A loja mais antiga de discos da Inglaterra foi posta à venda. E o que temos com isso? Muita coisa.

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“Respeitem os meus cabelos, brancos” (a vírgula é proposital)

Uma excelente matéria do site Opera Mundi fala sobre a venda da loja mais antiga de vinis da Inglaterra. Leia a matéria aqui. Vale a pena pela riqueza de detalhes associada a um texto enxuto e direto.

Segundo o dono da loja, o senhor Tim Derbyshire, a loja On The Beat parou de dar lucro faz algum tempo mas ele não gostaria de vendê-la senão para  alguém que mantenha o “sonho vivo”. Certamente o senhor Derbyshire sabe muito bem que sonhos não pagam aluguéis, taxas e impostos que batem a sua porta em determinados dias do mês. Uma lástima.

Antes que se antecipem um julgamento de que o autor deste texto tem um romance de corpo e alma com o passado, ledo engano. Não sou mais geek por restrições financeiras. Não chorei quando o vinil “foi pro saco” e nem lamento hoje a queda do compact disc (cd). Mudanças por mais drásticas que sejam, deixam um marca de dor no início, logo após o que temos é um período de adaptação, fase a qual estamos acostumados desde que os dinossauros (que o diabo pôs aqui) resolveram se mandar do planeta por motivos ainda misteriosos apesar das teorias.

O que é de se lamentar mesmo é que o sonho de qualquer pessoa infelizmente ainda se mantenha sob um preço. Onde não seja mais possível subverter a ordem das coisas e o dinheiro não seja conjugado e o sonho financiado, justamente nesta ordem. A gente verbaliza o dinheiro e contabiliza o sonho, não podemos dizer aos mecenas do mercado quem é que criou este negócio de valor e quem é que pode (obviamente) “descriar” esta parada chamada de lei de demanda.

Seria tão bom que o senhor Tim Derbyshire pudesse manter o seu sonho vivo mesmo que a loja fosse frequentada por chatos que perguntam sobre tudo e não levam nada! É claro que a loja que existe desde 1950 (conforme o ótimo artigo indicado acima) respira momentos incríveis da história da música, momentos estes que a gente diz que não tem preço mas que automaticamente estão debaixo do jugo da sobrevivência mediante suas próprias regras. Infelizmente loja de discos não funcionam como bibliotecas públicas, onde mediante uma pequena taxa mensal, você pode apreciar uma boa leitura.

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A ideia de uma vida que quebre regras, sem que seja necessário citar Marx que possuía as suas, é a idealização da arte indo ao encontro dos que por ela são chamados estabelecendo neste vínculo apenas sentimento como moeda de troca. Ela te dar “sentir” e você “sente” pela vida inteira e contagia os seus (irmãos, familiares, estranhos) para que eles contaminem outros neste mercado mais justo, onde as sensações são responsáveis por perpetuarem estes tais sentimentos que estão ali quando escutamos uma canção.

Portanto eu faço um apelo ao futuro comprador do On The Beat: não trate esta loja como quem trata um açougue (com todo o respeito aos bovinos e suínos leitores do MHM) e só quer perpetuar a prática do lucro como objetivo maior de vida. Trate o legado do senhor Derbyshire não como uma herança mas um bebê envolto a panos mal cheirosos que chegaram a porta da sua casa e que vai sim, lhe custar uma grana para cuidar, tratar e dar a devida condição.

Xingue e mande para os lugares mais antipáticos aquele desejo de “modernizar um museu”. Lembre-se: essa casa tem cheiro de camaleão e um homem que morreu e que está vivo; eles autografaram cópias preciosas de discos que não serão mais produzidos! Aí existem retratos longe do purismo da alta fidelidade, mas certamente sabemos de cór alguns versos que definitivamente mudaram nossas vidas. E pra melhor!

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Finalmente: lamento. Fico triste como se aquele espaço lá no Soho fosse meu. Como se estivesse me desfazendo da minha coleção “de qualquer coisa”. Tenho uma teoria que as coisas físicas são parte do que somos. Querem me conhecer? Entrem no meu quarto: vejam minhas roupas, leiam os meus livros, ouçam minhas músicas, veja onde está o último canal que assisti… É assim que você irá me (re) conhecer e saber por onde andei nestes últimos 38 anos.

