Alguns trabalhos são considerados proscritos pelas próprias bandas que os gravaram, nem sempre por serem discos ruins, mas sim porque os músicos envolvidos por algum motivo simplesmente não os aceitaram na época em que foram concebidos originalmente e lançados.
Podemos citar, como exemplo, a formação que gravou Born Again do Black Sabbath, talvez poderia até ter rendido mais alguns frutos além daquele único registro. Hoje um disco cultuado por boa parte dos fãs de música pesada, inclusive por este que vos escreve, foi de certa forma rejeitado por Ian Gillan, em várias declarações após o termino da Born Again Tour (1983/1984), Gillan nunca escondeu que achava os caras do Sabbath muito legais, mas detestava as músicas da banda e que só se manteve no grupo até que a volta da Mark II do Deep Purple amadurecesse, além disso foi uma forma de pôr fim a sua banda solo, que amargava um grande prejuízo financeiro.
Algumas declarações de Glenn Hughes após sua conturbada dispensa da banda, também não foram muito diferentes, disse que “se sentia como um peixe fora da água” que o Sabbath “era muito pesado para o seu estilo”.
Até acredito, que depois de todos esses anos, tanto Gillan quanto Hughes possam ter mudado de opinião, talvez o Black Sabbath não fosse tão pesado assim e o que tenha faltado mesmo foi um pouco de empenho e boa vontade dos dois vocalistas, visto que depois de algum tempo voltaram a trabalhar em outros projetos com Tony Iommi.
Tudo isso aí em cima só para começar a falar de outro disco controverso: Another Perfect Day.
O ano era 1984, o Motörhead tinha acabado de reformular toda a formação, pela primeira e única vez, deixava de ser um power-trio para se tornar um quarteto e lançava a coletânea dupla No Remorse. Para apresentar a nova banda, o Motörhead gravou quatro músicas inéditas para inclui-las na mesma. Além do chefão Lemmy Kilmister, haviam entrado Pete Gill, baterista original do Saxon e que gravou com eles os quatro primeiros álbuns clássicos. Nas guitarras viriam Würzel e Phil Campbell, este último, anteriormente tinha gravado dois singles de 7” com um grupo que havia surgido na N.W.O.B.H.M. com algum destaque, o Persian Risk, que infelizmente não passou de uma promessa.
Em uma dessas entrevistas de divulgação do novo material, um jornalista querendo provocar Lemmy pergunta: “foi necessário convocar dois guitarristas para conseguir substituir Brian “Robbo” Robertson?”
Lemmy mostrando sua habitual “delicadeza de elefante” responde imediatamente: “para substituir Brian Robertson apenas meio guitarrista é suficiente!”
Para explicar melhor o que aconteceu no Another Perfect Day, vamos voltar um pouco mais no tempo… 1982, tour de promoção do Iron Fist, sexto LP do Motörhead, formação clássica: Lemmy Kilmister, Phil “Animal” Taylor e “Fast” Eddie Clarke, a relação entre os músicos já estava se desgastando há algum tempo, “Fast” já não escondia mais o descontentamento com os rumos da banda, o que finalmente culminaria com a sua saída. A versão oficial do Motörhead apenas dizia que ele resolveu “cair fora” no meio da turnê americana, por outro lado, o próprio Eddie Clarke afirma ter sido realmente demitido, culpando “Animal” Taylor por isso. Porém, na verdade, Lemmy apenas se encarregaria de consumar o que já estava decidido desde quando Eddie se recusou a gravar o single St. Valentine’s Day Massacre em conjunto com as meninas do Girlscool, em dezembro de 1980.
Como “Fast” E. Clarke já tinha um nome conceituado no cenário da música pesada, ele consegue juntar forças com o baixista Pete Way que tinha acabado de sair do U.F.O. e juntos formam o Fastway, que consegue um ótimo contrato com a C.B.S. Records. A gravadora, aproveitando o ótimo momento comercial que a música pesada atravessava, resolve investir pesado no recém formado grupo, contratando Eddie Kramer para produzir o álbum de estreia. Bem, mas essa já é outra história…
Retornando ao cerne da post, ainda em 1982, os dois músicos que sobraram, começam a procurar um novo guitarrista, porém não havia tempo hábil pois a tour estava em andamento, para o posto teriam que encontrar um guitarrista experiente o suficiente que pudesse aprender as músicas muito rápido e “entregar” no palco, realmente não era uma tarefa fácil. Porém, Phil Taylor tem a ideia de ligar para Brian Robertson, pois achava que o músico era o nome certo para “segurar o rojão”, afinal de contas, o guitarrista havia feito fama na década de 70 com o Thin Lizzy e nessa época estava tentando, sem sucesso, levantar a sua banda Wild Horses.

