Queridos leitores, começo esse capítulo final de uma discografia “informal” do Queensrÿche, trazendo um conceito interessante de nosso idioma. Vejam vocês, eu não tenho formação em Letras ou qualquer outro modelo acadêmico reconhecido oficialmente no Brasil para dissertar acerca da nossa língua pátria. E para escrever esse capítulo, decidi fazê-lo, como no post que abrange o álbum Empire, com alguma reflexão que o cercasse, que trouxesse uma espécie de “amarrado” novamente.
Os quatro capítulos (já escritos aqui no Minuto HM) que abrangem a carreira do Queensrÿche até esse momento foram feitos muito em cima de reflexões próprias e específicas. Eu gostaria de manter essa questão. No caso deste Promised Land, a banda chegou naquele instante em que todas as bandas que atingiram o sucesso chegam: o famoso “So far, so good, but now…”. Ou seja, como tentar trazer um sucessor para um álbum de tanto reconhecimento? E em nossa língua portuguesa, eu não achei uma palavra que sozinha signifique o que é impossível de suceder. O certo era escrever não sucedível. Mas sucedível, a palavra, também não existe. E mesmo que existisse, não, não era bem isso, ficava “fraco” para ilustrar o momento. Portanto, decidi “assassinar” o português. E termino esse parágrafo pedindo desculpas…
Em 1993, tudo funcionava às mil maravilhas para o Queensrÿche. A banda acabara de excursionar durante 1 ano e meio como headliners às custas do poder de uma canção, Silent Lucidity, que elevou o álbum Empire financeiramente e o grupo ao status de mega astros. O grupo havia finalmente chegado onde queria, mas dali em diante teve de lidar com o dilema de refletir sobre o que fazer para suceder Empire em sua discografia. A gravadora, é claro, que investia pesado desde o sucesso de Silent Lucidity, já havia lançado dois home vídeos, um álbum ao vivo (Operation:LiveCrime) e aguardava por um novo álbum com hits para manter a popularidade e vendagem da banda.
O momento interno da banda, no entanto, era um pouco diferente da euforia da época do Empire. O cansaço acumulado da extensa turnê, os desgastes inevitáveis de relacionamento, o questionamento artístico os fazia refletir acerca de qual novo passo tomar e foi nesse clima que o grupo se reuniu, ainda no segundo semestre de 1992, para a continuação de Empire. O primeiro passo foi um afastamento da mídia e das garras da gravadora. Eles se reúnem com a co-produção de James Barton (que já sido engenheiro de som em Operation:Mindcrime) em uma ilha em sua terra natal, Seattle, no meio literalmente do “nada” para gravar Promised Land.
E o resultado é um álbum mais intimista, totalmente reflexivo, com pouquíssimos momentos de um estilo mais metal, flertando, na maior do tempo, com o progressivo e em alguns momentos com hard rock, de uma forma sombria, nunca antes vista na banda. E com uma arte gráfica de capa e conceito impressionante:
A gravadora pode até ter previsto um desastre, mas mantém a investida em duas faixas, a de abertura, I am I, mais acelerada do que a grande maioria do restante do material e Bridge, canção feita com violões, essa talvez na esperança de reviver Silent Lucidity. Além disso, banca um espetáculo mais ousado da banda, que aposta em shows com espaço para ambientações cênicas e vídeos para ilustrar as novas canções. O disco até estreia muito bem na Billboard, em um terceiro lugar, mas não tem fôlego para por ali permanecer. Nenhum dos singles performa na parada principal, não há premiações, mas, ainda na esteira do mega-platinado Empire, Promised Land vende 1 milhão e meio de cópias, o que dá uma sobrevida para a banda até o álbum seguinte.
Assim, temos a resposta para o titulo deste post, a banda não conseguiu ultrapassar a difícil tarefa de suceder um álbum tão bem sucedido. Voltou a ser uma banda dentro de seu séquito de fãs e perdendo ainda mais popularidade na sequência, fruto de saída de integrantes, entre outras razões que não são o motivo desta escrita. Aqui eu poderia terminar essa resenha, mas tantos anos depois vem outro questionamento, que é comum ao reconhecimento que o disco tem hoje, tantos anos depois: por que o disco é tão respeitado pela crítica e adorado por grande parte de seus fãs?
