Cobertura Minuto HM – Angra em SP – 03/nov/2023 – resenha

Ciclos.

Uma série de fenômenos que ocorrem em uma determinada ordem, voltando ao seu estado inicial em algum momento.

Acho que no mundo da música, gostamos mais da palavra “fase” quando uma banda querida acaba trocando membros importantes e relevantes na sua história. Por mais de uma vez, o Angra, banda que escuto desde meus 14 anos, teve essa mudança de fase. O início de um novo ciclo.

Algumas vezes ciclos coincidem. E no dia 3 de novembro de 2023, o lançamento oficial do décimo álbum de estúdio do Angra, Cycles of Pain, coincidiu com o lançamento de seu debut, Angels Cry, há trinta (trinta!) anos atrás. Da formação original, só o guitarrista e principal compositor, Rafael Bittencourt. Naquela noite, no Tokio Marine Hall (que eu ainda chamo de ‘Tom Jobim’), São Paulo pôde presenciar o terceiro show da turnê de lançamento do novo álbum. Eu fui. Relutante ainda por muitos motivos de “fã chato”, mas fui.

Desse ciclo mais atual, com Fábio Lione nos vocais, foi a primeira vez que os presenciei. Na primeira oportunidade, não fui de birra mesmo. De revolta. Na minha visão, o mais que competente e eterno vocalista da banda italiana Rhapsody of Fire não se encaixava no som da banda brasileira. Passei mais de uma oportunidade de vê-los. Ano passado, na turnê de aniversário do álbum Rebirth, quebrei a barreira e já com ingresso comprado, há três dias do show, tive um problema sério na coluna que me impossibilitou de ficar em pé por alguns meses (que me levou a uma cirurgia, inclusive). “É coisa do destino, realmente não era para vê-los”, pensei eu, achando que teria passado raiva ao ouvir o italiano cantando canções eternizadas na voz de Eduardo Falaschi, que eu também sou fã.

E o destino fez com que a minha mãe adiasse a viagem para ver as netas para esse final de semana. Não tive como pensar duas vezes. Levando até a patroa, que só conhece o ciclo com Andre Matos, comprei os ingressos na hora, no local. E quase que no escuro! Porque durante aquele 3 de novembro, São Paulo tomou uma chuva, mas uma chuva que causou estrago em muito lugar, inclusive nos quarteirões próximos ao local do show. Escuridão total em certos quarteirões.

Quando entrei no Tokio Marine Hall, a banda Allen Key estava abrindo. Nem sabia que eles tocariam como abertura. Os conheci abrindo um show do Shaman, na Audio. E com a patroa com fome, fiquei no hall principal, vendo as lojinhas. Além da tradicional memorabilia musical da banda, que incluía algumas cópias limitadas do LP (sim, o disco!) do novo álbum autografadas, havia uma loja de placas de carro e de tênis estampados com os álbuns, além de uma tenda de pingentes e brincos. Comprei o CD, que não tinha ouvido via streaming naquele dia ainda. Ou seja, estava indo ouvir algumas músicas pela primeira vez ao vivo.

E fui dessa vez para ouvir e cantar o show. Não fiz vídeo nenhum. Tirei algumas fotos, e só. Nada de celular para ficar segurando. Precisava desse contato com o ciclo do Angra que ainda não tinha me permitido ver. A pista estava dividida em duas: um retângulo central criava uma “pista premium” em uma casa de shows que é pequena. Na boa, nenhuma necessidade de comprar exclusividade de localização. Uma coisa é comprar premium em um estádio lotado com 50 mil pessoas. Outra coisa é uma casa que cabe umas 4 mil pessoas na pista, que nem lotada estava.

Devo dizer que o setlist foi muito bom. Muita música! Muita música nova e um balanceamento adequado entre clássicos da banda e outras músicas não tão requisitadas, cobrindo a grande maioria dos álbuns. Eu, lado B que sou, tenho que destacar aqui as execuções de Ego Painted Gray, Morning Star, Lullaby for Lucifer (acústica, com o Rafael cantando) e OMNI Silence Inside. Tirando os clássicos mais voltados para o Power Metal, claramente a banda optou por canções que tirassem aquele bumbo duplo ultrassônico, o que, apesar de eu gostar muito e nunca me incomodar, não é a característica do Angra, que sempre misturou sons brasileiros em suas composições de heavy / power metal.