Brian David “Robbo” Robertson nasceu na Escócia e com apenas 17 anos, sabendo que o Thin Lizzy estava fazendo audições para substituir Eric Bell, seu guitarrista original, Brian invade o quarto de hotel em que o líder do Lizzy, Phil Lynott, estava hospedado. Empunhando uma guitarra, simplesmente senta na cama e começa a mostrar algumas composições próprias para Lynott. O baixista/vocalista, impressionado com o enorme talento do garoto, resolve contratá-lo imediatamente.
Era junho de 1974 e o Thin Lizzy já tinha entrado em estúdio para a gravação do próximo álbum que se chamaria Nightlife, quem estava “quebrando um galho” temporariamente como guitarrista gravando as demo-tapes era um velho amigo de Lynott, chamado Gary Moore. As gravações vão até setembro e dois meses depois era lançado o LP pela Vertigo.
Com o Thin Lizzy, “Robbo” grava cinco discos de estúdio entre 1974 e 1977, além de um álbum ao vivo, até a sua demissão no início de 1978. Para grande parte dos fãs da banda, o guitarrista fez parte da fase de ouro do Lizzy. Mas essa é outra história…
Voltando ao Motörhead, Brian Robertson, primeiramente é contratado para salvar o restante da tour americana, mas logo depois, devido as ótimas performances nos shows, é finalmente efetivado como membro oficial do Motörhead, porem acredito que Lemmy não tenha avaliado muito bem os riscos de ter “Robbo” no grupo. Brian era um músico excelente, gravou e ajudou a compor discos fantásticos do Thin Lizzy, sendo membro fundamental da formação clássica da banda, mas por outro lado, sempre foi aquele típico guitarrista problema! Para você que lê este post ter uma certa ideia de como ele era um músico excessivamente temperamental, os integrantes do Thin Lizzy chegaram ao ponto de (literalmente) deixá-lo de “castigo”. No disco Bad Reputation os caras resolveram não o incluir nas fotos que ilustram a capa e contracapa do álbum, pois o guitarrista quase não aparecia no estúdio para trabalhar. Em relação a este episódio de retirá-lo capa do disco, o empresário da banda na época, temendo algo pior, chegou a questionar Phil Lynott: “e se o Brian, resolver sair da banda?”, então Lynott responde: “se ele sair, nós chamamos o Gary Moore para o lugar dele”. E foi justamente isso que aconteceu algum tempo depois do lançamento do clássico ao vivo “Live and Dangerous”.

Em fevereiro de 1983, após Brian Robertson ser efetivado no Motörhead e com algum material composto, o grupo entra no Olympic & Eel Pie Studios em Londres para a gravação de Another Perfect Day. Para a produção chamariam Tony Platt, que na época era um nome em ascensão, tinha sido engenheiro de som no Highway to Hell e Back in Black do AC/DC e como produtor já havia trabalhado com o Samson, Iron Maiden, Trust e Krokus.
O álbum é lançado em 4 de junho de 1983 pela Bronze Records, precedido em uma semana pelo single de 7” I Got Mine, que tem como lado B a música Turn You Round Again. Como resultado, com toda certeza, Another Perfect Day foi o disco mais técnico que o Motörhead já tinha lançado e o maior responsável por isso é mesmo o guitarrista! Inicialmente Lemmy gostou muito do disco, ao contrário do que ele sentenciaria por muitos e muitos anos, porém já no final da vida, Lemmy voltaria a admitir que esse era um excelente álbum e que Robertson era muito mais técnico que “Fast” Clarke, mas infelizmente não era o nome certo para o Motörhead.
Bom, vou parando por aqui… pois o post acabou ficando mais extenso do que esperava, mas em uma segunda parte tentarei apresentar mais sobre os lançamentos de Another Perfect Day e também um pouco da carreira do guitarrista renegado após ter saído do Motörhead.
Um abraço.
J.P.
Categorias:AC/DC, Artistas, Black Sabbath, Discografias, Iron Maiden, Motörhead, Saxon, Thin Lizzy, UFO
Grande JP, sempre uma aula de heavy metal aqui
Interessante esse aspecto mais técnico no som da banda. Mais uma ica que eu não conheço
Mande a segunda parte e esqueça que você esta se “delongando”
Mande mais
CurtirCurtir
Obrigado Rolf! A segunda parte esta quase pronta, é que estou esperando chegar um disco de uma banda que Robertson faz parte, eu gostaria de ouvir melhor para tirar algumas conclusões. Espero que não demore…
Quanto ao texto ficar longo demais, na verdade era pra ser uma parte só, mas foi indo e eu queria fazer um apanhado da carreira do guitarrista pós Motörhead que é meio obscura e confusa. Além é claro, de falar melhor sobre o Another Perfect Day e seu relançamento duplo.
