Para o incauto leitor que agora passa os olhos nas parcas linhas desse post, você só tem uma chance… qual é banda nacional que atravessou quase 35 anos de vida, com vários sucessos de rádio, participando até com trilha sonora de novela da maior emissora de TV aberta do Brasil, com grande exposição na mídia nacional, com dois grandes compositores com carreiras solos muito bem sucedidas, milhares de cópias vendidas e… compondo blues? Só uma chance…
É… é isso mesmo… Barão Vermelho… “mas existem várias bandas que tocam blues no Brasil”… sim, gafanhoto, é verdade, mas não com a envergadura do sucesso do Barão. Tá bom, eu sei que com o pai do Cazuza que era o dono da gravadora do início deles com o Dé Palmeira que foi casado com a Bebel Gilberto seria quase impossível a carreira do Barão não decolar mas também é quase desnecessário dizer que a banda não catapultou em nada o seu sucesso com os seus tais blues… um verdadeiro “pato feio” aqui nos trópicos… esse post é um exemplo… somos – nozes – aqui essencialmente um blog de metal mas tenho certeza que todos gostam de blues… aqui nos trópicos, o metal e o blues são quase da “mesma família” em certos aspectos … sad but true… enquanto nos EUA e na Inglaterra existe uma raiz, uma historia forte da luta dos negros do Delta do Blues, na América sulista opressiva e todo o seu contexto histórico do gênero, por aqui, a coisa é feia… poucos associam a isso…
Bom, voltando ao Barão, desde o início da banda os blues estavam lá e, em minha opinião, nunca tiveram seu devido reconhecimento… uma pena, algumas composições são excelentes. Pois bem, vou dedicar algumas linhas para alguns blues que eu acho imperdíveis na carreira da banda.
Antes de seguir com a lista, porém, é preciso lembrar que eu atravessei uma fronteira perigosa aqui: a de contextualizar o que é um blues. A lista tenta se ater a um formato de blues mais tradicional… depois a lista abre exceções para “vertentes” que se aproximaram da estrutura blues… mas isso é uma outra discussão, ok?
Bom, seguem dicas de sons que você deveria ouvir com um pouco mais de atenção quando sentir vontade de ouvir um blues carregado – ordem de preferência musical e lembrem-se que não encerra todos os “blues” da banda. Lá vai:
1º lugar
Música: Guarde Essa Canção
CD: Carne Crua
Era Frejat. Era de ouro. Essa para mim é uma das melhores músicas do Barão Vermelho de toda a carreira da banda. Parceria de Frejat, Cazuza e Dulce Quental. Para os cariocas boêmios, um hino. “Eu que não esqueço das longas noites no Leblon”. O Carne Crua é um CD muito bom e esse para mim é o melhor blues do Barão. Letra, ambientação, instrumental, tudo perfeito. Se buscam ouvir um blues em português, arrisquem esse aí.
2º lugar
Música: Que o Deus Venha
CD: Declare Guerra
É um poema de Clarice Lispector com alterações na sua estrutura pelo Cazuza e musicado pelo Frejat. O resultado é um blues da melhor qualidade. Ouçam com calma. Cassia Eller – uma fã assumida de Cazuza – também fez sua versão e optou por uma versão mais classudona e muito bonita. Ela mantém em sua versão a questão do gênero no texto a poesia e fez bonito. O Carlão 15 minutos, guitarrista excelente que tocou comigo e com o Marcus Batera um tempo, também adorava essa música.. 2º lugar pra ela.