Quando a gente vai a todos os shows possíveis, quando fazemos podcasts que duram expedientes e quando não temos a preguiça de explicar o que parece inexplicável, estamos dizendo para o jeito de se fazer internet o seguinte: “f*****, ainda amamos o que fazemos”. E enquanto houver amor estaremos aqui.

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Categorias:Curiosidades, Off-topic / Misc

9 respostas

  1. Daniel, é realmente um grande exemplo alinhado ao que acontece fora da loja também, ou seja, a forma de “consumir” música mudou, e muito e, além disso, ao mesmo tempo que a loja está passando por este momento de incógnita, a própria música também está neste momento, não é mesmo?

    Lembro-me de ter lido algum tempo atrás uma reportagem de uma loja de discos também na Inglaterra à venda, estou na dúvida se seria a mesma e o assunto voltou, pois me lembro de ser algo emblemático também. Isso sem contar outros grandes nomes pelo mundo que deram as mostras das dificuldades financeiras, como o próprio estúdio Abbey Road ou EMI, apenas para ficar nestes nomes de tanta expressão.

    O que nos resta é torcer para que dê tudo certo, quem sabe aproveitando esse retorno do vinil como um dos impulsos. Como o dono da loja disse, e tantos outros dizem por aí (por exemplo, na Galeria do Rock, em SP), este tipo de negócio é muito mais amor que grana viva…

    [ ] ‘ s,

    Eduardo.

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  2. O entendimento é o mesmo entre nós, Eduardo e Daniel. É uma pena, mas o mercado está muito restrito e a afirmação de que a própria música vive um momento de incógnita , pelo menos no tocante a questão formato , é bastante pertinente.
    Eu não tenho noção alguma de preço, mas mesmo para quem tem essa ” graninha” , será que valeria investir. Ou ficaria só com o ” ponto “, e a alma do negócio iria pro brejo. Acho essa hipótese bem mais provável….a não ser que seja o meu irmão a comprar a loja…

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  3. Olá amigos.

    Tenho em mim que o que na verdade mudou não foi o objeto, mas quem usa e passa muito pela declaração do Eduardo (em relação ao consumo). Digo mais: a forma como percebemos a música (falando de uma maneira generalizada e indistinta) foi completamente alterada e modificada a partir de um segmento social.

    É preciso ainda notar que existe – ao menos no Brasil – um público que ainda consome de maneira mais conservadora por ignorar completamente outras maneiras de fazê-lo, não por zelo ou pudor,

    Além de uma intensa transformação na percepção sobre arte outros mecanismos como Youtube e Google expulsam dos locais de encontro (as lojas) e se tornam “os locais de encontro”, bastante impessoal. Essa modificação pontual (por assim dizer) altera o caminho do alvo (lojista) e também o comportamento (cliente) de quem estava ali.

    É um fenômeno tão radical e disponível quanto a revolução industrial onde as técnicas de trabalho aliadas à construção de maquinário subjugaram o trabalho servil e o risco de baixa produtividade a partir de alguns fatores.

    É histórica a dimensão de transformação do homem e a sua adaptação a partir das circunstâncias, que vem de um mercado “pay per listen” para um “push to down”.

    Junto com isso o total desmembramento dos rótulos e estilos, descartando tradições e costumes, para abrigar sob o guarda-chuva de um novo mercado, em uma só prateleira, artistas que passam a dialogar usando as mesmas ferramentas, tocando nos mesmos festivais e trocando experiências em discos e produções.

    Graça e Paz,

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    • Daniel, concordo contigo. Além de tudo, temos o fato do público consumidor hoje em dia perceber menos o conceito de “album” e preferir “faixas individualizadas”, que foi uma forma que Steve Jobs, eternos gênio da Apple e do mercado de tecnologia, percebeu que seria competente no combate à pirataria. Ele foi contra tudo e todos com essa ideia até finalmente convencer os grandes estúdios, marcas e selos e hoje esta forma de operar no mercado é uma realidade – “a” realidade.

      [ ] ‘ s,

      Eduardo.

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  4. E se aguentasse um pouco mais, iria falir mais pra frente invariavelmente. Não há como sobreviver neste mercado sem buscar um diferencial, acho inclusive que no caso específico das videolocadoras, nem inventando sem trazer algo aliado a coisa anda.
    Mas que é uma pena, é….

    Alexandre

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