Um grande abraço.
CurtirCurtir
Post fantástico do JP e escrito com a assinatura do Minuto HM.
Agora é conhecer melhor o álbum acompanhado deste post fantástico. Sobre o tema de não ser um power-trio e ser uma banda “tradicional”, é algo que realmente Lemmy abordava com certa cautela, afinal, a banda acabou por se identificar como trio.
O melhor de tudo é que teremos mais partes, e para elas, nos resta apenas conter a baba… e concordo com o Rolf, tamanho por aqui NUNCA foi problema – pelo contrário, como disse, posts como esse são o verdadeiro DNA do blog.
[ ] ‘ s,
Eduardo.
CurtirCurtir
Eduardo, primeiramente gostaria de agradecê-lo por arrumar o post!!! Na verdade, me atrapalhei um pouco (bastante) na hora de postar, principalmente com as fotos que ficaram meio fora de lugar e muito grandes, tentei diminui-las, mas acho que não fui bem sucedido na tarefa. Também não poderia deixar de te agradecer pela oportunidade de poder participar aqui no Minuto HM, pela força e atenção de sempre.
Um grande abraço.
CurtirCurtir
Post excelente!! Tamanho, quando a qualidade é essa, quanto maior, melhor. Vou então engrossar o coro dos que aguardando essa segunda parte.
Em relação ao Motorhead, taí uma banda que nunca me desceu, pelo vocal característico do Lemmy. Já ouvimos no podcast e nada…
Fica essa nova oportunidade. Comecei a ouvir o álbum sem maiores pretensões e já percebi um tom mais melódico nas intervenções de guitarra.
Vou comentar melhor na segunda parte então, nesse meio tempo vou preferir amadurecer as audições. Ainda que, confesso, não me pareça que vai avançar muito num gosto mais pessoal, a guitarra sem dúvida já se destaca em qualquer faixa pinçada.
Até a segunda parte, que seja maior que essa , melhor é dificil…
Alexandre
CurtirCurtir
Como é bom aprender com JP, e que aula aqui. Fiquei de cara interessado no album, considerado mais técnico, achei uma boa oportunidade para encontrar algo que me chamasse atenção. Porém o Ale foi certeiro, o vocal de Lemmy é um obstáculo a superar. Digamos que superando este aspecto, o álbum tende a ser apreciado. A música disponibilizada no link do post é bem interessante, e me pareceu bem melódica e bem diferente do Motorhead que conheci em Ace of Spades e Overkill. Lembrou bem o Saxon do inicio da carreira em vários momentos. Vamos a 2a parte!!!!
CurtirCurtir
Não acho que esse álbum seja diferente de tudo o que o Motorhead fez. Os riffs característicos da banda estavam lá, o que mudou foi que Robertson incrementou a música do Motorhead com bastante solos. E ele o fez ainda melhor que seus dois sucessores o saudoso Wurzel e Phil Campbell. Robertson sempre foi um guitarrista espetacular. Acho One Track Mind uma viagem sensacional do Motorhead!
CurtirCurtir
Passando apenas para dar as boas vindas ao Minuto HM. Continue participando por aqui.
[ ] ‘ s,
Eduardo.
CurtirCurtir
Primeiramente gostaria de agradecê-lo pala participação, realmente é muito interessante saber a opinião de outras pessoas sobre o referido álbum. Particularmente acho Brian Robertson o melhor guitarrista que passou pelo Motörhead, penso que a diferença seja mesmo a qualidade técnica de “Robbo” em comparação aos outros guitarristas que passaram pela banda e isso acabou refletindo no disco. Entendo que Ace of Spades, Overkill e Bomber sejam verdadeiramente os clássicos do grupo, mas o meu preferido ainda é Another Perfect Day, talvez porque também sou um grande apreciador do Thin Lizzy.
A segunda parte do post, que aborda um pouco mais do Another Perfect Day e os lançamentos seguintes da carreira de Brian Robertson está praticamente pronta, espero que possa terminar em breve.
Seja muito bem vindo ao Minuto HM e mais uma vez obrigado por comentar aqui.
Um abraço.
CurtirCurtir