3º lugar
Música: Down Em Mim
CD: MTV ao Vivo Barao Vermelho
Essa é uma música original da era Cazuza… mas esqueçam completamente as versões com Cazuza… a banda evoluiu muito em todos os aspectos e se tornou imbatível em suas execuções ao vivo… ouçam essa versão do Ao Vivo MTV gravado no Circo Voador, no RJ. Tem um trecho que é hino dos bêbados ou daqueles que um dia já beberam até cair…. diz assim: “na privada eu vou dar com a minha cara, de babaca pintada no espelho, e me lembrar sorrindo que o banheiro é a igreja de todos os bêbados… eu ando… tão down”:
4º lugar
Música: Quem Me Olha Só
CD: Rock’n Geral
Sonzeira… possui estrutura do blues classudão… na versão original, possui um naipe de metais matador. Essa versão “ao vivo” também é digna de menção, mas versão de estúdio é matadora também… era Frejat vocal, portanto, qualquer que seja a versão, esse blues ficará excelente:
5º lugar
Música: Não Amo Ninguém
CD: Barão ao Vivo
Blues com estrutura completa de blues… quadrado do blues indo e voltando música da era Cazuza que virou outra na sua roupagem… menos ansiedade e espaço pra estrutura blues. Possui excelente solo nessa versão:
6º lugar
Música: Bilhetinho Azul
CD: Barão Vermelho
Música leve, com letra despretensiosa e também assim foi a sua gravação… coisa feita sem compromisso de qualquer coisa. O resultado é algo que na época era muito além do seu tempo. Bom blues:
7º lugar
Música: Só As Mães São Felizes
CD: Álbum
Música também da fase Cazuza mas que ganhou roupagem bluseira na versão do CD intitulado Albúm e merece lugar na lista dos blues. Letra pesada, incômoda e mostra um pouco o way of life de Cazuza. Também remete à vida boêmia carioca… para quem conhece, sabe do que a música fala na Duvivier e no Barbarella mas deixa isso para lá… tem guitarra dobrada na introdução – coisa fina:
8º lugar
CD: Barão Vermelho 2
Música: Blues do Iniciante
Eu particularmente prefiro a versão com a Cássia Eller mas dentro da minha premissa de “estrutura de blues”, ele entra na lista:
9º lugar
Música: Bumerang Blues
CD: Declare Guerra
Bom blues com violão de corda de aço seguindo a estrutura blues. Vale registro na lista:
Menções honrosas por serem composições excelente que possuem estruturação parecida…lá vai:
Música: Ponto Fraco
Música da era Cazuza mas que abre o CD Barão ao Vivo. Como eu disse antes, esqueçam as versões com o Cazuza. Essa música é muito boa:
Música: Blues do Abandono
Música: Largado No Mundo
E não sendo Barão, mas é da parceria Frejat/Cazuza, eu fecho com Blues da Piedade, do 3º registro solo do Cazuza e com Amor Meu Grande Amor da Ângela Rô Rô que foi regravada e foi parar no registro Álbum da banda, mas a batida eletrônica desta última quase matou a música… mas não… ela é boa demais para ser morta por um único desvio:
O Barão, em minha opinião, é uma verdadeira banda de rock and roll que produziu ao longo de décadas verdadeiros clássicos do rock nacional e que mesmo com as atividades paralisadas, ainda hoje, o seu legado é muito relevante para música feita no Brasil. Frejat e sua turma sempre beberam da fonte de bandas como Rolling Stones, AC/DC e Santana e sempre teve sua veia bluseira presente materializando verdadeiras obras primas do blues nacional.
Como eu disse, esses blues nunca ou nada foram divulgados em sua maioria, o que é bastante compreensível em se tratando do nosso mercado de música popular. O público em geral que conhece mais as músicas de trabalho como Bete Balanço, Pense e Dance e a balada açucarada Por Você, não faz ideia da “teimosia” da banda em compor os blues que se seguiram em alguns dos seus registros.
É uma pena que as atividades dessa banda estejam há tempos “paralisadas”. Eu não sou parâmetro porque sou – ainda – um grande fã e um confesso apreciador da fase Frejat vocal mais do que a fase Cazuza vocal, mas, a obra da banda como um todo me agrada muito.
O registro do Barão Carnaval é para mim o melhor disco de rock nacional de todos os tempos… é pesado, tem músicas excelentes e lá não tem um blues! Tem um som chamado Nunca Existiu Pecado…
… mas, como disse, a música não é um blues. Ela tem um andamento cadenciado, assim como O Poeta Está Vivo…
mas não, não é um blues. Essa é uma outra “teimosia” da banda: O Poeta é uma excelente música de andamento cadenciado, detém inclusive o posto de melhor solo de guitarra dos registros da banda. Possui um espaço grande para o solo que é executado pelo Fernando Magalhães – convenhamos que, para uma banda de rock no Brasil, este solo provavelmente deve ser um dos melhores já gravados por aqui por uma banda famosa com execução em massa.
