uma vista espetacular do lago e das montanhas. Isso era o completo oposto à maioria dos estúdios, mais isolados.  No começo, eles trabalharam os sons individuais de cada instrumento. A sequência se deu com os três tocando a música, como normalmente fariam ao vivo, exceto que coisas como vocais, violões, guitarra solo, sintetizadores e percussão, que foram gravadas depois para uma melhor separação e mais controle sobre o equilíbrio e qualidade do som.

Na maioria dos dias, a luz do sol entrava pelas janelas do chão ao teto do estúdio, de frente para o lago, uma mudança bem-vinda da atmosfera de bunker da maioria dos estúdios de gravação. Mais importante, a sala de controle tinha um console Trident A-Range, que fornecia o som do tempo na Trident em Londres. Fazer “Permanent Waves” com aquele específico console de mesa do começo ao fim trouxe uma continuidade de som.  A localização isolada do Le Studio novamente os permitiu gravar ao ar livre, assim criaram um próprio efeito sonoro em “Natural Science” gravando Neil e Alex remando suavemente no lago. Alex recorda-se de que jogavam vôlei nos intervalos das gravações.  “Eram as pequenas coisas”, Lee relembra. “Estávamos mais conectados com nossas famílias — elas estavam a apenas algumas horas de distância, não do outro lado do oceano — e estávamos neste belo ambiente natural. A casa em que morávamos ficava a uma curta distância do estúdio, pela floresta todos os dias…”

Alex resolveu começar a usar modelos Stratocaster no estúdio, para determinadas partes de canções, assim utilizou, além de sua Gibson branca ES-355, um modelo da Pyramid Solid Body Custom e uma Fender Stratocaster preta. Os violões usados foram um Dove com afinação Nashville e um Gibson J-55, ambos de nylon. Alex também usou um violão com cordas de aço, da Gibson, modelo Howard Roberts. Ele tinha uma guitarra sintetizada Zetaphon à disposição, que não foi utilizada.  Novamente ele não utilizou os Marshalls em estúdio, preferindo Hiwatts ou mesmo um Mesa Boogie para o solo de Jacob’s Ladder.  A marca principal da sonoridade de Lifeson é novamente muito criada pelo chorus (desta vez utilizando aquele que junto do seu sucessor (CE-2) é considerado o “holy grail” dos pedais chorus: o primeiro modelo CE-1 da Boss), mas o guitarrista se baseia mais, neste sétimo álbum de estúdio, do Flanger da Electro-Harmonix, além de equalizadores e delays. 

Geddy continua utilizando prioritariamente o seu baixo Rickenbacker, mas há relatos não confirmados de que em algumas canções ele já teria utilizado o Fender preto modelo Jazz que levou para o Le Studio.  Os teclados seguem sendo incorporados pouco a pouco, desta vez ele, além do Oberheim em dois modelos (8 Voice sem Polyphonic e OB-1), começa a mexer com os sequenciadores da própria Oberheim (DS-1), da Roland (MC-8) e o modelo 5 da Prophet.

Neil Peart troca de marca de bateria, pela icônica Tama Superstar modelo Stained, uma espécie de cor de vinho mais escura. O baterista se manteria a partir deste momento com a Tama, estabelecendo uma parceria com a fabricante que duraria cerca de dez anos. Neil explicou para a Drum Magazine porque trocou da Slingerland para a Tama: “I recall that Slingerland was starting to falter around then in terms of parts and service, and also seemed to be ‘headless’ — for example, no one from the company ever contacted me personally about any kind of endorsement, or invited me to get involved with the product in any way. Their drums still sounded pretty good, but the hardware was antiquated and fragile, especially compared to the sturdy stands and mounts coming from the Japanese companies at the time. Tama made a good-sounding set of drums, and their people were very eager to please, so I decided to try them” (Lembro que a Slingerland estava começando a vacilar naquela época em termos de peças e serviços, e também parecia estar sem direção — por exemplo, nunca ninguém da empresa me contatou pessoalmente sobre qualquer tipo de endosso, ou me convidou para me envolver com o produto de qualquer forma. Suas baterias ainda soavam muito bem, mas o hardware era antiquado e frágil, especialmente comparado aos suportes e montagens resistentes que vinham das empresas japonesas na época. A Tama fez um conjunto de baterias com bom som, e seu pessoal estava muito ansioso para agradar, então decidi experimentá-los).

O próximo passo do Rush foi um algo novo, que modificou uma pouco a sequência álbum de estúdio – turnê: o grupo resolveu fazer uma espécie de warm-up da tour, marcando alguns shows no término da produção do álbum, e tocando algumas das canções novas.  O Rush seguiu para 18 datas nos EUA e Canadá em depois 2 datas na Inglaterra, pois na sequência eles iriam mixar o álbum no Trident Studios. Abaixo podemos ver uma entrevista com Geddy neste instante da carreira, material que está também no dvd bônus de R30, um capítulo que iremos cobrir mais à frente na discografia do trio.

As primeiras canções a serem finalizadas foram “The Spirit of Radio”, “Freewill” e “Jacob’s Ladder”. Sobre “The Spirit of Radio” Peart explicou que “Queríamos passar a ideia de uma estação de rádio tocando uma grande variedade de músicas Há trechos de reggae e um ou dois versos com uma sensação new wave…”… Os versos são padrões do Rush, sempre em frente…”. Ainda assim, olhando para o futuro e se aproximando das novas tendências, os três não abandonaram hard rock. Os refrões são muito eletrônicos, trazendo um sequenciador digital, mas há uma contagem em riff de guitarra. “Freewill” vem como uma composição magistral, uma das mais exaltadas e admiradas do Rush. Traz também uma das melhores letras de Neil Peart.  Seguindo, “Jacob’s Ladder” é o ponto que une o passado ao futuro da banda. Os sintetizadores se destacam, entrelaçados no que é uma expressão típica do exemplo supremo do “metal progressivo” da banda. A partir daí, duas canções se complementam. “Entre Nous e Different Strings” falam sobre a diferença entre as pessoas, as relações humanas. Curiosamente, com o mesmo enredo, mas escritas por mãos diferentes. Entre Nous traz letra de Peart (Acho que está na hora de percebermos/ Que os espaços / Dão margem / Para eu e você crescermos). Em “Diferent Strings”, Geddy Lee se aventura pela última vez escrevendo uma letra para o Rush (Tudo que realmente existe/ Somos nós dois/ E ambos sabemos porque progredimos). Por fim, mais um épico no melhor estilo Rush, a faixa do álbum que tomou mais tempo, “Natural Science”. Por um tempo pareceu que Peart estava trabalhando em algo baseado nas letras do romance medieval “Sir Gawain & The Green Knight”, mas por fim o baterista se ateve a assuntos mais contemporâneos, relacionado ao meio-ambiente. A canção, com poucos mais de 9 minutos, é composta por três partes – “Tide Pools”, “Hyperspace” e “Permanent Waves”, de onde saiu o título.