A resposta é até simples, pelo menos para mim que tem este como seu álbum favorito deste conjunto: a qualidade do material é soberba, o nível de composições é extraordinário, assim como a performance individual de cada um de seus integrantes. A produção é para ser ouvida nos detalhes, com fones de ouvidos da maior fidelidade, se possível. Ou então, ouça alto. E a turnê, onde eles tocaram todas as faixas do novo álbum, é aquele sonho de consumo do fã (como eu) que não teve a oportunidade de ver.
Tentando trazer mais detalhes do álbum, e talvez isto não esteja bem claro a esse momento do post, Promised Land não é um álbum inteiramente depressivo. Mas fica claro que depois de um álbum com mais potencial comercial, a banda fez uma curva muito abrupta, o que chocou muitos dos apreciadores de Empire. O início do álbum traz uma faixa feita por Scott Rockenfield de fundo incidental, intitulada 9:28 am, que é a hora em que Scott nasceu. Um som de bebê chorando se dá ao fim do tema, para o início propriamente da tida canção de abertura do álbum, mais direta, mas com influências orientais, I am I:
Damaged é a música mais pesada do álbum, riff poderoso e que provavelmente mais agradou os apreciadores mais rasos do álbum. Não há nada de errado nisso, é uma ótima canção, uma das poucas tocadas nas tours subsequentes da banda, como nessa versão, já sem Chris DeGarmo:
As que a seguem aprofundam o clima reflexivo. Out of Mind, com um lindo solo, lembra o Pink Floyd, uma das influências super admitidas pela banda, enquanto Bridge, a princípio um potencial single, revela-se uma delicada canção feita por Chris DeGarmo para o então recente falecimento de seu pai, cuja letra ou as próprias imagens do vídeo podem emocionar quem tem uma memória com ou de pai:
Daqui para frente, cada música é uma experiência particular, desde a sombria faixa-título passando pelo intrincado instrumental de Disconnected que emenda com Lady Jane, canção calcada no piano tocado por Chris:
O bom hard rock aparece nas faixas My Global Mind e One More Time. Enquanto a primeira traz uma bela letra político/social, talvez essa segunda tivesse algum espaço no Empire, pois é a que mais lembra o estilo do mega-platinado álbum. Promised Land se encerra com uma faixa contendo apenas piano e voz, Somebody Else?:
E a turnê, que combina aspectos teatrais com a música, é uma aula de bom gosto refinado. Tate canta Out of Mind em uma cadeira de rodas, como se estivesse internado em um sanatório, com camisa de força.
A execução da faixa-título se dá em um ambiente de bar, onde a própria banda é o conjunto contratado do bar e Geoff se senta no balcão. Como curiosidade, os clientes do bar são, na verdade, fãs que ganharam a promoção para fazerem tal figuração. Cada noite da tour trouxe experiências diferentes na canção, pois os fãs às vezes interagiam com a banda, em outras ficaram mais quietos, alguns dançaram, enfim os fãs acabaram por tornar-se parte do espetáculo, sem qualquer marcação.
A aventura musical que se tornou ouvir Promised Land teve seu preço, o de fazer a banda ter de voltar ao patamar anterior. As canções, a princípio, podem até não se mostrar sozinhas, mas servem como complemento para as outras e criam um conjunto muito consistente, impecável. Muitos acham que aqui é o início do fim para a banda. Eu enxergo este como o último grande suspiro desta grande banda que foi o Queensrÿche. Um dia, li uma definição que atesta que Promised Land está para o Empire assim como o Wish You Were Here para o Dark Side of the Moon. Eu até concordo com a definição, se considerarmos o aspecto de vendagens, talvez pelo clima dos trabalhos. Aliás, eu adoro o Wish You Were Here, quase tanto quanto o Dark Side of the Moon. Mas não posso concordar que essa analogia envolvendo Promised Land e o Empire se aplique – até por que o Promised Land é para mim muito melhor…
Saudações,
Alexandre Bside.
Revisou: Eduardo.
Categorias:Curiosidades, Discografias, Letras, Músicas, Queensrÿche, Resenhas
Que bom termos a possibilidade de lermos mais um post do Alexandre nesse domingão chuvoso de inverno, uma ótima oportunidade para ficarmos em casa rodeando nossos discos.