Voltando ao blues, o idioma inglês não tem igual para o estilo. É o que melhor se encaixa na melodia do gênero, por isso eu respeito quem compôs blues em português e isso deu certo.
Eu assisti a um ensaio do Barão em 1990 no lançamento do CD na Calada da Noite. Estava uniformizado para ir para o colégio e na saída do ensaio, alma lavada… a banda contava com um verdadeiro “peixe fora d’ água” em sua formação na época: Dadi. Baixista que tocou com a nata da MPB como Jorge Ben Jor, Cor do Som, Marisa Montes, Tribalistas e por aí vai… um cara diferenciado no meio inesquecível… os caras pareciam um playback de tão precisos. Só dei um pouquinho de azar que era o início da fase violão da banda, mas mesmo assim foi excelente o ensaio e eu já era um grande fã da banda.
É isso, espero que apreciem os blues do Barão regados a muito álcool que é a melhor coisa para acompanhar a audição de um blues…
Grande abraço.
Rolf
Edição: Eduardo [dutecnic]
Categorias:Artistas, Curiosidades, Discografias, Músicas, Resenhas
Rolf, post genial, como é bom ter você contextualizando uma das suas especialidades (aliás, não faltam especialidades) Concordo com muita coisa aí e eu conheço quase todos ou todos daí de cima. Gosto muito da Down em mim e Quem me olha só – são clássicos blueseiros do rock nacional e talvez os melhores junto com outras outras bandas mais escondidas que levantavam a bandeira do blues, principalmente nos anos 80/90, tais como Andre Cristovan, Blues Etílicos e nosso mestre Celso Blues Boy, que não conseguiram chegar ao mainstream por vários motivos, inclusive por talvez não tentar se adequar à necessidade de apelo comercial que as principais gravadoras desta época já procuravam.
Em relação ao Barão tem muita coisa boa escondida e o que se consagra quase nem sempre é o que se tem de melhor, como fica claro no seu excelente texto.
Vou deixar mais alguns blues aí embaixo. Será que alguém se habilita a montar um post do Celso?
Celso Blues Boy
Blues Etílicos
Andre Christovan
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esse e o ponto desse post……os artistas citados no seu comentario sao dedicados ao blues………sao essencialmente focados no estilo blues ……..e a ideia era essa….ja o Barao teimava em nao deixar de fora suas composicoes de blues ……Cazuza gravou com Celso Blues Boy ….era o main stream encontrando com o blues……..Marginal tocou nas radios por conta da teimosia do Barao em nunca abandonar o estilo…..
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Excelente post Rolf, eh muito bom ler algo relacionado a Barao ! Para mim a musica Down em mim eh a melhor !
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Uma bela seleção de blues nacional, coisa de quem entende do que está falando. Rolf, conheço um pouco da sua história com o rock nacional, e dentro deste, mais especificamente com o Barão, que justamente é por você considerado o melhor ou pelo menos um dos três melhores do segmento, assim eu imagino.
A minha escolha principal vai pra Quem me olha só, a qual também prefiro ao vivo, sem o naipe de metais.
Eu lembro da época do lançamento do disco Carnaval, o qual eu endosso suas palavras pelo menos no tocante a entendê-lo como um dos melhores lançados no país, e na ocasião uma rádio do Rio ( acho que era a Radio Transamerica) tinha um programa onde as bandas se apresentavam tocando no estudio da rádio. Não estou pesquisando na internet, mas se não me engano o programa chamava-se chá das cinco. Eu tinha gravado em fita K7 o programa todo do Barão, acho que também cheguei a gravar um dos Engenheiros do Hawaii. Aquele programa do Barão, já na fase Frejat, era talvez o que mais gostei de ouvir da banda até hoje. Lembro que tinha várias do álbum Carnaval, mas tinha também esse Blues, Quem me olha só.
Acho muito justa, inteligente e obrigatória a idéia de trazer e nos mostrar por aqui os vários exemplos da banda caminhando pelas raízes do blues. Se um dia quiser tocar qualquer uma dessas músicas comigo, será uma honra e um prazer.