Letra Descartada de Sir Gawain and the Green Knight

Há também no material bônus do dvd R30, que é um dos capítulos que serão mais a frente cobertos nesta discografia, uma entrevista que contempla esse momento do grupo, ainda em estúdio, ao fim das gravações deste novo álbum, como você pode ver também aqui:

Ainda em 1979 o grupo teve sua primeira coletânea oficial lançada, em essência era uma versão européia da promo americana “Everything Your Listeners Ever Wanted To Hear By Rush But You Were Afraid To Play” de 1976, sob o nome de “Rush Through Time”, mas mudando duas canções do “Caress of Steel” por duas músicas do “A Farewell To Kings”. Este álbum seria relançado em 1981 pela perna alemã da Polygram Records, sem o conhecimento do grupo. O álbum traz um picture-disc no vinil e as seguintes canções:

“Fly by Night”

“Making Memories”

“Bastille Day”

“Something for Nothing”

“Cinderella Man”

“Anthem”

“2112 (Overture/Temples of Syrinx)”

“The Twilight Zone”

“Best I Can”

“Closer to the Heart”

“In the End”

 

Após o lançamento de “Permanent Waves”, o Rush montou uma exaustiva agenda – como de praxe – a qual consistia em cobrir boa parte da América do Norte de janeiro até o meio de maio. Uma turnê na Grã-Bretanha foi negociada para começar logo depois. Com o lançamento do álbum, em janeiro, os ingressos começaram a ser vendidos para shows pelo Canadá e Estados Unidos, a expectativa era de uma sequência muito bem-sucedida de shows, como veremos mais à frente.  

Ficha Técnica:

Alex Lifeson – Guitarras elétricas e acústicas de 6 e 12 cordas, sintetizador Taurus pedals
Neil Peart – bateria, percussão.
Geddy Lee – Baixo, sintetizadores Mini-moog e Oberheim polyphonic, OB-1, Moog Taurus Bass Pedal, sequenciadores, vocais.

Piano em Different Strings: Hugh Syme

Tambor de aço (Steel Drums): Erwig Chuapchuaduah

Obs: Inspiração e “treinamento vocal” por Daisy, a cadela.
Produzido por: Rush e Terry Brown

Engenheiro de som: Paul Northfield com assistência geral de Robbie Whelan

Gravado no: Le Studio, Morin Heights, Quebec em setembro e outubro de 1979.

Mixado no Trident Studios, Soho, Londres em novembro de 1979, por Terry Brown auxiliado por Geddy Lee e os assistentes Adam Moseley, Craig Miliner e Steve S. Hort.

Direção artística: Hugh Syme

Fotografia: Fin Costello, Deborah Samuel e Flip Schulke

Produção Executiva: Moon Records

Empresariamento: Ray Danniels e Vic Wilson, SRO Management Inc.,

©1980 Mercury Records
©1980 Anthem Entertainment

Notas adicionais do encarte:

Road manager, lighting director, and assistant to Mr. Shreve: Howard (Herns) Ungerleider
Stage manager: Michael (Lurch) Hirsh
Concert sound engineer: Ian (the Weez) Grandy
Stage right technician: Liam (Punjabi) Birt
Stage left technician: Skip (Slider) Gildersleeve
Centre stage technician: Larry (Shrav) Allen
Guitar and synthesizer maintenance: Tony (Jack Secret) Geranios
Electrical technician: Ted (Theo) McDonald
Stage Monitor mixer: Gred (Gordie) Connolly
Projectionist: Harry (Tex) Dilman
Personal Shreve: Sam (Shreve) Charters

Additional personnel

Hairdresser for the cover girl – Robert Gage

Cover girl (credited as “Ou La La”) – Paula Turnbull

Concert sound: National Sound and Electrosound (U.K.)
Concert lighting: See Factor International
Concert rigging: Bill Collins
All of the above was transported by the skilled hands of: Tom (Whitney) Whittaker, Pat (No. 9) Lines, Arthur (Mac) MacLear, Gene Guido, and Tim Lewis

Honourable mentions

Moe Kniffman, Nick Kotos, George (Ike) Guido, Bob (Puppy) Cross, John LeBlanc, Bill Churchman, Dave (Shreve 1) Donne, Fuzzy Frazer, Dave Burman, Helmut, Nick Prince, Graham (Wild Man) Hewitt, Sgt. Rock & Easy Co., Second City Television, Lakewoods Farm, The Sound Kitchen, Lefty, D.K.D., Steve Herns, Le Studio: Andre, Yael, Pam, Kim, Carole, and Roger, Andre & La Barratte, the Wines & Crew, FM & Crew, Wireless & Crew, The Maxoids, Marvin Gleicher, Brian Robertson, Jimmy Bain, Michael Schenker, the Projectors, Peter Mensch, the P.M., Bob (the Grove) Snelgrove, the inmates of the Great Fog, Gerry Griffin, Lee Scherer, and their families and friends at NASA, Henry Spencer and baby, Le Mont St. Michael, the Montcalm, vin-du-hairface, volleyball, Space Invaders (10p), euchre, Malibu Grand Prix, hockey–Steve Shutt and Larry Robinson, thanks for the sticks!, M*A*S*H, The Jack Secret Show, Rickey, Lucy, and Ethel, (Where’s Fred?), Neal and Larry at the Percussion Centre, all at Oak Manor, and all at Trident. Ho-Hoo!

We express our appreciation to the fine people and instruments of Gibson, Moog, Tama drums, Rickenbacker, and Sunn amplification.

Lado A

The Spirit of Radio (4:59)

Frewill (5:23)

Jacob’s Ladder (7:30)

Lado B

Entre Nous (4:37)

Different Strings (3:50)

Natural Science (9:18)

I. Tide Pools (2:23)

II. Hyperspace (2:47)

III. Permanent Waves (4:08)

Obs: Em maio de 2020 houve o lançamento da versão do quadragésimo aniversário do álbum, trazendo um apanhado de canções dos shows ao vivo na Inglaterra, por ocasião da turnê de divulgação de “Permanent Waves”, durante o ano de 1980. Apenas a versão de “Jacob’s Ladder” não foi retirada dos shows na Inglaterra. Este conteúdo musical da versão de aniversário estará no apêndice B desta discografia, que será publicado em breve.  A versão 40º aniversário de “Permanent Waves” se destaca prioritariamente pelo conteúdo das faixas ao vivo, além do exuberante material gráfico que a acompanha.

“Permanent Waves” foi um sucesso de público e crítica, desde o seu lançamento. Não somente o álbum, mas o single “The Spirit of Radio” levaram o Rush diretamente para as paradas americanas e europeias. O álbum atingiu o top five das três grandes publicações da época: Cashbox, Record World e principalmente a Billboard. Na Grã-Bretanha, ele chegou rapidamente ao terceiro lugar. A banda, a gravadora e os empresários ficaram atônitos com a maneira com que o single “The Spirit of Radio” explodiu mundialmente. Na verdade, pela primeira vez o Rush ganhava um genuíno e certificado hit mundial.

A imprensa especializada, em geral, foi só elogios ao sétimo álbum da banda. Malcom Dome, da Record Mirror, disse que Lee, Lifeson e Peart tinham uma dúzia de razões para abrir um champanhe e celebrar a nova década. John Gill sugeriu na Sounds que este era o álbum saudável e leve como nunca e com um olhar precisamente voltado para o futuro e tornava a posição definitiva de Neil Peart como letrista.  Steve Gett, da Melody Maker, afirmava que se o Rush continuasse com os “enormes contos sobre buracos negros no espaço”, poderiam atingir um ponto do qual não conseguiriam mais evoluir. Gett considerou que “Hemispheres” foi a etapa final de uma fase particular da banda e que “Permanent Waves” marcou o início de um novo tempo. O crítico Paul Du Noyer, da NME foi mais reticente, mas concorda que, mesmo que as limitações do gênero (?) o novo trabalho deve servir para o Rush consolidar a enorme popularidade, pois traz inegavelmente uma produção superior e é um hard rock poderoso e sofisticado. John Swenson da Creem escreveu que, depois de sete tentativas, o Rush finalmente conseguiu fazer um bom álbum. Já David Fricke, da Rolling Stone distribuiu elogios por todo lado e concluiu que o problema do Rush nunca foi a competência, lembrando que a banda está entre as melhores no seu gênero.