A primeira vez que ouvi o Queensryche foi através do The Warning, acho que foi inicio de 86, me lembro de ter achado o vocalista muito bom, mas como eram tempos de muitas descobertas acabei meio que encostando o LP de lado, no final do mesmo ano veio Rage for Order… detestei e mais uma vez encostei o disco.
Hoje, olhando pra traz vejo que foi tudo um grande erro!!! Talvez na época não estivesse maduro o suficiente para entender as magnificas obras-primas que são estes trabalhos. Ai então veio o Operation: MindCrime. knock-out!!! Se hoje pudesse escolher um disco de Heavy Metal, apenas um disco, seria esse!!! E olha que meu grupo favorito e’ o Iron Maiden.
Sem mais rodeios, vamos direto ao Promised Land, sei da sua predileção por este trabalho, pois já comentamos sobre ele em outros posts, então entes de qualquer coisa, gostaria de me desculpar por não partilhar da mesma opinião. Penso que se tratando de Queensryche, Promised foi a minha maior decepção, mesmo sendo um bom disco. Explico melhor, quando ouvi Rage for order pela primeira vez, me lembro de não ter gostado, porem na época, não esperava muita coisa da banda, porem quando peguei o CD de Promised Land, estava cercado de expectativas, as melhores… pois quase tudo que o grupo tinha lançado era maravilhoso, mesmo Empire não sendo 100%, já que havia algumas faixas mais fracas, como Della Brown por exemplo, estava ansioso pelo novo disco. Para aumentar a expectativa, a capa era a mais bonita que a banda já havia lançado,Geoff Tate era pra mim o melhor vocalista da época, cada disco era diferente entre si, oque poderia surgir dessa vez? Porem a decepção veio com as musicas, pelo menos pra mim, musicas arrastadas em demasia, sem o mesmo brilho dos trabalhos anteriores, algo como sobras do Empire. Mesmo assim, gostei bastante de Damaged, My Global Mind (apesar do refrão meio chato), One More Time, Lady Jane (acho o piano fantástico) e (pra mim) a tentativa de fazer uma nova Silent Lucidity, Someone Else?.
Penso que Promised Land e’ um bom disco, se analisado separadamente, ou mesmo na totalidade da discografia da banda, porem se formos comparar os discos do Queensryche de 83 a 94, ele fica anos luz de distancia. Bom, pelo menos no meu gosto. Também acho que o desgaste das bem sucedidas turnês dos dois discos anteriores acabaram por desgastarem o grupo.
Aproveitando este excelente post do Bside, o escutei mais uma vez usando fones de ouvido, como sugerido pelo Alexandre e infelizmente a minha opinião continua a mesma.
Porem em uma coisa concordo inteiramente com o texto, Promised Land foi mesmo o inicio do fim!!!
Um abraço.
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JP, muito legal o seu comentário, abrangente e trazendo sua vivência sobre diversos momentos da banda. É evidente que as discordâncias existem e são bem vindas ( a não ser para a banda, que certamente gostaria de ter tido mais defensores do álbum).
Na verdade, eu não considero o início do fim da banda, isso para mim veio no álbum seguinte, mas concordo que muitos os acharam( inclusive você).
Outro ponto interessante é a questão envolvendo a música Della Brown que é certamente a música mais ” Promised Land” do Empire. Fica clara que o estilo proposto já naquela ocasião era uma espécie de indicador do futuro da banda, que viria no álbum seguinte. Pra os que gostam ( eu considero essa uma das melhores músicas , talvez a melhor, do Empire) e para os que não gostam ( uma grande parcela sim, assim como você). Trazendo em retrospecto, talvez NM156 ( do The Warning) é pra mim a indicadora do estilo do álbum seguinte, o Rage for Order. Ficou aqui a curiosidade de saber o que você acha da faixa.
Por fim, louvo sua nova tentativa de mudar a concepção do álbum e agradeço demais suas intervenções, sempre é bom ler as palavras de um profundo conhecedor musical.
Saudações ,
Alexandre
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Assim como JP conheci o Queensrych no mesmo período 85/86 antes do Rage for Order lançado. Mas pelo contrário, ao invés de deixar o The Warning de lado ele foi “direto pras cabeças”. Obviamente as influências do autor do post foi decisiva.