Agora, vou deixar aqui os meus achismos sobre alguns pontos que me chamaram a atenção.

Produção: nunca foi tão boa. Em épocas passadas, era um pano de fundo ou um telão sem graça. Agora, o telão tinha uma imensa variedade de passagens com referências à banda e seus álbuns (anjos, a plantação de trigo, efeitos especiais diversos, navios, fogo, água, para citar os que lembrei). Tinha até “palco secundário” (aquele palco criado pelo Metallica, que coloca o músico acima da posição da bateria). Realmente a produção melhorou muito e isso tem claramente dedo do Paulo Baron, que voltou a trabalhar nos bastidores da banda.

Som: nas primeiras faixas, o baixo estava estourando nas PAs. Pelo menos do fundo da casa, onde estava, o baixo me incomodou nas primeiras faixas. O grave do instrumento roubou o som da bateria e dos graves da guitarra. Lá pela terceira faixa isso foi acertado e todo o resto saiu muito bem. Achei a guitarra do Rafael com um som mais baixo que a guitarra do Marcelo Barbosa – nos duetos de guitarra não havia uma distinção clara dos dois instrumentos – ou isso foi birra minha. O microfone do Lione também tinha uns efeitos na parte grave e ecos que me incomodou, porque também interferiu nas PAs.

Marcelo Barbosa: confesso que ver a banda sem o Kiko Loureiro dá uma dor no coração. O Marcelo toca muito, é bem competente no instrumento e é até bem mais carismático que o Kiko. Nas composições próprias, o cara dá um passeio, mas nas composições do Kiko tem uma lacuna. Aqui tem algo que eu realmente não gosto – o Marcelo exagera muito no uso de two-hands tapping. Isso é algo para usar uma vez aqui, uma vez ali, ou quando o solo é criado com a técnica. Agora, em vários solos do Kiko, que não tem uso dessa técnica, o Marcelo vai lá e exagera nos tappings. Outra coisa é que os backing vocals da banda também caíram ao vivo, pois só o Rafael apoia agora com o microfone.

Fábio Lione: falando um português com sotaque italiano e pitadas de espanhol, consegui entender cerca de metade do que ele falava. O cara é tenor, a técnica dele é perfeita. Isso eu já sabia desde os tempos de Rhapsody. Nas músicas do André ele cantou muito bem, mas muito bem mesmo. Alguns agudos do nosso eterno maestro não foram emulados pelo italiano, o que eu achei certo, já que ele precisa colocar a marca dele nas canções. Já nas faixas gravadas com o Edu Falaschi, o grave do Fábio não chegava no mesmo patamar. Os timbres eram muito diferentes, mas isso não quer dizer que as execuções ficaram ruins. Canções como Ego Painted Gray e Morning Star ficaram demais. Já faixas como Bleeding Heart e Rebirth o timbre vocal deu uma saída do que eu esperava ouvir.

Bruno Valverde: tocou com Adrian Smith e Ritchie Kotzen! Quer que eu fale mais o quê desse moleque?! Tocou barbaridade! A bateria dele tem só um bumbo, o que mostra realmente que o bumbo duplo ultrassônico não é algo que o Rafael queira ficar trazendo para o novo ciclo da banda (sim, quem manda lá é o Rafael, se você ainda acha que uma banda é uma democracia).

Rafael Bittencourt: tocou bem como sempre. Fez uma sessão acústica onde ele protagonizou Lullaby for Lucifer. Deu uma declaração sobre o lançamento do Angels Cry há trinta anos e agora, todo esse tempo depois, um álbum novo continuando a jornada da banda. E dessa vez ele não usou aquele chapéu de cowboy que eu acho ridículo.

Felipe Andreoli: o baixista sobrou! Tocou certas faixas, inclusive, com baixo de braço duplo, com fretless. Muitos dos elementos progressivos foi ele quem trouxe à banda. Se tem uma coisa que o Angra nunca teve de ruim foi baixista. Luis Mariutti revolucionou (e continua mandando absurdo, teve álbum solo lançado recentemente) e Felipe Andreoli continuou inovando.

Tecladista: pois é amigos! Aqui o pau vai comer, sinto muito! O Andre tocava piano e teclado. O Fábio Laguna nunca foi contratado pela banda e agora ele está tocando com o Edu Falaschi. Custa contratar alguém para apertar as teclinhas ao invés de trazer gravações?! Fiquei louco com isso! Silence and Distance teve metade da sua execução como se fosse um caraoquê! Inadmissível! Por favor, contratem um tecladista ao vivo!