“Permanent Waves” foi lançado nos EUA em 14 de janeiro de 1980 e alcançou a 3ª posição no Canadá, além do Reino Unido e nº 4 nos EUA. Em dois meses, o álbum vendeu 500 mil cópias nos EUA, atingindo status de platina por lá em 9 de novembro de 1987. O álbum foi certificado como ouro pela Canadian Recording Industry Association, e em setembro de 1980 o Rush enviou o disco de ouro para Terry Fox, logo após ele ter que abandonar o evento que chamou da Maratona da esperança em 1980, percorrendo 5.373 quilômetros em 143 dias. Terry foi um atleta canadense, reconhecido pelas ações em prol da cura do câncer, tendo tido uma perna amputada por causas das complicações que teve com a doença. Na sequência, “Permanent Waves” atingiu o status de álbum de ouro na Inglaterra, para acabar também com a conquista do disco de platina no Canadá.

“The Spirit of Radio” foi lançado como single em fevereiro de 1980, alcançou a posição 13 na parada britânica de UK Singles Chart em março. Continua sendo seu maior sucesso no Reino Unido até hoje. Nos EUA, o single alcançou a posição 51 na Billboard Hot 100 em 1980 e a posição 22 no Canadá. Curiosamente o single não foi acompanhado por um videoclipe na época. O Rush apenas produziu algo oficial para a canção por ocasião do lançamento da versão do 40º aniversário do álbum

O segundo single do álbum foi “Entre Nous”, lançado em abril de 1980, mas a canção não obteve maior repercussão nas paradas e também não foi lançada através de videoclipe.

1 – “The Spirit of Radio” 

O álbum começa com um dos raros exemplos onde uma verdadeira pérola genial encontra ressonância na repercussão popular. “The Spirit of Radio” é uma única obra de arte, tanto do ponto de vista musical, mas também em igual proporção no que se refere a letra. A música se tornou provavelmente uma das três mais reconhecidas canções do grupo em todos os tempos (junto a “Closer To The Heart” e “Tom Sawyer”) e é uma das cinco músicas pelas quais o Rush foi introduzido no Hall da Fama dos Compositores Canadenses em 2010. As outras são também “Closer to the Heart” e “Tom Sawyer”, além de “Limelight” e “Subdivisions”.

A faixa que abre “Permanent Waves” traduz uma avaliação de para onde o rádio estava indo, onde ele tinha estado para onde parecia estar indo, uma daquelas músicas que parecem capturar um momento no tempo. No início dos anos 70, o rádio FM era um fórum livre para música. As rádios tinham DJs que tocavam coisas por uma hora. Eles só falavam sobre as músicas, não havia comerciais nem nada. De forma livre, era uma plataforma para expandir a música. As estratégias comerciais das rádios no fim dos anos 70 estavam se afastando desta liberdade.  E, ainda que a música soasse tão positiva, a mensagem precisava ser dada.

O começo da letra reforça as qualidades do espírito que Neil Peart gostaria sempre de ver nas rádios. Ela também estabelece rapidamente que o rádio não é apenas um companheiro – a friendly voice (voz amigável) – é uma forma de mágica que pode tornar seu dia inteiro melhor. Uma rádio que “toca aquela música que é tão evasiva, melhora seu humor matinal”.  No segundo verso, Peart escreve sobre outra coisa que pode tornar o rádio ainda melhor: o carro. “saia na estrada, pegue a estrada, há magia em seus dedos…” Os carros sempre foram um símbolo de liberdade, e quando trazemos o rádio, companheiro discreto, para nossos carros, estamos em ótima companhia. Até aqui as letras de Peart são uma homenagem à magia das ondas de rádio, tomando emprestado seu título do slogan da estação CFNY-FM de Toronto que foi a primeira estação a tocar uma música do Rush no ar.

No entanto, o conceito inicial do rádio estava dando a uma dura nova realidade – à programação mercenária e estereotipada da maioria das estações, com a música sendo a última das preocupações de qualquer um. Uma linha-chave nesta música vem quando Geddy Lee canta sobre salas de concerto que ecoam com “o som dos vendedores.” Neil Peart criou a frase depois de ouvir o discurso de palco de bandas com as quais o Rush faria turnês; essas bandas faziam o mesmo discurso noite após noite, frequentemente dizendo ao público que aquela ou essa cidade em particular era a melhor do mundo ou tinha os melhores fãs. Peart achou isso hipócrita e manipulador. Neil cita o Kiss como um grupo de “vendedores” que comercializa a banda como um estilo de vida (você pode até ser enterrado em um Kiss Kasket quando morrer). Ironicamente, o Rush abriu para o Kiss em uma série de shows em 1974 e as bandas se deram muito bem, mas estava claro que tinham ideias muito diferentes sobre como apresentar seu produto.

“…it’s really just a question of your honesty, yeah, your honesty…”

Uma questão de honestidade. Neil Peart não poupa duras palavras para traçar sua insatisfação com o propósito unicamente comercial das rádios em 1979. Algumas palavras são duras e muito pouco lisonjeiras. Com referências a “vendedores”, “prêmios brilhantes” e “compromissos infinitos”, Peart vocifera contra aquelas estratégias das rádios, lembrando que também todos do grupo são fãs de música tanto quanto músicos.

No último verso, Peart resolve utilizar parte da letra da icônica música “The Sound of SIlence”, de Simon & Garfunkel para, digamos, “adaptá-las” à sua crítica ao desmedido comercialismo do mundo musical. Das linhas originais: “… for the words of the prophets were written on the subway walls, and tenement halls… and echo with the sound of silence…” (pois as palavras dos profetas foram escritas nas paredes do metrô e nos corredores dos cortiços… e ecoam com o som do silêncio), Peart trocou as seguintes palavras: prophets para profits (lucros); subways por studios (estúdios); tenement por concert (shows) e silence por salesman (vendedores). O resultado final se transforma na conclusão crítica do baterista sobre a ganância do mundo musical: “…for the words of the profits were written on the studio wall, concert hall. And echoes with the sounds of salesmen…”  (para as palavras dos lucros escritas na parede do estúdio e na sala de concertos, ecoam com os sons dos vendedores). O baterista faz um brilhante jogo de palavras para concluir sua dura opinião.

E sim, foi realmente irônico que tal música tenha se tornado popular justamente onde? Nas rádios. O Rush nunca foi realmente uma banda de rádio. Mas, ironicamente, fazia sentido.