Infelizmente só fui conhecer o Promissed Land anos depois do lançamento, já que os anos 90 passaram batido pra mim.
Concordo em quase tudo com Mr. Alex. Considero um excelente álbum do Queensrych, onde se pode identificar os elementos característicos da banda e até acho um dos melhores tecnicamente. Mas não é o que mais gosto. A predileção vai para o The Warning, aliás um dos álbuns de rock que mais estimo.
Nem sempre um álbum aclamado pela crítica tem a mesma recepção dos fãs. Aliás álbuns geniais costumam não ser aceitos/compreendidos pelos fãs no seu lançamento. Acredito que esse fenômeno ocorra pela tendência da maioria dos fãs desejarem uma evolução linear das suas bandas preferidas. Mas nem sempre esse é o desejo da banda. Esse é um álbum digno de qualquer coleção.
Valeu pelo post!!!!
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Cláudio, que bom vê-lo traçando suas impressões novamente por aqui. E principalmente quando você cita que …”álbuns geniais costumam não ser aceitos/compreendidos pelos fãs no seu lançamento. Acredito que esse fenômeno ocorra pela tendência da maioria dos fãs desejarem uma evolução linear das suas bandas preferidas. Mas nem sempre esse é o desejo da banda….”
Essa é uma grande verdade, que muitas vezes deixou as bandas em uma espécie de encruzilhada. Eu mesmo admiro demais algumas dessas algumas aventuras ( Somewhere in Time ( Iron) , Motley Crue ( com Corabi), Carnival of Souls e The Elder (KISS) ou o próprio Rage for Order do QR) e não compreendi álbuns como o Nostradamus, do Judas. A questão cai para o gosto e fica muito subjetiva. No caso do QR, era muito provável que eles mantivessem o sucesso se fizessem um Empire 2. Pra mim, no entanto, foi melhor arriscar, o conteúdo me agrada demais neste Promised Land. Enfim, uma discussão que não se vê o fim….
Obrigado pelo tempo dedicado aqui e pelas palavras
Alexandre
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Bom, Alexandre é a maior autoridade no assunto Queensryche.
Seu cpnhecimento e devoção pela banda, aliado a um altíssimo grau de conhecimento musical torna sua chancela algo inexoravelmente verdade.
A parte em que ele cita
“a qualidade do material é soberba, o nível de composições é extraordinário, assim como a performance individual de cada um de seus integrantes. A produção é para ser ouvida nos detalhes, com fones de ouvidos da maior fidelidade, se possível. Ou então, ouça alto. E a turnê, onde eles tocaram todas as faixas do novo álbum, é aquele sonho de consumo do fã (como eu) que não teve a oportunidade de ver.”
É sinal de que o material deve ser mesmo algo fantástico de se ouvir.
Depois de ouvir o Bruce informado no pod cast, vamos ver se não entro por esse aqui…….
Obrigado B Side. Mantenha-se aqui nos dando muito informação e conclusão que podemos aprender
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Rolf, o QR foi uma banda que eu realmente acompanhei desde o inicio, aliás uma das poucas daquela época. Isso acabou por trazer um certo conhecimento , aliado , após esse álbum, mais especificamente após a saída do Chris DeGarmo, a certa decepção com os rumos da carreira deles e conteúdo musical até a cisão mais recente.
Independente disso, mesmo com sua boa vontade, acho meio improvável que você curta o álbum, pois o conteúdo não tem punch, é mais reflexivo. Acho que você vai considerá-lo bom, visto o seu grande entendimento musical, mas não como algo que você ouça constantemente.
Ainda assim, seria uma ótima ter essa sua opinião. Se puder, traga-a aqui, por favor.
Alexandre
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Entrevista em inglês com Michael Wilton, onde ele considera ( perto de 6 min ) esse o álbum mais injustiçado da banda.
Traz outros bons assuntos relacionados à banda, do atual momento e do passado e tal testemunho que bate exatamente com o que eu penso ..
Segue :
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A pedidos, seguem as fotos do vinil. Um album de 1994, fora da minha regra, mas para um disco desses não tem regra,
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Versão em vinil simplesmente espetacular. Faz jus ao conteúdo maravilhoso!
Alexandre
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