Novo álbum: é difícil ouvir algo pela primeira vez ao vivo e trazer uma impressão, mas claramente a banda tem uma roupagem nova e conseguiu imprimir uma nova e competente marca musical. Eu conhecia só os singles que lançaram, todos muito bons. Eles trouxeram a Vanessa Moreno para uma participação especial, uma das revelações da MPB, que dividiu os vocais de Rebirth com o Lione e uma das músicas novas, que escrevendo esse texto agora, não sei o nome. Fiquei impressionado com a voz da mulher. Nunca tinha ouvido ela e, trombando com ela na rua eu não pagaria nem um café. Que alcance vocal lindo! Que timbre macio! Ela roubou a cena cantando Rebirth.

É isso. Agora é ouvir o álbum novo e ver como estão as canções em estúdio. Eu gostei muito do show e espero que a banda prossiga nesse ciclo por um bom tempo, porque o Angra não tem mais idade para novas trocas de formações. Na saída, voltou a chover forte e ficamos curtindo a Mister Mojo, com covers bem executados do Motorhead, Sabbath, AC/DC, só coisa ruim rs.

Abrindo um parêntese, esse ano tivemos álbuns novos do Angra, Edu Falaschi, Luis Mariutti, Viper, Crypta, Noturnall, para citar artistas que estão no meu sangue mesmo com a vida sem tempo com a neném lá em casa (ou seja, bandas que eu não preciso ficar pesquisando). 2023 está um ano muito produtivo para nossa cena metaleira, sem contar muitos outros álbuns internacionais que saíram esse ano. Temos mais dois meses de chorinho e eu espero que apareça mais coisa boa ainda!

Beijo nas crianças!
Kelsei



Categorias:Angra, Cada show é um show..., Curiosidades, Músicas, Resenhas, Setlists

2 respostas

  1. Nada como uma resenha de quem entende…….e prende ler as coisas do Kelsei Depois manda foto do CD

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  2. Ótima resenha é escrever o óbvio. Mais do que isso, no entanto, gostei de ler as percepções de quem vem acompanhando, e assim gostando ou tendo decepções com as novas caminhadas da banda. Eu voltei a acompanhar a banda após a saída do Edu, na verdade, a partir do Omni.
    Então é muito bom acompanhar uma resenha de quem realmente apreciou cada instante do Angra, durante todos esses anos.
    E ainda mais com esse novo ciclo com o Cycle of Pain. Eu não acho esse novo álbum a melhor coisa que eles fizeram na vida, como muitos vem atestando. Eu achei um bom álbum e bem coeso. Há um cuidado nas escolhas, desde os arranjos, opções de mesclar os diversos estilos da banda em um trabalho só, a escolha do produtor, etc.
    E assim entendo que vou aproveitar a vinda deles aqui no Rio de Janeiro em dezembro.
    Em relação à banda, não consigo comparar alguns alcances vocais que o André ou o Edu fizeram durante a carreira com o que o Fabio entrega. Eu gostei bastante do que ele fez no novo álbum. Acho que atravessa um bom momento, vamos ver ao vivo.
    Concordo em praticamente tudo que você traz acerca do Marcelo Barbosa. Não há o questionar tecnicamente, porém o Kiko deixou um espaço não totalmente preenchido.
    Já o Bruno é uma excelente escolha. Este me surpreende muito em suas decisões de arranjo. E o Felipe é um espetáculo, agora ele resolveu incorporar o baixo doubleneck só pra trazer os timbres do fretless nas passagens mais lentas. O cara é uma lenda.

    É muito bom pra mim principalmente voltar a acompanhar a banda. Independente da qualidade do Edu, eu senti muito a falta do André à època e senti a falta do Angra com a banda do André. Assim, eu meio que abandonei as duas faces da moeda. Hoje, eu voltei a ouvir os álbum com o Edu, ainda que eu não curta tanto os powers, que ali estão mais presentes do que hoje.

    Aguardo com boas expectativas o show no Rio, no Circo, que é um ótimo lugar para ver qualquer banda.

    Valeu por trazer uma antecipação do que pode acontecer lá.

    Alexandre

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