Se a letra é impecável, o que pensar da parte musical igualmente exuberante?  O arranjo é igualmente cheio de referências a poder ter a liberdade de passear por onde quiser. A faixa começa com aquele riff clássico repleto de flanger de Alex, que é uma síntese das ideias soltas do guitarrista que se transformam e muitas das vezes são a pólvora para começar uma canção. Geddy e Neil mostram o exato oposto, ao quebrá-lo em contraponto, por volta dos 5 segundos e começam a desenvolver uma série de convenções intricadas em perfeita sincronia apenas entre eles. Aos 17 segundos inicia-se o riff principal instrumental e por volta dos 34 segundos a banda passa a tocar a sequência de acordes que dão estrutura às estrofes.  1:30, volta o riff inicial de Alex, com uma sequência digital de glockenspiel.  Em 1:50, as estrofes retornam, mas a bateria de Neil traz uma condução intencionalmente diferente daquela inicial, algo mais direto, nada sutil. Em 2:07 Neil volta a trazer mais nuances em sua condução. Em 2:30 voltam o riff inicial e o glockenspiel. O loop digital no fundo do trecho que Lee canta “invisible airwaves crackle with life” é produzida com o sequenciador Oberheim OB-1. Este foi o primeiro sequenciador que Geddy incorporou ao som da banda. Não sei se podemos considerar necessariamente este trecho um refrão típico, mas é o mais próximo disto na música. Neste raro vídeo abaixo, em cerca de 2:40 é possível ver Geddy em uma passagem de som ajustando o sequenciador para o trecho da canção:

E justamente por causa do uso do sequenciador, Neil Peart experimentou pela primeira vez o uso do metrônomo para manter a música sempre no mesmo tempo. O baterista citaria mais à frente que: …“With a purist’s pride, I resisted using this electronic metronome for many years, although the pursuit of really good time has been a constant trial for me. It wasn’t until the sessions for “Permanent Waves” that I finally relented and agreed to give it a reluctant try.”…(Com orgulho de purista, resisti a usar esse metrônomo eletrônico por muitos anos, embora a busca por um tempo realmente bom tenha sido um teste constante para mim. Foi somente nas sessões de “Permanent Waves” que finalmente cedi e concordei em tentar com relutância). No entanto, Peart se viu à vontade com a ferramenta, conforme atestou: …”Imagine my surprise–I like it! It was much less difficult to work with than I had anticipated, because I could ignore it, except at crucial “pivot points” when one “click” would ensure accuracy. As another musician pointed out to me, “If you can’t hear the click track, you know your timing is right.” If you’re locked into the tempo, your good timekeeping covers up the sound of the click. The results are very satisfying.”… (Imagine minha surpresa — eu gostei! Foi muito menos difícil trabalhar com ele do que eu havia previsto, porque eu podia ignorá-lo, exceto em pontos de articulação cruciais, quando um clique garantiria a precisão. Como outro músico me disse, “Se você não consegue ouvir a faixa do clique, você sabe que seu tempo está certo.” Se você está preso ao tempo, sua boa cronometragem encobre o som do clique. Os resultados são muito satisfatórios).

É até irônico e interessante que uma das três mais conhecidas canções da banda, que tem como tema o rádio, parece não ter propriamente um refrão. Segue-se um trecho intermediário e com espaços para as viradas de bateria e baixo, por volta dos 2:53, o flanger usado por Lifeson torna-se mais evidente, numa passagem instrumental em compasso composto misturando time-signatures ímpares e pares (3 compassos em 7/4 e 1 em 4/4), que é uma das características mais emblemáticas da banda a partir de “Permanent Waves”. Retorna o trecho das estrofes, sem vocais, mas com um ótimo preenchimento com o Moog Taurus Bass Pedal, para novamente ser tocado o riff inicial, repetindo a bela frase/virada síncrona de Lee e Peart do final da convenção da introdução, porém dessa vez também acompanhada por Alex. Esse é um daqueles trechos que nos shows ao vivo que se seguiram podemos ver os fãs fazendo “air-drumming” na plateia. Ainda há tempo para novamente tocarem o riff principal da canção, para chegarmos ao trecho em reggae. Reggae? É, isso mesmo, em 3:50 a banda ataca um reggae com direito a uma percussão de marimbas que “saiu das praias” ao fundo. A opção por incluir um trecho no ritmo jamaicano também é consequência direta de novas bandas que os influenciavam, notoriamente o The Police. É a hora de Geddy cantar o trecho que nos leva ao fim da canção, o jogo de palavras com as letras originais de Simon & Garfunkel. Aos 4:20 chegamos ao trecho final da canção, um ótimo solo altamente dramático, recheado de wah-wah sob o riff principal. Ainda há tempo para um piano a lá Jerry Lee Lewis quase no fim da música, sendo a primeira vez que o Rush usou um timbre de piano em suas gravações, culminando no riff de guitarra da introdução para um final espetacular. “The Spirit of Radio” é um impressionante desfile entre vários estilos e nuances, tudo desenvolvido de forma a que a melodia cative o ouvinte, sem renunciar à impecável qualidade que o trio entrega, seja lá em qual trecho eles estiverem.  Eles conseguem em 5 minutos entregar uma complexidade acessível que pouquíssimas músicas, mesmo com duração bem maior, entregam, marcando a era dos “mini-épicos” que pontuarão a carreira futura da banda.

“2 – Freewill

Há muito o que decifrar em “Freewill”, desde seus temas profundos de humanismo e ilusão religiosa até musicalmente suas escolhas de time-signature complexas (a maior parte da canção se desenvolve em compasso compostos 7/4 e 6/4). A música, a despeito de sua complexidade, foi escrita nos três primeiros dias de ensaios na Lakewood Farms. O produto final é um autêntico desafio musical, com riffs que impressionam e podem encobrir a profundidade das palavras de Peart, por exemplo em “…If you choose not to decide, you still have made a choice…” (se você optar por não decidir, você ainda terá feito uma escolha). Sim, a letra da canção desmascara o que pode ser considerada uma boa ilusão em esconder-se e evitar uma escolha, mas optando em seguir desta forma, você ainda faz uma escolha que afeta o resultado da sua vida.

“Freewill” é comumente entendido como sendo uma defesa do ateísmo, explora o antigo debate entre destino e livre-arbítrio, pode realmente ser considerado uma canção de encorajamento. É um reforço em buscar sempre com coragem a melhor alternativa quando encontramos dificuldade, sempre haverá uma escolha em como responder.  

Já desde o início, a letra de Neil Peart destaca essas visões contrastantes do mundo. Alguns acreditam na predestinação (…”There are those who think that life has nothing left to chance…” (Há aqueles que pensam que a vida não deixou nada para o acaso)  considerando que nossa vida é guiada por forças invisíveis. Outros acreditam no poder da escolha, mesmo na ausência de decisão. O livre-arbítrio é a capacidade de fazer escolhas que não são determinadas por causas anteriores ou intervenção divina. Corre contra o determinismo, que na filosofia é entendido como a ideia de que todos os eventos, incluindo ações humanas, são determinados por eventos anteriores. Em filosofia, em contraposição, o libertarianismo ou existencialismo é a afirmação de que os humanos têm livre-arbítrio e que nossas escolhas não são determinadas por eventos anteriores. Outra corrente, a do compatibilismo ou determinismo suave, acredita que o livre-arbítrio e o determinismo podem coexistir.  O judaísmo (Geddy Lee se define como um “judeu ateu”) ensina que humanos são responsáveis ​​por suas ações, mas devem fazê-las seguindo os mandamentos de Deus. A letra é um reflexo direto da mentalidade de Peart, enfatizando o poder e a responsabilidade da escolha pessoal. É uma música que vai contra a ideia de destino predestinado ou destino imutável. Em vez disso, ela defende o potencial do indivíduo de moldar sua jornada. Neil Peart não se declarou claramente um ateu, mas por vezes questionou publicamente a existência de Deus. O baterista uma vez atestou que ..” “And I grew up, not religious, but in a religious background, going to Sunday school and taking religious education in school and so on”, ou seja que apesar de não se considerar um ser crente, viveu sua infância cercado dos preceitos religiosos na escola.