Eu achei no youtube um show em formato de ao vivo em estudio em outra rádio, a 89. Segue aqui o link, é mais ou menos da mesma época . Um registro importante de trazer por aqui.
Excelente post!!
Alexandre
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O Rolf quando nos traz um post é praticamente um “ataque”… um ataque no melhor dos sentidos, você consegue trazer tudo aquilo que viveu e gosta de uma forma que muitos “especializados” nem sonham em trazer – a questão é justamente essa: você “viveu” isso e quando se fala de anos 1980 e o que acontecia no cenário carioca, especialmente, você é o cara.
Entendi a proposta do post e é muito legal ter lido e aprendido tudo isso. Comentando um pouco fora da proposta do post agora, como vocês todos sabem, eu não gosto mas respeito bastante certas bandas do rock nacional, de todas a que eu mais gosto é o Titãs, e com o Barão Vermelho nunca tive boas relações. Tive a chance de vê-los abrindo no Hollywood Rock 1995, no dia 30/janeiro, ou quase, pois naquela oportunidade eles alegaram que os instrumentos estava dando choque e mal tocaram, saindo do palco com uma vaia monstruosa. Eles eram a primeira banda (depois Rita Lee e Spin Doctors) abrindo para os Stones. Depois, em 2001, em outubro/2001, o Frejat abriu para o Eric Clapton no Pacaembu. O show foi inteiro com cadeiras no estádio e voaram várias cadeiras durante o show dele. Eu achei o show dele horroroso também (puta questão de gosto), mas até aí, vinha um Deus logo depois…
O Rolf tem um gosto e uma análise que me faz sempre repensar e analisar melhor. É muito raro eu não concordar com algo, portanto talvez aí esteja algo que eu possa tentar “entrar” na discografia do Barão: a parte blues.
Rolf, vai para a lista… e já fico aguardando o próximo post-petardo… parabéns!
[ ] ‘ s,
Eduardo.
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Quero, além de parabenizar o Rolf, pelo excelente e completo post, concordar muito.
Vivi a “New Wave o Brazilian Rock” (existe esta nomenclatura?), no início dos anos 80 e o Barão Vermelho foi a banda que mais valorizei, sempre.
Sou um amante de blues e gosto de todas as músicas citadas pelo autor. Inclusive “Down em Mim” e “Que o Deus Venha” que fazem parte do meu modesto repertório violonístico.
Down em mim tem alguns dos versos mais sensacionais da música brasileira: “Outra vez vou te esquecer pois nessas horas pega mal sofrer” ou então “Vou me lembrar sorrindo que o banheiro é a igreja de todos os bêbados”
Já “Bumerangue Blues” foi a terceira música que toquei na minha primeira banda de garagem (que nem de garagem era, pois não tínhamos instrumentos eletrificados e tocávamos na sala em um semi-círculo).
Aliás, a versão colocada no post difere um pouco da versão de estúdio:
Quanto ao melhor álbum, sei lá. Gosto muito do Declare Guerra, em que, além de Bumerangue Blues, tem um módico sucesso hard rock na música título.
De qualquer modo, o me parece indiscutível é que o melhor álbum ao vivo no rock brasileiro pós 1980 é o “Barão Ao Vivo” de 1989.
Também prefiro a fase pós cazuza. Menos baladas, mais blues, mas penso que nesta segunda fase a banda se beneficia de uma evolução natural com a passagem do tempo e tal.
Quanto aos sucesso barônicos, vocês não consideram “Por que a gente é assim” uma canção de sucesso que tangencia bastante o estilo nascido no delta do mississipi?
Pra terminar, além dos já citados, gostaria de mencionar a banda Big Allanbik. Sensacional:
Pra terminar. Já recomendei no podcast: pra quem quiser fazer uma viagem inesquecível, testemunhando diversos shows de diversas vertentes do blues (são 7 palcos) numa estrutura bem bacana, sugiro o Mississipi Delta Blues Festival, que ocorre em Caxias do Sul, neste anos, nos dias 24, 25 e 26 de novembro.
http://www.mdbf.com.br/
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Muito bom os comentários aqui. Eu só aprendo com vocês
Todo mundo manja demais aqui. Isso é algo impressionante
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