Recentemente, em seu livro My Effin’ Life, Geddy cita que hoje, se pudessem reescrever algo na letra de “Freewill”, teria ele tentado aprofundar acerca de algumas implicações éticas do livre-arbítrio. O baixista citou claramente que as suas ideias sofreram este amadurecimento após a época da pandemia criada pelo Covid-19. Lee afirma no livro que a vida não é tão “preto e branco”; há também as suas “áreas cinzentas”. A vida fica muito complicada se simplesmente escolhermos o livre-arbítrio, sem considerar qualquer implicação de uma opção estritamente pessoal. Praticar o livre-arbítrio não significa constituir uma permissão para agir sem consideração pelo bem-estar dos outros, para ignorar a ciência e para nos livrarmos da responsabilidade pelas consequências das nossas ações. Entre as implicações éticas, faz-se claro avaliar a responsabilidade moral e a infração aos sistemas legais e sustenta conceitos como culpa e punição.  

Perto do final da letra, a banda toca na própria natureza humana, com versos como “…Each of us, a cell of awareness, imperfect and incomplete…” (Cada um de nós, uma célula de consciência, imperfeita e incompleta).  Peart sugere que o ser humano deve aceitar as imperfeições, valorizando a capacidade de escolher, mas também de rever seus conceitos. Geddy disse que este trecho no final da música está na parte mais alta de seu alcance vocal em toda a sua carreira na banda.   

Se a letra é complexa, os pouco mais de 5 minutos do arranjo não deixam por menos musicalmente. O tempo intricado, que é tão segura e naturalmente tocado pela banda,  já surge logo após a curta frase de introdução da canção e mantém-se mesmo com Geddy cantando a primeira estrofe. Aqui está o que pode ser considerado um dos três riffs realmente marcantes e audaciosos do álbum, que além de exigirem uma técnica de execução, ainda trabalham com os tempos intricados. O riff da estrofe de “Freewill” é feito com o vocal utilizando-se da mesma melodia.   Em 0:39 surge a ponte para o refrão, em um tradicional 4/4. O poderoso refrão surge próximo ao primeiro minuto, voltando a lidar com complexidade rítmica.  A estrutura inicial repete-se a partir de 1:40 e segue-se até o fim do segundo refrão, quando uma passagem entrega a banda livre para um trecho instrumental que está entre os mais impressionantes da carreira do Rush, pouco antes do terceiro minuto. O baixo de Lee é de um virtuosismo ímpar, conduzido por uma técnica incrível de Peart. O solo de Lifeson é um dos mais rápidos e poderosos da sua carreira.Ou seja, aqui temos mais um exemplo onde a banda toda “sola” ao mesmo tempo. Em 4:00 a banda toca instrumentalmente o trecho da estrofe, para entregar os vocais agudíssimos de Geddy na ponte que nos leva ao refrão final, com as viradas crescentes e sensacionais de Peart.

3 – “Jacobs Ladder

A terceira canção do Lado A é a favorita dos autores deste post. A diferença única é que eu, Alexandre, considero-o a melhor do álbum. Já para mim, Abilio, esta é minha favorita de toda a discografia da banda por ter todos os elementos que fazem o Rush ser Rush. É este também o principal momento que nos remete particularmente dentro desta primeira metade do álbum ao que a banda vinha desenvolvendo nos discos anteriores, não só musicalmente, mas também trazendo uma letra mais fantasiosa. É sem dúvida uma volta aos trechos mais viajantes e desenvolvidos em canções como “The Trees” ou “Xanadu”, onde o instrumental é o protagonista da canção, tendo a letra como pano de fundo.

O título bíblico descreve um sonho em que um “raio de luz” desce dos céus como escadas, traçando paralelos com a história bíblica de Jacó vendo uma escada para o céu em seu sonho. “Jacob’s Ladder” é uma referência do Antigo Testamento da Bíblia, Gênesis 28:10-22. Jacó tem um sonho sobre uma escada apoiada na terra com seu topo alcançando o céu, e os anjos de Deus subindo e descendo por ela.

O objetivo principal do título e das letras é principalmente desenvolver um exercício de uma trilha sonora cinematográfica. A banda construiu a música em torno dessa imagem (“um céu nublado surgindo e então, de repente, esses raios de luz”), com Peart ajustando as letras para se adequarem ao clima temático. A faixa inicia-se dramática e a introdução com os ritmos de marcha ameaçadores em 5/4 e 6/4 sob um trecho em dedilhados da guitarra de Alex se transformam a algo ainda mais marcial, tendo apenas os sintetizadores para sublinhar a melodia dos vocais de Geddy, que flutua em uma complexa harmonia em 4/4 por sobre o compasso composto executado pelo guitarrista e baterista. Em 1:16 a música se transforma em um trecho que emenda uma linha melódica de guitarra ao solo calcado de blues de Lifeson. O guitarrista citou na ocasião que pela primeira vez usou o amplificador Mesa Boogie para buscar uma sonoridade mais “parruda”, pesada caprichada nos graves neste solo cheio de bends dramaticamente lentos e precisos. A linha melódica nas guitarras retorna para mais um trecho instrumental que é acrescentado dos teclados de Lee, a partir de 2:48.   Em 3:38 a música praticamente se interrompe, anunciando uma mudança. Neste trecho há apenas a percussão delicada de Peart e os teclados de Lee.

Geddy, em uma frase com o vocal em uníssono com o teclado, anuncia que as nuvens se foram e o céu está brilhante. Em 4:54 Alex começa a que pode ser considerado facilmente o melhor riff do álbum,em compasso composto em 6/8 e 7/8, o segundo entre aqueles que citamos acima, em “Freewill”, tendo a mesma melodia dos teclados no fundo e Peart exercendo toda a sua criatividade entre levadas rítmicas em constante mutação e viradas de bateria incríveis, no trecho mais progressivo do álbum. Em 6:38 o trio se une para tocar uma série impecavelmente sincronizada em sequências duplas, triplas, simples, mesmo quádruplas, sêxtuplas, do mesmo acorde. O trecho prepara a canção para o seu final apoteótico com letra enigmática, que pode ter diversas interpretações, nos levando a algo que ilumina definitivamente os céus e traz um momento de esclarecimento.

Isso pode livremente significar que mesmo nos momentos mais sombrios, sempre há um vislumbre de esperança, porém Neil Peart em dezembro de 1985 atestou que as letras simplesmente significam o fenômeno do sol rompendo as nuvens em raios visíveis, como às vezes acontece depois de uma chuva ou em um dia nublado.  “Jacob’s Ladder” termina com maestria um dos melhores lados de um álbum, senão o melhor, em toda a carreira do grupo.

4 – “Entre Nous

O tema central da letra da música gira em torno da ideia de que, apesar de nossos laços mais próximos, continuamos enigmáticos uns para os outros, como segredos esperando para serem descobertos. Os versos de abertura, “…We are secrets to each other, Each one’s life a novel, No-one else has read…”, transmitem a noção de que cada indivíduo carrega um rico mundo interior que muitas vezes está escondido até mesmo dos entes queridos mais próximos. A ideia de ser “ilhas um para o outro” simboliza a independência e a separação que os indivíduos mantêm dentro de um relacionamento. 

O título de “Entre Nous” (entre nós, em francês) surgiu inspirado pelo livro The Fountainhead de uma das autoras preferidas de Peart, Ayn Rand, que trata das dificuldades de um arquiteto em viver sob os padrões ditados da sociedade, buscando o individual acima do coletivo. Peart refletiu sobre o tema ao manter durante os shows contato visual com pessoas na plateia, refletindo que por trás daquele fã ou apreciador da música do Rush havia um ser único, com suas histórias e sua individualidade.

A frase recorrente “Just between us” no refrão, enfatiza a importância de reconhecer e abordar as diferenças e espaços que existem dentro de um relacionamento. Ela destaca uma reflexão sobre a natureza enigmática da conexão humana, a necessidade de comunicação honesta e autoconsciência para nutrir o crescimento e a compreensão entre duas pessoas.

A música estabelece com um dos mais firmes propósitos do grupo em trazer canções mais concisas e palatáveis no decorrer da sua carreira. Ainda assim, em seus pouco mais de 4 minutos há espaço para os sintetizadores do Moog de Lee no início da canção, bem como ótimas viradas da bateria de Neil. A canção segue trazendo duas estrofes, que tem uma harmonia muito interessante com baixos invertidos, para em 1:15 os violões de Alex trazerem um aspecto mais leve para o refrão. As estrofes retornam em 1:50, mas aqui Alex prefere trazer os acordes dedilhados, ao invés de simplesmente fazer a marcação com os acordes, como no início da canção. Novamente a canção segue para os refrões. Em 2:40 o grupo toca novamente o início da canção para na sequência trazer um trecho onde a guitarra de Lifeson serve de patamar para ótimas viradas de Geddy e Peart. “Entre Nous” era, naquele momento, uma das poucas canções da carreira do Rush que não trazia um solo do guitarrista. Após o pequeno trecho instrumental, novamente a banda toca uma estrofe e um refrão para encerrar a faixa que abre o segundo lado do álbum. Ainda que consideremos “Entre Nous” a faixa “não tão boa” do álbum, com certeza ela teria espaço em quase todos os álbuns da banda e foi tocada nos shows dos anos 2000 da banda.

5 – “Different Strings

“Different Strings” é a linda balada do álbum, e uma das raras canções cuja letra não é de Neil Peart, mas de Geddy Lee.  Assim como “Entre Nous”, a música traz aspectos sobre a dificuldade de convivência entre pessoas com opiniões diferentes. Aqui está também a única canção do álbum que nunca foi tocada ao vivo. É também a última contribuição como letrista de Lee. E ao contrário do que possa parecer, a intenção original do baixista não foi de fazer uma canção de amor. A ideia principal da música era mostrar as diferenças entre os três integrantes do Rush, uma resposta emocional uma sobre como eles tinham junto essa capacidade de polarizar tantas pessoas através da arte, mesmo tendo suas individualidades e modos de viver únicos.

A delicada canção é a menor do álbum, com pouco menos de 4 minutos de duração. O início traz um dedilhado que acompanha o vocal de Lee, com as cordas mí e sí sempre abertas, Muito bem-vindas são as notas proferidas pelo piano do convidado Hugh Syme, a partir do 0:52. O piano traz ainda mais delicadeza à canção. Em 1:23 a bateria de Peart se junta a canção pontuando os harmônicos que Geddy Lee faz em seu baixo. Em 2:19 o baixista aproveita uma pequena pausa para pouco a pouco ir imprimindo mais variedade nas notas do baixo. Antes do último refrão, em 2:31, o baixo já está muito presente, e Peart também aumenta seu repertório, com viradas recheadas de rufadas na caixa. A partir de 3:08 o riff que vai fazer a base para um solo de Lifeson traz de forma mais predominante os harmônicos do baixo de Geddy. O solo, no nosso entendimento, poderia ser mais desenvolvido, pois poucas notas depois dele começar, a música já segue para um fade-out.

6 – “Natural Science”

A letra inicialmente seria desenvolvida a partir de Sir Gawain and the Green Knight, um romance de cavalaria do final do século XIV. A ideia foi descartada logo depois de trabalhada por Peart. O tema passou a fazer uma referência da relação do ser humano com a ciência e a natureza, mas Peart lembrou-se que precisou de vários dias para buscar novas inspirações para a letra. A relação original entre os homens e a natureza mostrava que a humanidade precisava dominar e fazer uso de tudo que a natureza produzia, o que acabou por promover a destruição do meio-ambiente. A mesma coisa com a ciência, onde as pessoas precisam de muito mais consciência para entender o que é e que é nossa culpa deixar algo sair do controle.

Musicalmente, “Natural Science”, atesta Alex, é um dos maiores desafios de tocar ao vivo.  Foi a música que mais demorou a ficar pronta e a única que saiu das primeiras sessões de composições em Lakewoods Farms de forma incompleta. Há muita execução intrincada e difícil nele. A faixa também é dividida em três partes, remetendo a estrutura de canções como “Cygnus X-1 Book 1” ou “The Necromancer”, como veremos a seguir:

“Tide Pools”

A seção de abertura tranquila e do pequeno primeiro trecho chamado “Tide Pools” apresenta um ambiente específico: Peart e Lifeson remaram no lago privado do estúdio para captar os efeitos das oscilações da água, e eles gravaram eco natural da montanha para o violão e vocal. Desde o começo, além do som de água produzido no lago, há apenas Alex tocando e Geddy cantando as duas primeiras estrofes da canção. Em 1:58, Neil e Geddy se juntam ao segundo trecho da canção para que o baixista cante a terceira estrofe. Este trecho destoa dos primeiros por ser já um trecho onde a parte acústica abre espaço para a banda soar como habitualmente faz, com viradas de bateria e um baixo bem pronunciado. A guitarra aos poucos se enche de drive, fazendo a música crescer.

“Hysperspace”

A segunda parte da canção emenda rapidamente com a terceira estrofe da música, saindo de “Tide Pools” com um efeito especial digno de uma nave alcançando o hiperespaço em um filme de ficção científica para um riff enérgico em compasso 7/8 que foi a inspiração de muitas bandas do rock progressivo. Está aqui o terceiro riff que resolvemos destacar entre os momentos icônicos deste álbum. Várias bandas, entre elas o Dream Theater, adaptaram este riff em suas canções, como podemos perceber abaixo.

O trecho, que também é cantado com um interessante pré-delay e efeitos robóticos permeando o vocal, se reveza com a outra passagem instrumental, a partir de 2:56, onde o baixo de Lee se destaca. Mais uma estrofe é cantada a partir de 3:31, sob o riff principal da canção. Em 3:53, Peart entrega uma virada de bateria estonteante, volta a parte instrumental com linhas sensacionais de baixo para um ótimo solo de Alex, que se inicia muito melódico para culminar num trecho bastante veloz. O baixo de Geddy continua bem marcante fazendo a base do solo, que também tem ótimas viradas de bateria de Peart. Em 4:40 o grupo repete o trecho instrumental que é o final do trecho de “Tide Pools”.

“Permanent Waves”

A partir de 5:20 a música segue para o trecho final, que dá nome ao álbum, com nova base harmônica que é pontuada pelo sintetizador de Geddy Lee. É neste trecho que o baixista canta quase todas as demais partes da canção.  Em 6:30 Alex entrega um solo mais caótico, explorando harmônicos, ligados e com bom uso de velocidade. Em 7:19, a banda antecipa o trecho final com paradas de bateria, mas volta para um novo trecho cantado. A partir de 8:15, Peart usa e abusa de seus toms para viradas nada econômicas, com uma precisão e rapidez que pouquíssimos conseguem fazer no instrumento. O último minuto da canção é quase inteiramente a reprodução das águas do lago onde o estúdio se situa.

“Natural Science” retoma também, como “Jacob’s Ladder”, um pouco do aspecto musical de álbuns anteriores, em especial o “Hemispheres”. Esse mini-épico, com mais de 9 minutos, se desenvolve buscando estruturas mais próximas do rock progressivo, com a maestria que os canadenses, àquela altura do campeonato, eram capazes de fazer. Muitos a consideram a faixa derradeira do grupo no estilo mais progressivo, já que a partir dos próximos álbuns o grupo buscaria criar canções com menor duração.

O sétimo álbum de estúdio do Rush é um retrato da maturidade de Neil, Geddy e Alex como compositores, letristas e virtuosos músicos. A opção por mudar as estruturas das canções para um formato mais enxuto, que de forma alguma é menos virtuoso, trouxe novos fãs para a banda, sem perder os antigos. Nota-se que as melodias vocais foram cuidadosamente elaboradas para não ultrapassarem os limites vocais de Geddy, evitando os problemas enfrentados durante as gravações e apresentações ao vivo do material de “Hemispheres” e garantindo a longevidade do material nos futuros shows ao vivo. A qualidade das 6 canções que estão em “Permanent Waves” impressiona , assim como a alta qualidade da gravação e mixagem, aonde todos os instrumentos e vocais soam de forma definida e cristalina. O lado A, precisamos ressaltar, está no patamar máximo dentro da discografia da banda. E ainda que “Entre Nous” e “Different Strings” estejam ligeiramente abaixo das demais, são faixas muito consistentes que indicam que a banda está se inclinando para uma vertente mais melódica, harmônica e pop, porém mantendo o virtuosismo e o hard rock característico. A balada de Geddy Lee, com o arranjo trazendo o piano de Hugh Syme, é muito bonita.  As letras de Neil Peart também mudaram o foco e se tornaram ainda melhores.  Há frases, especialmente em “The Spirit of Radio” e “Freewill”, que deixariam qualquer dos integrantes da academia de letras feliz de ter sido o autor. O tema de “The Spirit of Radio” é um “tapa na cara“ no oportunismo dentro do mundo musical. No entanto, é em “Freewill” que está a frase mais genial: “If you choose not to decide, You still have made a choice”.  “Jacob’s Ladder” e “Natural Science” ainda mostram a transição do grupo, neste caminho por entregar faixas menores na discografia. Mais do que a transição, ambas as faixas mostram que os canadenses tinham chegado no ápice desta antiga estrutura, mais progressiva, que estavam pouco a pouco abrindo mão. “Jacob’s Ladder” eu, Alexandre, considero estar entre as minhas 5 faixas favoritas da banda e eu, Abilio, considero como a número 1. “Permanent Waves” não deve a qualquer álbum do Rush e se coloca com facilidade entre as obras-primas do gênero. Eu, Alexandre, considero este o melhor e o meu álbum favorito de estúdio do Rush entre todos da sua carreira. Eu, Abilio, posso afirmar que a dobradinha “Permanent Waves” e Moving Pictures” são os melhores trabalhos da banda, ambos se complementam, e acho difícil dizer qual dos dois é meu preferido.

Como antecipamos no início deste post, ainda antes de terem terminado todo o processo de gravação do álbum, em agosto de 1979 o grupo embarcou em uma espécie de turnê de aquecimento, inicialmente pelos EUA (além de dois shows no Canadá), para 18 shows, até a primeira quinzena de setembro. Ao fim de setembro, o grupo viaja para a Inglaterra para mais 2 datas, para depois acompanhar a mixagem final de “Permanent Waves”. Os shows de aquecimento já traziam as 2 faixas iniciais do sétimo álbum da banda no set-list. A repercussão das músicas novas foi tida como muito positiva, em especial nas datas inglesas. O set list era composto de 23 canções, entre elas 4 das 6 músicas de “Hemispheres”, as duas partes iniciais de “2112”, as famosas “Xanadu” e “Closer To The Heart”, entre as várias faixas dos três primeiros álbuns, como “Anthem”, “Bastille Day”, “Flight By Night”, “In The Mood” e “Working Man”. A banda mantém no repertório também “A Passage To Bangkok”, tocada no início dos shows. O set list desta parte da turnê, no segundo semestre de 1979, foi o seguinte:

Para a estrada o equipamento levado pela banda incorporava novos instrumentos, Geddy Lee, por exemplo, levou 6 baixos, sendo o Rickenbacker 4001 o seu principal instrumento, tendo um reserva idêntico, além de um Rickenbacker 4002, um Fender Precision modificado, um Fender Jazz Bass e o doubleneck que usava desde “A Farewell To Kings” Tour.  Os baixos quase não usavam efeito, um Roland Echo era o mais comum para uso do baixista. No braço de 12 cordas do doubleneck, Lee manteve o Roland CE-1 Chorus. Para os teclados, além do Moog Mini e dos Oberheim 8 Voice e OB-1, Geddy trouxe pela primeira vez um sequenciador, também da Oberheim.  O Moog Taurus Bass Pedal que usava com os pés tinha interface com o Oberhein 8 Voice. Não há registro de qualquer acréscimo por Alex Lifeson em relação ao equipamento utilizado no Le Studio, porém o que há de fato é o começo de uma mudança do guitarrista dos modelos 335 e 355 para os modelos “Stratos”, como veremos no próximo capítulo da discografia. Neil Peart manteve todo o arsenal percussivo nos palcos e levou a Tama Superstar Stained como novidade para os shows a partir de 1979.

Os relatos da turnê principal, que começou no dia 17 de janeiro, para quatro datas no Canadá, três dias após o lançamento oficial de “Permanent Waves”, são ainda mais impressionantes. A banda seguiu para os EUA, com sucesso absoluto. Fizeram 4 shows em Nova Iorque, outros 4 em Chicago. Em apenas uma semana – mais precisamente do dia 13 ao dia 19 de fevereiro – o Rush conseguiu mais de meio milhão de dólares vendendo ingressos – 584.095 dólares, para ser exato – com as notáveis séries de 3 shows em St. Louis (de onde viria a gravação da faixa “Jacob’s Ladder” no bônus-disc da edição do 40º aniversário) e em Detroit, conseguindo mais de 200.000 e 250.000 dólares, respectivamente. Um incidente em Detroit quase estraga o sucesso da turnê. Os ingressos para o show do dia 17 de fevereiro começaram a ser vendidos no icônico Cobo Hall em Detroit no sábado, dia 12 de janeiro. Havia entre 1000 e 1500 jovens esperando na fila para comprar ingressos quando as bilheterias abriram às 8:30 da manhã – uma hora e meia antes da hora marcada. O gerente das bilheterias liberou as mesmas mais cedo por causa da multidão pois, alguns deles – de acordo com a polícia local – tinham esperado a noite inteira numa temperatura próxima de 0º C. Com oito policiais na vigia, a multidão arrombou as portas, quebrando os vidros em seis delas e também arrancando as persianas. Houve reforço policial e uso de violência entre eles para conter a confusão. Por sorte ou milagre, ninguém foi ferido gravemente, mas certamente vários fãs passaram por dificuldades em um cenário de terror. Os mais de 20 mil ingressos esgotaram-se como nunca antes na carreira do grupo.

Para a turnê principal, o grupo acrescentou e alterou algumas canções, fazendo um show com cerca de duas horas de duração. Percebe-se a opção da banda em abrir os shows da turnê principal com a versão completa de “2112”, o acréscimo de mais duas novas canções, justamente as mais intricadas (“Jacob’s Ladder” e “Natural Science”), a retirada de duas das partes de “Cygnus x-1 Book II: The Voyage” e opção por emendar “Closer To The Heart” com “Beneath Between & Behind”, conforme abaixo:

Alex Lifeson afirmou que a turnê do “Permanent Waves” foi a primeira na qual a banda realmente lucrou. De acordo com o empresário Ray Danniels, a banda começou a turnê com aproximadamente 300 mil dólares em dívidas e, realmente, pela primeira vez na carreira, estavam totalmente no lucro após o fim dos shows. Danniels afirmava que o Rush já poderia ter conseguido muito mais dinheiro e muito mais cedo, mas o grupo insistia em tocar em lugares pequenos, em apresentações pouco lucrativas. Ao mesmo tempo que o grupo sofreu financeiramente com esta estratégia, as cidades pequenas foram formando uma “fan base” também muito fiel ao grupo.

O grupo seguiu para a Europa no mês de junho, porém concentrou os shows apenas na Grâ-Bretanha, por mais quase 20 datas, sendo 5 delas em noites seguidas no Hammersmith Odeon de Londres. Quando a turnê foi anunciada, a procura por ingressos já era recorde. Geddy se lembra de que em breve iria ser pai, mas estava envolvido naquele fim de agenda de quase 120 shows. São esses shows na Grã-Bretanha que compõem o material ao vivo disponível no disco bônus da versão do 40º aniversário do álbum, que será trazida em breve no Apêndice B da discografia.

A banda, já ao encerrar o quinto mês dos shows na América do Norte, pensava que era hora de mais um lançamento de um novo álbum ao vivo, porém veremos que a ideia foi postergada.  No fim da turnê, que acrescentou 98 shows aos 20 que fizeram durante o aquecimento da “Permanent Waves” Tour, até foi anunciado a intenção deste novo lançamento ao vivo, mas o grupo percebeu que o material que estavam desenvolvendo nas passagens de som era sólido e interessante o suficiente para uma nova aventura e um novo álbum de estúdio.

Neil ainda mantinha suas opiniões abertas com relação ao fato do próximo álbum ser ao vivo ou de estúdio, o baterista de fato tinha dúvidas. A ideia original era fazer 4 álbuns de estúdio para emendar em 1 ao vivo, mas já havia dentro daqueles que tomavam as decisões uma proposta de aproveitar o momento para adiantar o álbum ao vivo. Mal sabia ele, Neil Peart, que escolher por um novo álbum de estúdio provaria ter sido a melhor decisão.

Em “A Farewell To Kings” e “Hemispheres” o Rush passou de banda promissora para a atração principal de qualquer data. “Permanent Waves”, além de mantê-los no patamar, corrigiu alguns pontos que seriam fundamentais para o restante da carreira. O grupo aprendeu muito sobre composição, tanto no aspecto musical quanto nas letras, tendo atingido um nível ainda mais surpreendente do que vinha mostrando. Além disso, encontrou o ambiente que desejava para gravar os próximos desafios, o Le Studio. A banda entendeu a importância da pré-produção, passando a encarar o período de gravação de uma forma bem mais leve e produtiva. E como se não bastasse, o reconhecimento os fez finalmente conseguir lucros com a turnê, abrindo caminho para o sucesso financeiro tanto nas vendagens dos álbuns quanto na venda dos ingressos. Eles pareciam realmente terem atingido o nirvana como banda. Fato que, por incrível que pareça, ainda iria acontecer. Os detalhes virão no próximo capítulo.

keep bloggin’

Abilio Abreu e Alexandre B-side



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2 respostas

  1. Interrompemos nossa fud*** vida fud*** para ler o capítulo de Permanent Waves! Eu tenho um carinho muito, mas muito grande por esse álbum, o que reafirma eu não ter postado em nenhum outro post da discografia do Rush, mas parar tudo o que estou fazendo para ler esse aqui.

    Eu entrei no Rush quando adolescente pelo Moving Pictures, porque tinha “a música do MacGayver – Profissão Perigo”. Terrível experiência. Aquilo tinha tudo que, na época, eu não tinha nenhuma maturidade musical para digerir. Muitos e muitos anos passaram para eu entrar no Progressivo pelo Pink Floyd e no Metal Progressivo pelo Dream Theater. Após mais de uma década deram no minha mão o Permanent Waves e eu até cheguei a comentar com os meus amigos na época que esses caras estavam “copiando o Dream Theater” (sou de cidade do interior e na época não existia internet – o que aprendíamos era na convivência).

    O Permanent Waves foi a porta de entrada para muito do que consumi do Rush em minha vida. Esse, o Roll the Bones e o Counterparts foram os álbuns que mais ouvi da banda, mas reconheço toda a genialidade deles nos álbuns anteriores que já passaram pela discografia.

    Eu não conhecia nada das informações que o B-Side minuciosamente descreve aqui. O porquê do título, as críticas por detrás das letras, as fotos reais dos incidentes que deram origem a capa, tudo muito interessante! Um nível de detalhe que realmente impressiona!

    Está no meu “to do” comprar a edição 30 comemorativa de aniversário do álbum, que teve um post já lançado e que, claro, eu estou atrasado!

    B-Side, esse nível de detalhe, se somado a todos os posts, poderia dar um livro! Estamos perdendo time to market! Parabéns! Eu ainda vou voltar nesse post e ver alguns vídeos que me faltaram … isso aqui tem que ser dessecado com calma, como picanha invertida com provolone na churrasqueira.

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  2. Kelsei, obrigado por comentar e que bom, temos também no Rush a igual preferência máxima pelo álbum (de estúdio, apenas – preciso ressaltar).

    Em relação aos detalhes, você tão bem fez isso na discografia Iron Maiden (a outra coincidência de preferência por álbum favorito), é necessário, pra trazer um justo material que seja condizente não só com essa incrível banda, mas também com esse incrivel blog, muita pesquisa, muita audição e (tenho certeza que você acredita nisso), tem valido cada segundo gasto (investido). Não dá pra publicar algo mais ou menos aqui, e além de tudo isso é um projeto do Abilio, que, por intermédio do Eduardo, voltou a participar ativamente, muito mais como um mentor que ele é ,uma autêntica referência quando o assunto é Rush.

    Ah, a edição comemorativa que está bônus… Se você não tem o original, vá nela. Não é um show completo, mas tem todas as 4 músicas tocadas na época do álbum, além de The Trees e uma parte de Cygnus Book 2 do Hemispheres, Closer To The Heart e Xanadu do A Farewell To Kings, e são esses os três discos que compoem o quarteto mágico com o Moving Pictures. Falta La Villa Strangiato, sempre falta alguma coisa, mas vale muito.

    Se o material todo da discografia cabe em um livro? Bom ou ruim, não há qualquer dúvida. Eu escrevo primeiro em um word, e depois brigo no wordpress, e posso atestar, os capítulos estão saindo com entre 30 e 40 páginas. Multiplique isso por 32. Muito louco….

    Espero sim que você volte para ler e ver o que faltou, eu recomendo de fato os dois trechos que separamos mostrando o Rush “copiando” o Dream Theater em Natural Science. E com a picanha invertida e provolone!

    Saudações

    Alexandre

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